• Nenhum resultado encontrado

Redefinição do Estado e contradições de uma autarquia de assistência a

No documento Download/Open (páginas 114-200)

CAPÍTULO III – A REDEFINIÇÃO DO ESTADO, EM GOIÁS, E O IPASGO NA

3.2 Redefinição do Estado e contradições de uma autarquia de assistência a

O exame do significado da relação público-privada na execução de ações de saúde para os trabalhadores no serviço público estadual em Goiás configurou- se, conforme análise realizada neste estudo, a partir dos anos 1960, com o desenvolvimento do planejamento estatal implantado por Mauro Borges, por meio da criação do Ipasgo. Essa relação envolveu a racionalidade impressa aos programas de saúde como estratégia de gestão estatal, subordinada inicialmente por uma lógica corporativista, de delineamento de um Estado social.



51Disponívelem:•http://www2.ipasgo.go.gov.br/site/arquivos/Principal/Ipasgo_Preserva.pdf•.Acessoem:

17jul.2013. 

Posteriormente, justificou-se em um processo de redefinição do papel do Estado, em decorrência da própria estratégia de rearticulação do capital no plano mundial, pela incorporação do processo de precarização do trabalho, de mercantilização dos serviços e de subordinação do público ao privado como parte de um novo modelo de gestão, que engloba a defesa de um Estado mínimo para o social.

Nestes termos, a trajetória e funcionalidade do Ipasgo e sua relação com a redefinição das funções do Estado, em Goiás, no contexto da ordem do capital, como parte integrante de uma realidade dinâmica, implica um capitalismo diferente das décadas de 1960 e 1970, mas que continua sendo um modo capitalista “de produzir/reproduzir relações sociais a partir da produção material das condições de vida social, produção fundada na exploração do trabalho, contendo contradições e limites imanentes à sua estrutura e dinâmica” (NETTO, 2010, p. 258, grifos do autor).

A redefinição do papel do Estado, após 1970, no tocante à política de saúde, esteve condicionada pelo processo de mudança/reestruturação no modo capitalista de produção e relacionou-se com as alterações sofridas na realidade social. Esse processo desencadeou mudanças nas leis de funcionamento do Ipasgo, em períodos relativamente próximos, como demonstrado anteriormente (1973, 1986, 2002 e 2011), com alterações, também, na forma de gestão do órgão.

Como visto anteriormente, até a década de 1960, as ações públicas de saúde, no Brasil, destacaram-se pelas campanhas sanitárias e pouco financiamento estatal para o setor. Como uma alternativa de cobertura médico- previdenciária, foram criados os CAPs e os IAPs, destinados para algumas categorias profissionais, porém sem representar os trabalhadores civis e militares, do serviço público, que possuíam seu próprio instituto, o Ipase.

Esse processo demarcou a consolidação do capitalismo monopolista no país, e o Estado adquiriu características estratégicas nesse movimento, convertendo-se, no dizer de Behring (2008, p. 105) em “captador da poupança externa e base de internacionalização da economia brasileira, em consonância com os interesses de classe que representava”, a burguesia. A forte intervenção econômica do Estado ocorreu de forma diversificada em ramos que não interessavam à iniciativa privada, e com uma ambiguidade: ao mesmo tempo em

que se colocava junto ao capital nacional, facilitava a entrada do capital estrangeiro no setor produtivo.

Como analisa Netto (2011, p. 34), a organização monopólica da sociedade implicou no redimensionamento do Estado burguês, que amplia e torna mais complexa a estrutura e o significado da ação estatal e incorpora os desdobramentos do caráter público das refrações da questão social: “as sequelas da ordem burguesa passaram a ser tomadas como áreas e campos que legitimamente reclamavam, e mereciam, a intervenção da instância política que, formal e explicitamente, mostrava-se como expressão e manifestação da coletividade”.

Essa expansão reconfigura e amplia a função do Estado brasileiro que foi realizada com o discurso de defesa da iniciativa privada, em nome do crescimento econômico e marcada pelo aumento de sua capacidade de cobrança de tributos, pelo crescimento de suas atividades empresariais e pelo aumento do custo da administração indireta e descentralizada (administradoras dos fundos).

Na década de 1970, os convênios médicos entre empresas empregadoras e empresas médicas (cooperativas médicas e empresas de medicina de grupo), mediados pela previdência social, e os planos próprios de empresas estatais e multinacionais estimularam, decisivamente, o processo da medicina privada.

Netto (2011) analisa que a perspectiva “pública” é implementada pelo Estado, no capitalismo monopolista, quando se trata de refrações da “questão social” tornadas flagrantemente massivas e em conjunturas de desenvolvimento econômico ascendente, e a perspectiva “privada” ocorre, sobretudo, em momentos imediatamente anteriores e posteriores à emergência de conjunturas críticas. Contudo, a implementação dessas perspectivas não ocorre de forma linear, regular, podendo se sobrepor a cada momento. Em qualquer alternativa, o Estado possui as condições de subsidiar a perspectiva pública e vincular a ela a perspectiva privada, além de, em toda conjuntura, utilizar das duas perspectivas.

A constituição do Ipasgo deu-se nesse contexto em que a seguridade social brasileira vivia um momento de fragmentação dos meios de consumo coletivo, liberando a prestação de serviços de saúde e previdência para o capital privado. No âmbito não governamental, observava-se a ampliação de serviços próprios das empresas. Contudo, três regimes continuavam vinculados ao

financiamento público: o dos trabalhadores do serviço público federal, os programas de assistência à saúde de empresas estatais e o financiamento específico para trabalhadores rurais, com a criação, em 1963, do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural).

Assim, em um conjuntura em que a saúde pública voltava-se para a criação de condições sanitárias mínimas para as populações urbanas e rurais, e o setor de assistência médica previdenciária atendia aos trabalhadores do setor privado e estatal por meio dos institutos de aposentadoria e pensões, o estado de Goiás constituiu uma rede de serviços de previdência e assistência aos trabalhadores públicos por meio de um convênio com um instituto de previdência geral e, posteriormente, com o serviço oferecido pelo próprio estado, por uma autarquia, o Ipasgo.

Segundo Paula (2010), as autarquias são pessoas jurídicas de direito público, com capacidade autoadministrativa e patrimônio próprio, porém sob controle estatal e participantes do orçamento do Estado. São criadas por qualquer ente federativo (União, Estado, Município ou Distrito Federal) mediante leis específicas, e só lhe são outorgados serviços típicos da administração pública, ou seja, “atividades educacionais, previdenciárias ou quaisquer outras outorgadas pela entidade estatal matriz, mas sem subordinação hierárquica, sujeitas apenas ao controle finalístico de sua administração e da conduta de seus dirigentes” (PAULA, 2010, p. 25-26).

De acordo com o Relatório de Avaliação de Programa de Governo, do Tribunal de Contas do Estado de Goiás (GOIÁS, TCE, 2006), ser gerido por uma entidade autárquica confere ao Ipasgo a dimensão pública do plano, considerando o controle administrativo ou tutela estatal. Portanto, o órgão é considerado um serviço público prestado de forma indireta. Apesar de não existir uma definição de serviço público na Constituição Federal brasileira, há um entendimento doutrinário dominante que o considera como qualquer atividade de oferecimento de utilidade material à coletividade, desde que, por opção do ordenamento jurídico, essa atividade deva ser desenvolvida sob regime de direito público (CONCENTINO, 2010).

A assistência à saúde no Brasil configura-se com uma dupla institucionalidade, do sistema público e do privado, e, de acordo com Menicucci

(2006), e apesar dessas duas modalidades, sem vínculos do ponto de vista jurídico, estão submetidas à regulação de uma mesma instância governamental, o Ministério da Saúde, e no caso da saúde suplementar, por meio de uma agência reguladora, a ANS.

Apesar de tratar-se de um plano estatal, os termos que definem uma operadora de saúde privada como de autogestão e os usuários aos quais são destinados seus serviços identificam-se ao seu padrão, conforme disposto no Art. 2º da Resolução Normativa (RN) no 137, de 14 de novembro de 2006 (BRASIL, ANS, 2006):

a) a pessoa jurídica de direito privado que, por intermédio de seu departamento de recursos humanos ou órgão assemelhado, opera plano privado de assistência à saúde exclusivamente aos seguintes beneficiários: sócios da pessoa jurídica, administradores e ex-administradores da entidade de autogestão, empregados e ex-empregados da entidade de autogestão, aposentados que tenham sido vinculados anteriormente à entidade de autogestão, pensionistas dos beneficiários descritos, e grupo familiar dos beneficiários descritos, limitado ao terceiro grau de parentesco, consangüíneo ou afim;

b) a pessoa jurídica de direito privado de fins não econômicos que, vinculada à entidade pública ou privada patrocinadora, instituidora ou mantenedora, opera plano privado de assistência à saúde exclusivamente aos seguintes beneficiários: empregados e servidores públicos ativos da entidade pública patrocinadora, empregados e servidores públicos aposentados da entidade pública patrocinadora, ex-empregados e ex-servidores públicos da entidade pública patrocinadora, pensionistas dos beneficiários descritos, sócios da entidade privada patrocinadora ou mantenedora da entidade de autogestão, empregados e ex-empregados, administradores e ex-administradores da entidade privada patrocinadora ou mantenedora da entidade de autogestão, empregados, ex-empregados, administradores e ex-administradores da própria entidade de autogestão, aposentados que tenham sido vinculados anteriormente à própria entidade de autogestão ou a sua entidade patrocinadora ou mantenedora, pensionistas dos beneficiários descritos, grupo familiar dos beneficiários descritos, limitado ao terceiro grau de parentesco, consanguíneo ou afim, e as pessoas dos

últimos cinco grupos vinculadas ao instituidor desde que este também seja patrocinador ou mantenedor da entidade de autogestão; e

c) a pessoa jurídica de direito privado de fins não econômicos, constituída sob a forma de associação, que opera plano privado de assistência à saúde exclusivamente aos associados integrantes de determinada categoria profissional e aos seguintes beneficiários: empregados, ex-empregados, administradores e ex-administradores da própria entidade de autogestão, aposentados que tenham sido vinculados anteriormente à própria entidade de autogestão, pensionistas dos beneficiários descritos e grupo familiar dos beneficiários descritos, limitado ao terceiro grau de parentesco, consanguíneo ou afim.

A gestão do Ipasgo Saúde aproxima-se dessa definição ao destinar-se a uma categoria profissional, porém, difere, fundamentalmente, dela quanto às características jurídicas e operacionais, uma vez que as entidades de autogestão só operam plano privado de assistência à saúde coletivo e restrito aos beneficiários mencionados acima (BRASIL, ANS, 2006) e a “a autogestão pública submete-se a regime jurídico de direito público interno, na forma de autarquia, e como tal, sujeita-se ao controle administrativo e à tutela do Estado” (GOIÁS, TCE, 2006, p. 29-30). A Lei no 14.081ߎ2002 (GOIÁS, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, 2002) apontava a tutela do Estado em relação ao Ipasgo: “a autonomia administrativa e financeira do Ipasgo não exclui o exercício da supervisão de suas atividades pelos órgãos competentes do Poder executivo”.

Ao seguir o modelo definido como autogestão, típico do setor privado e regulamentado pela ANS, o Ipasgo “volta-se para o setor privado de assistência à saúde, desde que o Estado isentou-se, constitucionalmente, de atividades supletivas à saúde, com a criação do Sistema Único de Saúde – SUS” (GOIÁS, TCE, 2006, p. 74). Por outro lado, ao instituir-se público, fica desobrigado de regular-se pelas normas estabelecidas pela ANS, tendo autonomia para atribuir valores próprios às suas tabelas de mensalidades e de procedimentos médicos.

Este hibridismo público-privado em sua formulação e gestão confere-lhe, simultaneamente, situações privilegiadas e administrativamente difíceis, verificadas em suas reestruturações, como, por exemplo, a independência em

definir os valores de procedimentos e exames segundo tabela própria e as cessões de uso de imóveis do seu patrimônio (GOIÁS, TCE, 2006).

Após 1964, a intervenção do Estado como produtor gerou um descompasso institucional entre a burocracia governamental (administração direta) e o executivo de estado da administração pública (administração indireta), e fez-se acompanhar de sua privatização, por meio de suas agências, no entanto, sem a legitimação política existente em período anterior, decorrendo, portanto, o isolamento do setor governamental.

Economicamente, a articulação do Estado com a burguesia nacional e o capital estrangeiro fundou o “milagre brasileiro”, sustentado pelo êxodo rural, concentração de força de trabalho barata nos centros urbanos e oferecimento de facilidades para empréstimos privados, sem garantias de investimento produtivo e aprofundamento da dívida pública externa.

Até a década de 1980, a compra de serviços privados pelo governo, favoreceu o crescimento do setor privado de saúde, devido à fragilidade do atendimento à saúde oferecido pelo Estado e dos incentivos fiscais direcionados à iniciativa privada, propiciando o surgimento de instituições como a medicina de grupo, as cooperativas médicas e os sistemas de autogestão, vinculadas a empresas que administram planos privados de saúde para seus empregados e incentivando a adesão de uma camada da sociedade desprovida de proteção e de regulação jurídica (CANTON; NEVES, 2006; MENICUCCI, 2006).

O país adentrou a década de 1980, enfrentando dificuldades na formulação de políticas econômicas orientadas pela política econômica norte-americana, elevação dos juros e da inflação, um empobrecimento generalizado, crise nos serviços sociais públicos, desemprego, informalização da economia e favorecimento das exportações em detrimento das necessidades internas.

Segundo Behring (2008, p. 139), em meio à crise econômica em curso, prevaleceu “a orientação que preconizava o papel do Estado como sinalizador e promotor das mudanças requeridas”. O governo reconhecia a necessidade da modernização do parque industrial e da introdução da tecnologia eletrônica e biotecnologia, com atração de capital estrangeiro, desregulamentação da atividade econômica e adoção de padrões do liberalismo como forma dessa modernização e com vistas à inserção no cenário internacional.

A política industrial, envolta em um discurso liberal, previa a adoção de fortes subsídios estatais e a abertura econômica do país, articulada a outras políticas orientadas para o mercado e com forte capacidade de persuasão, em uma conjuntura de desgastes dos planos econômicos anteriores, reestruturação produtiva e de mundialização do capital.

Associada à agenda liberal em curso, houve a retomada do Estado democrático de direito, com o surgimento de um “movimento operário e popular novo” (BEHRING, 2008, p. 142), criado em decorrência das mudanças estruturais produzidas pela industrialização e urbanização, e cuja presença e ação interferiram na agenda política ao longo dos anos 1980 e regularam alguns eixos constitucionais, como os direitos sociais, incluído, aí, a saúde como componente da seguridade social.

Com a promulgação da Constituição Federal do Brasil (BRASIL, ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE, 1988) e a implantação do SUS, modificou-se a execução do atendimento público de saúde oferecido, uma vez que a saúde passou a ser entendida como política pública, inserida no âmbito da seguridade social como direito de todos e dever do Estado.

O sistema de proteção social brasileiro fez emergir o grande paradoxo do Estado brasileiro: a estruturação de um sistema de seguridade segundo a lógica previdenciário-assistencial em uma sociedade com frágil assalariamento, precarização das relações trabalhistas e do próprio trabalho, em meio a um contexto de contradições entre as concepções de Estado liberal-conservadora e de Estado Social, em que prevaleceu a primeira concepção.

Já a partir de 1988, as forças comprometidas com a Reforma Sanitária começaram a perder espaço no interior do governo e dos aparelhos institucionais e a esfera privada de saúde começou a se reorganizar, direcionando o setor, tanto nos aspectos econômico e político, culminando nos anos 1990, com o redirecionamento do papel do Estado, conforme o ideário neoliberal (BRAVO, 2008), iniciado com Fernando Collor de Melo e seguido por Fernando Henrique Cardoso.

A abertura comercial do Brasil, imposta pelas reformas econômicas e políticas, desde o governo de Fernando Collor, repercutiu na redefinição das políticas sociais. O mercado de medicina privada impôs-se como alternativa ao

precário atendimento da saúde pública, ao incorporar o ideal de acesso e qualidade dos serviços, fortalecendo a ideologia do público como tudo o que ineficiente, aberto ao desperdício e à corrupção e do privado como esfera da eficiência e qualidade.

De acordo com Netto (2011, p. 35-36),

nas condições da idade do monopólio, o caráter público de enfrentamento das refrações da ‘questão social’ incorpora o substrato individualista da tradição liberal, ressituando-o como elemento subsidiário no trato das sequelas da vida social burguesa [...]. Por uma parte, a ordem burguesa supõe necessariamente que, em última instância, o destino pessoal é função do indivíduo como tal; a consequência inelutável é que tanto o êxito quanto o fracasso sociais são creditados ao sujeito individual tomado enquanto mônada social. Por outra parte, a criação, pela via de ações públicas, de condições sociais para o desenvolvimento dos indivíduos não exclui a sua responsabilização social e final pelo aproveitamento ou não das possibilidades que lhes são tornadas acessíveis.

Tendo em vista a tradição liberal, o acesso à saúde por meio de um plano de assistência passou a ser defendido por parcela da população, que “se engaja junto ao Estado no projeto neoliberal de privatização da saúde” (CANTON; NEVES, 2006, p. 159), reforçando a contradição do pagamento individual por um direito social.

Outro fator de incentivo ao rápido crescimento do setor foi a ausência de regulamentação para a normatização, controle e fiscalização das operadoras de saúde, até 1998, quando houve a criação da ANS, autarquia vinculada ao Ministério da Saúde, com atuação em todo território nacional.

Além disto, a aprovação da Emenda Constitucional no 20/1998 (BRASIL, CONGRESSO NACIONAL, 1998d) contribuiu para o fortalecimento do setor privado de saúde e previdência, ao inserir a ruptura das duas políticas no âmbito da seguridade social, comprometendo a forma de organização e funcionamento dos institutos estaduais de provimento de previdência e assistência dos trabalhadores dos serviços públicos estaduais. Essa emenda reforçou o caráter contributivo da previdência, a filiação obrigatória, a exigência do equilíbrio financeiro e atuarial e o atendimento à cobertura de aposentadorias, pensões e auxílios à maternidade, desemprego e reclusão, além de aproximá-la do seguro privado.

Na análise de Behring (2008, p. 172), a reforma da previdência social fez parte do Plano Diretor da Reforma do Estado, dirigido por Bresser Pereira52, que

julgava que o Brasil e a América Latina haviam sido atingidos, nos anos 1980, por uma dura crise fiscal agravada pela crise da dívida externa e pelo populismo econômico, caracterizado por políticas macroeconômicas na América Latina, mantendo o ativismo do Estado no desenvolvimento e acenando a redistribuição de renda no curto prazo, sem sustentação no longo prazo.

Behring (2008) analisa que esse plano não pretendia atingir o Estado mínimo, mas reconstruir um Estado com responsabilidades na área social, com contratação pelo Estado de serviços sociais oferecidos pelo mercado. As políticas sociais (saúde, educação) deslocariam do âmbito estatal e seriam contratadas e executadas por organizações públicas não estatais competitivas. Esse novo Estado, pequeno e forte, teria a tarefa de garantir a propriedade e os contratos, promover o bem-estar e os direitos sociais e realizar uma política industrial e de promoção de exportações.

Para garantir a modernização do Estado, foi proposto um pacto, que iniciou com a liberalização comercial, privatizações e programa de estabilização monetária (Plano Real) e prosseguiu com a reforma da previdência social e da administração pública, por meio da reforma gerencial do Estado, caracterizado como rígido, lento, ineficiente e sem memória administrativa.

Os argumentos referentes à necessidade da reforma do Estado foram de que a crise brasileira constituía uma crise de Estado, o qual se desviou de suas funções básicas, tendo como consequências a deterioração dos serviços públicos, o agravamento da crise fiscal e da inflação. Segundo Behring (2008, p. 177), “a crise do Estado assume a forma de crise fiscal, de esgotamento do modelo estatizante de intervenção na economia [...] e, por fim, a administração pública burocrática”.

De acordo com estes argumentos, a CFߎ1988 era considerada um entrave para a modernização do aparelho estatal, com suas medidas de extensão de regras burocráticas para empresas estatais e administração indireta, regime jurídico único, estabilidade dos trabalhadores públicos e aposentadoria integral no



52 Segundo Behring (2008), o Plano Diretor da Reforma do Estado, aprovado em setembro de 1995 pela

Câmara da Reforma do Estado, foi elaborado por uma equipe da qual participou Bresser Pereira, então MinistrodaReformadoEstadodogovernodeFernandoHenriqueCardoso,noperíodode1995a1998.

serviço público, criando privilégios, desprestigiando e aumentando o custo da máquina pública e atacando diretamente a seguridade social.

A introdução de novas modalidades de gestão e de organização das políticas sociais públicas, dentre elas, a saúde, por meio do controle social na formulação e fiscalização das emanadas da CFߎ1988, argumentava a necessária redefinição das relações entre Estado e sociedade civil. Contudo, a partir dos anos 1990, diferentemente do período em que se deu a criação do Ipasgo, a esfera pública ganhou novas denotações. A relação Estado-sociedade civil passou a ser assumida pelo projeto neoliberal, sendo desqualificada e transmutada em esfera pública não estatal, em terceiro setor, direcionando e atribuindo à sociedade civil o papel de agente de bem-estar, por meio de práticas

No documento Download/Open (páginas 114-200)

Documentos relacionados