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São milhares os refugiados que abandonam os seus países e, tal é o desespero, que se sujeitam às rotas terrestres e marítimas nas condições mais precárias e desumanas. Inúmeros são os que já morreram no Mediterrâneo e inúmeros também os que se encontram nos campos sobrelotados de refugiados. Sem dúvida voltar atrás não é opção para os que fogem da guerra.

122 Cfr. art. 38º, nº 1 CP. A contrario sensu o consentimento não exclui a ilicitude quando se refira a bens

indisponíveis ou contrários aos bons costumes.

73 Cada vez mais os países se retraem e muitos chegam a fechar fronteiras, suspendendo o espaço Schengen. E é aqui que entram as redes criminosas, as quais se adaptam facilmente às rotas dos refugiados e se alimentam dos obstáculos que estes enfrentam. Facilitam o transporte, a documentação, o alojamento, entre outros serviços. Mas tudo tem um preço e as quantias são extremamente avultadas ou pagas com trabalho ilegal.

Feitas as distinções que considerámos mais relevantes, e voltando ao tema que temos em mãos, compreende-se que os refugiados estejam nitidamente mais expostos às redes criminosas, sendo considerados pelos traficantes como alvos fáceis devido à sua vulnerabilidade. O discurso enganoso dos traficantes, muitas vezes, ilude os refugiados que, deixando tudo para trás, veem como única solução as opções oferecidas pelos agentes do tráfico. Porém, são opções simuladas que, na verdade, consistem em formas de exploração. Muitos são sujeitos a exploração laboral ou sexual e é de notar também o número de refugiados menores não acompanhados que desaparecem, suspeitando-se terem sido igualmente vítimas de tráfico para os mais variados fins124.

124 Referências disponíveis em: http://www.dn.pt/sociedade/interior/portugal-pode-ser-destino-para-menores-

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente relatório teve como objetivo essencial retratar a realidade portuguesa no que concerne à erradicação das redes de tráfico de seres humanos, tendo por base a experiência retirada do estágio curricular no OTSH. Agora será o momento de tratar algumas questões que poderão ter surgido à medida que o texto discorria e às quais tentaremos dar uma solução adequada. Para esse efeito, recordaremos o percurso adotado e suscitaremos as questões em momento oportuno.

Iniciámos este Relatório com um elenco daqueles que são os três pilares dos instrumentos jurídicos internacionais sobre tráfico de seres humanos. A apresentação desses instrumentos seguiu uma ordem cronológica, de forma a demonstrar a linha evolutiva do tráfico em contexto internacional e, relativamente a cada um, desenvolveu-se o respetivo objeto e finalidades.

O primeiro foi o Protocolo de Palermo, que pretendeu harmonizar o conceito e, pela primeira vez, foi assinado um instrumento jurídico internacional que visasse exclusivamente ao tráfico de pessoas. A definição apresenta uma estrutura tripartida com a descrição de ações típicas, dos meios e das finalidades. O Protocolo de Palermo não se basta com a harmonização de conceitos e impõe aos Estados-Partes medidas de apoio e proteção às vítimas de tráfico, bem como medidas de prevenção e cooperação.

A Convenção do CoE surgiu mais tarde, tendo sido assinada pelo Estado português apenas em 2008. Tal Convenção vai de acordo ao conceito de tráfico do Protocolo mas inova ao estabelecer, pela primeira vez, o conceito de vítima. Para efeitos da Convenção CoE, “«vítima» é qualquer pessoa física sujeita a tráfico de seres humanos”, conforme nela definido. Desenvolve medidas de apoio e assistência à vítima, nomeadamente a concessão de um período de reflexão, autorização de residência ou retorno assistido ao país de origem, a garantia de acomodação segura, apoio psicológico, acesso a cuidados médicos e serviços de tradução e intérprete. Cria ainda um grupo de peritos com a missão de avaliar a implementação das medidas impostas pela Convenção pelos Estados-Partes.

A Diretiva 2011/36/UE impõe molduras penais mínimas para o crime de tráfico de pessoas, a estabelecer pelos Estados-Membros. Cria a figura do Relator nacional, ao qual

75 compete assegurar uma plena execução e acompanhamento das políticas públicas nacionais e estrangeiras ao nível do tráfico de seres humanos.

No segundo capítulo, focámo-nos na evolução legislativa do crime de tráfico de pessoas no nosso ordenamento jurídico, com início na versão originária do CP de 1982. Referimos que manteve o cariz estritamente sexual e pressupunha a transposição de fronteiras, até à alteração introduzida em 2007.

Em que medida a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, reflete a influência dos instrumentos jurídicos internacionais e do Direito da UE na criminalização do tráfico de pessoas no nosso ordenamento jurídico interno?

A Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, foi claramente influenciada pelo Protocolo de Palermo. Foi, aliás, uma alteração bastante positiva no ordenamento jurídico português, no que respeita à perseguição dos autores do tráfico. Com a alteração, abandonou-se a dimensão exclusivamente sexual do tipo legal e passou a abranger-se diferentes fins de exploração, nomeadamente a exploração sexual, laboral e a remoção de órgãos, tutelando a liberdade pessoal das vítimas. A Lei n.º 59/2007 acolheu a estrutura tripartida do Protocolo, descrevendo as ações típicas, os meios utilizados e as finalidades a que se destina o crime. O art. 160º CP passou a conter diferentes espécies de tráfico: o tráfico de adultos, o tráfico de menores, o tráfico de menores para adoção, a utilização dos serviços da vítima e os crimes relativos aos documentos de identificação ou viagem da vítima. Caiu o caráter transfronteiriço e, nesse sentido, passou a criminalizar-se também o tráfico a nível interno.

Terminámos a evolução legislativa da criminalização do tráfico de pessoas com a alteração introduzida pela Lei n.º 60/2013, de 23 agosto. Através desta Lei, e na sequência da Diretiva 2011/36/UE, introduziu-se no art. 160º/1 CP a referência às finalidades de exploração da mendicidade, escravidão e de exploração de outras atividades criminosas. Ficou ainda reforçada, no n.º 8 do art. 160º CP, a irrelevância do consentimento da vítima relativamente a todos os crimes previstos nesse preceito.

No terceiro capítulo seguinte, destacámos a criação de um sistema nacional de apoio e assistência às vítimas de tráfico de pessoas e a forma como este evoluiu e implica um relacionamento de cooperação entre entidades públicas e da sociedade civil. Neste contexto, surge a seguinte questão.

Os planos nacionais de prevenção e combate ao tráfico de seres humanos vão de encontro às imposições internacionais e europeias?

O primeiro plano nacional data o ano de 2007, altura em que apenas o Protocolo de Palermo se encontrava em vigor. Não obstante, os arts. 6º a 8º do Protocolo já previam a criação pelos Estados-Partes de mecanismos de apoio e assistência às vítimas de tráfico, nomeadamente a proteção da privacidade e identidade das vítimas, o dever de informação, o apoio psicológico e social, a possibilidade de recuperação, segurança física e de permanência no território em que se encontram.

A Lei n.º 23/2007, de 04 de julho, apresenta-se como resposta às imposições internacionais. Esta Lei, nos seus arts. 109º a 115º, como vimos, inclui uma série de medidas dirigidas a vítimas de tráfico, disponibilizando-lhes prazo de reflexão, alojamento, cuidados médicos, apoio psicológico e, ainda, a possibilidade de permanência em território nacional ou o retorno voluntário assistido. Com a primeira alteração da Lei n.º 23/2007, em 2012125, passaram a disponibilizar-se também serviços de tradução, interpretação e proteção jurídica. Para tal, foram criados os CAP’s, as EME’s e a RAPVT. Na mesma linha, a Lei de Proteção de Testemunhas (Lei n.º 93/99, de 14 de julho) sofreu algumas alterações, de forma a possibilitar, a nível processual, a reserva do conhecimento de identidade da testemunha do crime de tráfico de pessoas e alargando o âmbito de aplicação da presente lei, ao estender aos familiares da testemunha o programa especial de segurança. Torna-se claro que as políticas adotadas pelo governo português mantêm-se fiéis às orientações internacionais e europeias, procurando ir ao encontro das diretrizes externas e apostando numa solução integrada para o tráfico de seres humanos, na qual se reconhece a importância e mérito da colaboração de organizações não-governamentais.

No quarto capítulo chamou-se à atenção para a importância do conhecimento rigoroso do fenómeno, seja por parte da sociedade civil, seja por parte dos profissionais. O OTSH tem neste âmbito um papel fulcral por via da recolha, análise e tratamento de dados, da realização de relatórios anuais e da disseminação do conhecimento obtido.

Nesta medida, pergunta-se: de que forma o conhecimento e a formação sobre o

fenómeno do tráfico de pessoas é relevante na prevenção e combate às redes de tráfico?

125 Lei n.º 29/2012, de 09 de Agosto.

77 O conhecimento do fenómeno de tráfico de pessoas surge como via de estudo das políticas a adotar. Não existirá outra forma mais adequada. Através dos sistemas de monitorização e referenciação, torna-se possível para o OTSH, a nível interno, apurar o número de vítimas sinalizadas, o número de traficantes acusados e condenados, quais as rotas que tomam e os esquemas utilizados, ou de que forma os meios de apoio e assistência servem o interesse da vítima. É possível realizar estudos estatísticos, apontando caraterísticas sociodemográficas e dados geográficos das vítimas e agentes.

Com a contribuição do DGPJ, é possível analisar de que forma a lei criminal e os tribunais vão de encontro aos objetivos políticos de erradicação das redes de tráfico e prevenção, através de uma análise dos tipos legais de crime investigados e, consequentemente, do número de acusações e condenações.

A nível internacional, é possível conjugar os resultados do trabalho interno de vários países e obter resultados universais sobre a organização e funcionamento das redes criminosas que se dedicam ao crime de tráfico e o tratamento das suas vítimas. É indiscutível a preeminência do conhecimento e do estudo do fenómeno como uma das formas mais eficazes a preveni-lo e a combatê-lo.

A atividade do OTSH, em harmonia com o reconhecido contributo de entidades públicas e organizações da sociedade civil, tem sido crucial neste sentido. Ao que acresce a formação de profissionais, indispensável para os dotar de sensibilidade, compreensão e profissionalismo acrescidos. São estes profissionais que contactam diretamente com as vítimas e os traficantes, exigindo-se-lhes portanto que saibam lidar com a especial vulnerabilidade das primeiras e que consigam enfrentar a profunda complexidade das redes em que se inserem os segundos.

Por fim, e porque a atualidade assim o justifica, fizemos uma breve contextualização relativa à questão dos refugiados, seguida de distinções que se demonstraram oportunas e necessárias, terminando com uma referência aos problemas emergentes da condição de refugiado e da sua especial vulnerabilidade. Face a esta questão, demonstrámos forte preocupação quanto aos tempos vindouros. Não consideramos que a solução passe por virar costas ao problema nem tampouco fechar as fronteiras.

A crise dos refugiados é atual e global, embora tenho o seu acento tónico na Europa. Não é assunto a desenvolver no presente relatório, é certo, no entanto, os fluxos de refugiados enfrentam outras adversidades, relacionadas com as questões do tráfico de pessoas. Além das notórias dificuldades em chegar aos países de destino e proceder aos pedidos de asilo, estão mais facilmente sujeitos aos crimes de auxílio à imigração ilegal e, pois claro, ao tráfico de seres humanos. Nessa medida, será necessário um controlo mais rigoroso do número de refugiados que entram na Europa e um melhor acompanhamento do percurso que seguem para que, dessa forma, se consiga evitar a sua vitimização.

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BIBLIOGRAFIA

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