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Vários conjuntos de regiões cerebrais podem ser identificadas em estudos de conetividade funcional. A estas regiões anatomicamente separadas mas funcionalmente interligadas em estados de repouso é comum atribuir-se a designação de redes neuronais de repouso (resting- state networks - RSNs). Até agora, estudos neuroimagiológicos reportaram a existência de pelo menos oito sub-redes funcionalmente ligadas (Cole, Stephen M Smith, & Christian F

neste caso, identificadas através de análises ICA. Estas redes incluem a rede motora, a rede visual, duas redes lateralizadas constituídas pelas regiões parietal superior e frontal superior, a Default Mode Network e uma rede constituída pelas regiões corticais temporal/insular bilateral e cíngulo anterior.

É interessante verificar que a maioria destas redes tende a representar redes funcionais conhecidas, sobrepondo regiões que são conhecidas por partilharem uma função comum, apoiando a sua relevância funcional. Por exemplo, sobrepõem as regiões motoras, visuais primárias e redes parietal-frontal envolvidas no processamento da atenção. Alguns estudos sugerem que estas redes podem apresentar uma topologia interna que se encontra fortemente organizada pelas suas sub-funções (Damoiseaux et al., 2006; van den Heuvel et al., 2008).

Figura 2.8. Redes neuronais de repouso mais comuns identificadas por ICA: rede visual primária (A), rede visual extra estriato (B), rede do córtex auditivo (C), rede motora primária (D),

default mode network (E), rede frontal (F), rede parietal-frontal direita (G), rede parietal-frontal esquerda (H). Adaptado de (Cole et al., 2010).

As redes neuronais de repouso possuem caraterísticas peculiares que as distinguem dos demais sistemas biológicos, caraterísticas essas que podem ser usadas para melhor as identificar via RMf. Em termos espaciais, as redes neuronais de repouso localizam-se predominantemente em regiões de substância cinzenta (Christian F Beckmann et al., 2005). Através de uma simples observação da Figura 2.8, verifica-se que essas regiões são caraterísticas dos sistemas funcionais essencialmente responsáveis pelos processos cognitivos e percepcionais centrais.

Relativamente às caraterísticas espectrais destas redes, verifica-se uma predominância das baixas frequências, devendo-se a esta propriedade a designação alternativa de “redes de baixa frequência” muitas vezes utilizada. Vários estudos têm localizado a largura de banda própria das redes de repouso entre os 0,01 – 0,08Hz (B Biswal et al., 1995; Cordes et al., 2000). Sendo assim, esta gama de frequências é distinta da banda caraterística dos sinais respiratório e cardíaco, permitindo isolar os efeitos de influência destes sinais.

Apesar do cepticismo inicialmente gerado em torno destas redes, estudos conjuntos de RMf e EEG permitiram reforçar a validade dos resultados alcançados (Mantini, Perrucci, Del Gratta, Romani, & M. Corbetta, 2007). Tal deve-se em grande parte ao facto dos resultados destes estudos permitirem associar a atividade das redes neuronais de repouso a perfis de potência específicos do espectro de aquisição do EEG.

2.6.1 Default Mode Network – um caso particular

A rede neuronal de repouso que tem despoletado maior interesse é a designada Default Mode Network. Ao contrário das outras redes de repouso, as regiões desta rede são conhecidas por demonstrar, em repouso, um nível de atividade neuronal superior ao nível de atividade exibido durante a execução de tarefas cognitivas, sugerindo que a atividade nesta rede reflete um estado padrão ou de base de atividade neuronal no cérebro humano (D A Gusnard & M E Raichle, 2001). Além disso, estes níveis aumentados de atividade neuronal tendem a estar fortemente correlacionados em repouso, formando uma rede de repouso integrativa ligada funcionalmente.

Inicialmente, esta rede neuronal começou por ser detectada como um conjunto de regiões cerebrais que, em estudos de paradigmas de blocos, se evidenciavam como “desativações” (Mazoyer et al., 2001; Shulman, Maurizio Corbetta, et al., 1997).Isto significa que, na condição de repouso, essas regiões apresentavam níveis de atividade neuronal superiores aos níveis de ativação medidos durante a realização das tarefas programadas.

Mais tarde, com o surgimento da RMf e a possibilidade de aquisição de imagens em intervalos de tempo inferiores aos da PET, a DMN pôde ser caraterizada através de análises com paradigmas de eventos. Uma análise deste tipo foi efetuada por Shannon utilizando tarefas de classificação semântica e fonética (Shannon, 2006). Visualmente verificou-se que a DMN definida com este tipo de análise é bastante similar à DMN definida pela análise de blocos. A introdução das metodologias de conetividade funcional, tornou possível a identificação da DMN através de correlações de atividade intrínseca. Este tipo de análise tem sido vastamente utilizada para mapear a DMN (Greicius et al., 2003; Greicius & Menon, 2004; Fox et al., 2005; Damoiseaux et al., 2006).

O grau de sobreposição dos mapas estatísticos evidenciado na Figura 2.9 demonstra uma clara convergência entre abordagens. Essa convergência suporta a hipótese de que a Default Mode Network é um sistema biológico cuja anatomia se encontra bem definida.

Através da análise da Figura 2.9, observa-se que DMN compreende um conjunto de regiões distribuído que envolve o córtex associativo e poupa o córtex motor e sensorial. Em particular, o córtex medial prefrontal, (Medial Prefrontal Cortex – MPFC), córtex do cíngulo posterior/córtex retrosplenial (Posterior Cingulum Cortex/Retrosplenial – PCC/Rsp) e o lobos parietais inferiores (Inferior Parietal Lobes – IPL) mostram uma convergência quase total. Pode ainda observar-se o envolvimento da formação hipocampal, embora de uma forma menos robusta.

Existem duas principais teorias que procuram explicar as funções desempenhadas pela DMN: a teoria da monitorização exploratória do ambiente circundante e a teoria da introspecção e devaneio.

Figura 2.9. Convergência entre abordagens de identificação da DMN. Mapas da DMN originados através de análises com paradigmas de blocos, paradigmas de eventos e análises de conetividade funcional (A) demonstram um elevado grau de sobreposição (B). Adaptado de

(Buckner et al., 2008).

A teoria da introspecção ou devaneio é mais consistente com as funções associadas a cada área que constitui a DMN. Segundo esta teoria, a atividade da DMN relaciona-se especialmente com os chamados “pensamentos independentes de estímulos”, i.e. pensamentos relativos a algo que não sejam eventos provenientes do mundo externo. Assim, a DMN seria responsável pelos devaneios (Gilbert, Dumontheil, Simons, Chris D. Frith, & Burgess, 2007), planeamento de ações futuras (Schacter, Addis, & Buckner, 2007), revisitar memórias (Schacter, Addis, & Buckner, 2007), pensamentos de conteúdo moral e emocional (D A Gusnard & M E Raichle, 2001) ou perspectivação do ponto de vista de terceiros (Saxe, Carey, & Kanwisher, 2004). Na Figura 2.10 pode verificar-se que as áreas ativas em cada

Abordagem com paradigmas de blocos (BL)

Abordagem com paradigmas de eventos (EV)

Abordagem de conetividade funcional (FC)

Convergência entre abordagens

uma das situações enunciadas anteriormente demonstram um elevado grau de sobreposição com a DMN.

Figura 2.10. Ativações da DMN em diferentes tipos de tarefas: memória autobiográfica (A), planeamento futuro (B), perspectivação do ponto de vista de terceiros (C) e tomada de

decisões morais (D). Adaptado de (Buckner et al., 2008).