• Nenhum resultado encontrado

“Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo (...) A sociedade sempre acaba vencendo, mesmo ante a inércia ou o antagonismo do Estado (...) A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram”23

Após um movimento “lento, gradual e seguro”24 de reabertura política, em 1985, é eleito indiretamente25 Tancredo Neves, o primeiro presidente civil do país após 21 anos de Ditadura Militar, mas que morre dias antes de sua posse, fazendo com que seu vice, José Sarney, assumisse a presidência da República. Como resultado da luta social pela redemocratização, em seu governo, foi aprovada uma Assembleia Nacional Constituinte, órgão colegiado que teve como função elaborar a nova Constituição Brasileira para refundação da democracia e ampliação dos direitos sociais e individuais no Brasil após os anos de chumbo, quando os direitos civis e políticos foram duramente perseguidos e reprimidos.

A Assembleia Constituinte (1987-1988) foi composta por parlamentares eleitos26, mas contou também com uma ampla participação popular, a partir de assinaturas de emendas populares27, cartas enviadas a parlamentares e participação direta nos debates em plenário, inaugurando um novo momento político no país. A redação da nova Constituição foi elaborada a partir de amplo debate público, em que setores populares e de minorias políticas, como mulheres, quilombolas, indígenas, sem teto e sem terra, puderam pela primeira vez participar da elaboração de projetos de emendas constitucionais. No entanto, a Assembleia Constituinte era um território ativo de embate, em que diversas forças políticas lutavam por seus interesses, como fica claro na fala de um deputado constituinte: “a ordem constitucional foi produto de

23 Fragmento do discurso de Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, quando da

Promulgação da Constituição da República em 5 de outubro de 1988. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/CAMARA-E-HISTORIA/339277--INTEGRA-DO- DISCURSO-PRESIDENTE-DA-ASSEMBLEIA-NACIONAL-CONSTITUINTE,--DR.-ULISSES-

GUIMARAES-%2810-23%29.html Acesso em 01/04/2019.

24Slogan do governo do militar Ernesto Geisel (1974-1979), que inicia o processo de redemocratização do país

com amparo dos militares.

25 Eleito por um colégio eleitoral formado por representantes do Congresso Nacional e membros das Assembleias

Legislativas.

26Entre os parlamentares que participaram da Constituinte, estiveram os ex-presidentes Luis Inácio Lula da Silva

(deputado federal na época) e Fernando Henrique Cardoso (senador na época), bem como nomes conhecidos do Partido dos Trabalhadores, como Olívio Dutra, Benedita da Silva e José Genuíno.

27 As emendas populares necessitavam de um total de 30 mil assinaturas para serem acolhidas e respaldo de, no

mínimo, três entidades representativas. No total, foram enviadas 122 emendas populares, englobando 15 milhões de assinaturas.

uma intensa disputa política. Não foi uma casa dos sábios que têm inteligência de dizer o que os humanos vão fazer. Essa é uma visão elitista, conservadora. Ela é fruto de paixão, confronto e porrada.”28

De acordo com relatos de parlamentares da época, enquanto o parlamento recebia representantes populares que até então nunca haviam tido voz no âmbito político, as mansões de Brasília passavam as noites iluminadas, por conta de festas de parlamentares que articulavam formas de manter interesses da elite na nova Constituição – e assim é elaborada a Constituição de 1988, acomodando lutas de setores progressistas e de setores conservadores de nossa sociedade. Com isso, torna-se claro que os direitos não são naturais, mas resultado de lutas e enfrentamentos, sendo forjados em relações de força e disputa.

No âmbito da política urbana, os movimentos de luta por moradia e a sociedade civil realizaram uma organização histórica, unificando diversos movimentos dispersos pelo país, e apresentaram conjuntamente à Assembleia Nacional Constituinte uma emenda de iniciativa popular para reforma urbana. Entre suas principais propostas, estavam: delegar a propriedade à sua função social; cobrança de tributo progressivo para terrenos ociosos e desapropriação de interesse social; usucapião especial urbano ou usucapião coletivo após três anos de ocupação em terrenos de até 300 m²; criação de uma agência habitacional pública nacional com gestão descentralizada; aluguéis ou prestações proporcionais à renda das famílias. Estas e outras ações inovadoras visavam a reduzir as desigualdades no acesso à terra urbana e à cidade.

Após esse processo de debates e embates, a Constituição da República foi promulgada em 5 de outubro de 1988 e continua vigente até o momento presente. Estabeleceu-se, a partir da união dos três entes federativos (União, estados, municípios e Distrito Federal), um Estado democrático de direito, colocando como princípios fundamentais a cidadania e a dignidade da pessoa humana, tendo em vista garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL, 1988).

Como direitos e garantias fundamentais, dos direitos individuais e coletivos, a Constituição estabelece, no Art. 5, como direito de todo cidadão brasileiro “a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.” Esses direitos estão subordinados aos seus incisos, nos quais salientamos os seguintes:

28 Fala do então deputado constituinte José Genoíno. Disponível em

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição (Brasil, 1988).

Apesar de estabelecer a propriedade como um direito individual fundamental, ao lado do direito à vida, à segurança e à liberdade, subordina-o à sua função social, estabelecendo hierarquicamente o bem-estar coletivo acima do bem-estar individual no que se refere a esse quesito. Se, de acordo com Dardot e Laval (2015), o princípio jurídico da propriedade se estabelece a partir do domínio absoluto do proprietário sobre o seu bem, em relação de exclusão sobre todos os outros seres, a função social da propriedade vem no sentido de limitar essa soberania, ao menos quando esta não cumpre o que se entende por ser sua função social. A propriedade segue sendo um princípio pilar da ordem jurídica, construindo modos de subjetivação individualistas e em concordância com os fundamentos neoliberais, como discutiremos mais adiante, mas a sua hegemonia passa a ter limitações a partir da Constituição de 1988. Assim, terrenos e edificações ociosas presentes nas cidades, que não cumprem sua função social, servindo muitas vezes apenas como ativo financeiro e para especulação imobiliária, podem e devem ser desapropriados para servir a fins sociais. Reconhecer que a propriedade deve submeter-se a uma função social é uma importante conquista dos movimentos de luta por moradia e daqueles que buscavam tornar as cidades lugares mais justos, além de ser uma ferramenta potente para combater os privilégios no acesso à terra e à especulação imobiliária. Inclusive, no que tange aos princípios gerais da atividade econômica, a Constituição de 1988 novamente determina que a propriedade privada esteja subordinada à sua função social, limitando as atividades econômicas que visam a explorar a propriedade privada sem, no entanto, fazer cumprir tal função.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional; II - propriedade privada;

III - função social da propriedade; IV - livre concorrência (Brasil, 1988)

A Constituição de 1988 estabelece, ainda, como direito fundamental e, portanto, dever do Estado, o direito à moradia, como descrito no Art. 6, que determina como direitos sociais “a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção

à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.” Assim, não mais apenas os trabalhadores, como também todo e qualquer cidadão, passam a ser detentores desses direitos.

O direito à moradia adequada aparece desde 1948 como um direito humano fundamental, estabelecido pela Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU29. No entanto, de lá para cá, diversos documentos internacionais versam sobre o direito à moradia adequada deixando claro que esta não se resume apenas à estrutura da casa, necessitando abarcar diversos elementos, tais como: segurança da posse, disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos, custo acessível (o que inclui gastos com serviços como água e luz), não discriminação e priorização de grupos vulneráveis, habitabilidade, localização adequada para pleno desenvolvimento social, econômico e cultural, e adequação cultural, respeitando-se a diversidade cultural dos sujeitos. Esses fundamentos começam a entrar na jurisdição nacional e a provocar efeitos na construção das políticas de habitação e urbanas.

As propostas específicas de política urbana, que surgem pela primeira vez em uma Constituição brasileira, aparecem nos artigos 182 e 183, representando uma importante conquista dos movimentos sociais urbanos que se organizaram para a elaboração da Emenda Popular da Reforma Urbana, ainda que muitas reivindicações propostas por eles tenham ficado de fora da Carta Magna. A partir de então, a política urbana passa a ser responsabilidade dos poderes públicos municipais, que se ocuparão das questões referentes à gestão das cidades, tendo como objetivo garantir a sua função social e o bem-estar dos seus habitantes, o que faz aparecer uma nova forma de tratar a temática habitacional no país, até então centralizada pelo BNH. Também vai subordinar a propriedade à sua função social, estabelecida a partir de Plano Diretor elaborado pelos municípios, autorizando impostos progressivos por subutilização, desapropriação com justa indenização para uso de interesse social e também a regularização fundiária, a partir do instrumento de usucapião.

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.

§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. (Brasil, 1988)

A função social da propriedade aparece novamente como elemento fundamental para garantir o direito à moradia e o bem-estar social nas cidades, ficando a cargo dos municípios impor sanções e desapropriações para fins sociais em caso de propriedades que não cumprem sua função social. Esse é um elemento importante que, apesar de já aparecer de alguma forma nas constituições anteriores, agora ganha destaque como um direito fundamental, servindo de ferramenta de luta para diminuição das desigualdades sociais e garantia de acesso à moradia para a população, abrindo a possibilidade de articular a política habitacional com uma política urbana. Junto com a possibilidade de regulação fundiária, que deu visibilidade e legitimidade às ocupações irregulares que se alastravam pelo país, a função social da propriedade funciona como uma importante ferramenta para garantir o direito à moradia e são elementos essenciais para democratização das cidades.

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião (Brasil, 1988).

Dessa forma, criam-se as bases legais para resolver a questão da moradia, sem recorrer unicamente à construção de novas moradias, produzidas em série, nas periferias das cidades, como era característica dos conjuntos habitacionais do BNH, passando-se a pensar a questão habitacional a partir de um leque amplo de direitos que vão compor o direito à cidade. Isso dá origem a novas formas de garantir o direito à moradia, como a urbanização das favelas, a regularização fundiária, a possibilidade de transformar em moradias para a população de baixa renda os prédios que não cumprem a função social estabelecida por lei e a desapropriação de terrenos ociosos dentro do perímetro urbano. No entanto, os artigos referentes à política urbana só serão regulamentados no Estatuto das Cidades, em 2001, que dá as diretrizes gerais para a execução da política urbana no Brasil.

A partir de então, conjuntamente com uma ampla mobilização dos movimentos sociais e da sociedade civil, começam a ser gestadas, nos municípios de todo o Brasil, políticas habitacionais e urbanas com base em novos paradigmas, que têm na descentralização da gestão das políticas, na participação popular e na reforma urbana os seus princípios fundamentais,

afastando-se da lógica centralizadora e desenvolvimentista dos tempos do BNH. Surgem, assim, projetos e programas participativos e heterogêneos, em que se destacam a diminuição dos valores das unidades habitacionais, uma produção de moradia baseada em mutirões e autogestão30, a introdução do conceito de habitação progressiva31, a urbanização e a regularização fundiária de favelas e loteamentos clandestinos, assistência técnica e jurídica gratuita nos assuntos relativos à moradia para população de baixa renda e habitação social em áreas centrais, entre outras importantes ações. Com isso, busca-se dar conta do acesso à moradia para a população de mais baixa renda, focando em variadas soluções, e não unicamente na construção de um teto e quatro paredes, nem na transformação completa dos modos de vida da população mais pobre. Reconhecem-se e valorizam-se outras formas de viver e habitar o espaço das cidades, ao mesmo tempo visando a garantir uma melhor qualidade de vida para os habitantes.

O arquiteto e urbanista Nabil Bonduki, em seu livro Os pioneiros da habitação social:

100 anos de construção da política pública de habitação no Brasil (2014), relata algumas

experiências desenvolvidas nesse período que foram se expandindo por todas as cidades do Brasil, consolidando outra forma de desenvolver, pensar e executar as políticas habitacionais no país para garantir o direito fundamental à moradia. Segundo o autor, uma política de desapropriação em massa de vazios urbanos foi realizada na cidade de São Paulo, dando origem a uma ampla produção de habitações sociais em áreas equipadas com infraestrutura urbana, o que rompeu com a tradição das ações do Estado, que até então construía habitação popular em terrenos periféricos sem infraestrutura, fazendo cumprir a subordinação do direito à propriedade à sua função social. Foi possível, então, articular direito à moradia com direito à cidade, reduzir o gasto com infraestrutura e fazer um melhor aproveitamento dos serviços já existentes nessas regiões.

Outra ação que se dissemina pelo país, de acordo com Bonduki (2014), como alternativa para acesso à moradia digna é a urbanização das favelas, reconhecendo-se a ocupação irregular como uma das principais formas de acesso à moradia da população que não tem outra opção de habitação nas cidades devido aos custos cada vez mais altos. Dessa forma, melhorias de infraestrutura são realizadas, legitimando e melhorando a qualidade de vida urbana desses espaços, sem a necessidade de retirar os moradores do seu local de moradia. A essas ações, soma-se a regulação fundiária – os terrenos ocupados são escriturados no nome das famílias,

30 Construídas em coletivo pelos próprios moradores que serão beneficiados.

dando-lhes a segurança da posse. Com o melhoramento urbano e a segurança da posse dos terrenos invadidos, evitou-se a remoção de milhões de famílias moradoras de favelas e vilas.

Maricato (2001) salienta que a urbanização das favelas foi um movimento intenso das políticas urbanas nesse período, realizada tanto por motivos econômicos (mais barato que construir nova moradia em local novo) quanto por atender a anseios da população, que preferia ficar no lugar onde morava, onde constituiu laços de amizade, família e trabalho, e onde tem acesso a equipamentos urbanos. No entanto, a autora conta que o processo de urbanização das favelas, que representou o reconhecimento de um padrão espontâneo de construção informal e de urbanização, e não apenas do padrão funcionalista e disciplinar de cidade, transformando o informal em formal, não necessariamente foi acompanhado da devida regularização fundiária dos terrenos ocupados. A partir da urbanização das favelas e vilas, garantiram-se melhores condições de vida para a população dessas regiões, que passou a contar com água encanada, luz e rede de esgoto, entre outros, mas sem a garantia da segurança da posse, o que mostra como a questão da legalização das ocupações sempre foi um problema no país, mesmo havendo mecanismos legais para tal. Maricato (2000) diz que regularizações fundiárias de ocupações agora urbanizadas sofreram e sofrem resistência de inúmeras ordens, seja das câmaras municipais, que defendem interesses econômicos, seja por dificuldades burocráticas, seja por desagrado dos próprios vizinhos de classes mais abastadas que viviam perto das vilas e favelas, os quais, além de não quererem conviver com “aquela população”, referindo-se à população mais pobre, também tinham receio de que as terras próximas perdessem valor de mercado, já que, com a regularização, a vizinhança com essas populações se consolidaria.

Não podemos deixar de salientar que a forma de ocupação histórica das terras nas cidades brasileiras se deu a partir da ilegalidade, a partir de ocupações ou de compra de lotes ilegais, única maneira de tornar a terra acessível para compra a quem não tem dinheiro para comprar ou alugar uma moradia formal, já que a formalidade eleva o valor de custo da terra. Assim, transformar uma ocupação de terra irregular em propriedade é uma luta histórica da população mais pobre e uma forma de garantir acesso à cidadania. A ilegalidade da posse conduziu os moradores a exigirem sua legalização, bem como infraestrutura e serviços, organizando-se em torno dessa luta, o que fez emergir subjetividades políticas (Holston, 2013). A reabilitação de prédios antigos em áreas históricas é outra ação para garantir moradia à população que necessitava. Visibilizou-se a ocupação de prédios abandonados em áreas dotadas de infraestrutura urbana e serviços, diminuindo o uso do transporte público e acendendo um debate pelo direito à cidade, pelo direito da população de baixa renda de morar em áreas urbanas centrais. Foi nesse momento também que começaram a surgir inúmeras ocupações por

parte de movimentos sociais de moradia em prédios ociosos nas regiões centrais das cidades brasileiras, reivindicando que a função social da propriedade e o acesso à moradia digna fossem contemplados.

Dessa maneira, veem-se ações que garantem o acesso à moradia digna e que reconhecem um modo de viver e habitar da população mais pobre nas cidades brasileiras, sem passar por práticas que exijam construção de novas moradias e remoções. Isso mostra que a questão habitacional pode ser pensada a partir de uma perspectiva transversal e que a construção de casas pode solucionar a questão de ter um teto, mas traz consigo inúmeras outras dificuldades, tanto para os cidadãos quanto para a cidade. Inúmeros outros atores envolveram-se nesse processo, transformando as maneiras de a população relacionar-se com a reivindicação do acesso a uma moradia digna.

A gente conseguia trazer aquela discussão, que seria, em tese, altamente especializada, técnica, para coisas não só do cotidiano no mutirão, mas muito na perspectiva de experiências que podiam ser ampliadas. [...] A campanha do Fundo foi bastante interessante na base, porque chegou com aquela discussão de política habitacional, a