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As redes sociais e comunitárias, incluídas no modelo de Dahlgren e Whitehead entre os Determinantes Sociais da Saúde, são constituintes do chamado capital social, entendido este como o conjunto das relações de solidariedade e confiança entre pessoas e grupos. Além do contato com amigos e parentes, diferentes formas de participação social como pertencer a grupos religiosos, associações sindicais, associações de moradores e clubes de recreação também representam formas pelas quais grupos de pessoas mantêm-se em contato e estabelecem vínculos sociais.

O desgaste do capital social é um importante mecanismo através do qual as iniquidades socio-economicas impactam negativamente a situação de saúde. Países com frágeis laços de coesão social resultantes dessas iniquidades são os que menos investem em capital humano e em redes de apoio social e são também onde há menor participação na definição de políticas públicas.. Diversos estudos mostram que não são as sociedades mais ricas as que possuem melhores níveis de saúde, mas as que são mais igualitárias e com alta coesão social. Nestas sociedades as pessoas são mais envolvidas com a vida pública, vivem mais, são menos violentas e avaliam melhor sua própria saúde (Patussi et al 2006).

Um importante indicador da riqueza do capital social são as relações de confiança entre as pessoas. Segundo dados da Pesquisa Social Brasileira (PSB) que realizou 2.363 entrevistas entre julho e outubro de 2002 (Almeida, AC., 2007), as relações de confiança no Brasil são extremamente débeis, práticamente limitando-se à confiança em familiares. Como mostra a Tabela 23, 84% das pessoas confiam na família e apenas 15% confia na maioria das pessoas.

Tabela 23. Relações de confiança no Brasil (% de respondentes) – 2007 CONFIANÇA NA FAMÍLIA CONFIANÇA NOS AMIGOS CONFIANÇA NOS VIZINHOS CONFIANÇA NOS COLEGAS DE TRABALHO CONFIANÇA NA MAIORIA DAS PESSOAS Não confia 16 70 77 70 85 Confia 84 30 23 30 15

Fonte: PSB in Almeida AC, 2007.

A escolaridade está fortemente associada ao capital social. Segundo dados da mesma PSB, há uma enorme diferença entre os entrevistados que possuem superior completo e as demais faixas de escolaridade. Como pode ser observado na Tabela 24, somando-se a confiança nos familiares e nos amigos para os entrevistados com nível superior essa proporção chega a 156%, sendo que nas demais faixas varia de 96% a 114%.

Tabela 24. Relações de confiança no Brasil, segundo escolaridade (% de respondentes) – 2007

CONFIANÇA NA FAMÍLIA CONFIANÇA NOS AMIGOS ESCOLARIDADE

CONFIA NÃO CONFIA CONFIA NÃO CONFIA

Analfabeto 83 17 31 69

Até a 4a. série 82 18 23 77

Da 5a. à 8a. série 78 22 21 79

Ensino Médio 86 14 30 70

Superior ou mais 96 4 60 40

Fonte: PSB in Almeida AC, 2007

Para se ter uma idéia da importancia desses achados, Kawachi (Kawachi et al., 1997) estudaram a associação entre as relações de confiança e indicadores de saúde, comparando os diversos estados dos Estados Unidos. Verificaram uma forte associação (r = .73) entre desigualdade de renda e falta de confiança social (“social trust”), observando que os estados com maior desigualdade de renda eram também aqueles nos quais houve uma maior proporção de entrevistados que concordaram com a afirmação: “a maioria das pessoas procurarão tirar vantagem de voce se tiverem oportunidade” (“most people would try to take advantage of you if they got the chance”). Observaram também que os estados com altos níveis de falta de confiança entre as pessoas (“social mistrust”), expressa pela concordancia com a frase mencionada, eram os que apresentavam as maiores taxas de mortalidade geral ajustada por idade (r = .77). Utilizando um modelo ecológico de regressão, esse autores observaram que as

variações no nível de confiança social explicavam 58% da variação da mortalidade geral entre os estados.

São poucos os estudos conduzidos na população brasileira que relacionam redes sociais e comunitárias com agravos em saúde, o que pode ser explicado, em parte, pela falta de domínio de metodologias adequadas para abordar estes objetos. A seguir se apresentam os resultados de alguns desses estudos:

A relação entre autopercepção em saúde e a participação em atividades sociais, bem como a satisfação com redes sociais foi estudada em 1.505 idosos em Bambuí, MG no ano de 1997 (Lima-Costa et al 2005). A distribuição da autopercepção em saúde foi de boa/muita boa = 24,8%; justa = 49,2% e ruim/muito ruim = 26,1% As análises foram conduzidas de acordo com dois estratos de renda: menor que R$500,00 e igual ou maior que R$500,00. As redes sociais investigadas foram: participação em atividades religiosas e freqüentar clubes e/ou associações. A pior autopercepção em saúde foi associada àqueles idosos insatisfeitos ou muito insatisfeitos com as suas redes sociais, tanto entre aqueles com baixa renda quanto entre aqueles com renda maior . Estes achados foram ajustados para idade, sexo, estilos de vida associados à saúde, doenças e acesso a serviços de saúde.

Um estudo de Moraes e outros autores em 2005 analisou os fatores associados ao envelhecimento bem-sucedido de idosos socialmente ativos da região metropolitana de Porto Alegre. O estudo permitiu concluir que manutenção da independência para as atividades da vida diária, autonomia e satisfação com relacionamento familiar e amizades foram fatores preditivos independentes do envelhecimento bem-sucedido, tanto para homens como para mulheres.

Um estudo de base domiciliar em comunidade rural da Zona da Mata de Pernambuco com 483 adultos (maiores de 19 anos) investigou a associação entre transtornos mentais comuns e apoio social (Costa e Ludermir 2005). Casos suspeitos de transtornos mentais comuns foram identificados através de um questionário padronizado auto-administrado Self Reporting Questionnaire (SRQ-20) e o apoio social foi avaliado pelo Medical Outcomes Study Questions – Social Support Survey (MOS-SSS) desenvolvido por Sherbourne & Stewart em 1985 (Sherbourne e Stewart 1991). Observou-se uma clara associação dos transtornos mentais comuns com o apoio social. Pessoas com baixo apoio social apresentaram maior prevalência de

transtornos mentais comuns do que as com alto apoio social. O apoio social manteve-se associado aos transtornos mentais comuns mesmo após o ajuste por idade, escolaridade e participação no mercado de trabalho. Os resultados indicam a importância das redes de apoio social para diminuir a prevalência da doença mental, promovendo a interação dos indivíduos e aumentando a confiança pessoal e o poder de enfrentamento dos problemas. Duas hipóteses tentam explicar a ação do apoio social: uma assinala que o apoio social diminuiria os diferentes níveis de estresse (buffering hypothesis); outra considera que os relacionamentos que geram apoio promovem bem-estar mesmo na ausência de estresse (positive effects hypothesis) (Sherman 2003).

De Antoni et al (2007) investigaram 20 famílias (pai, mãe e filhos) de baixo nível socioeconômico e com histórico de abuso físico parental. A pesquisa visou conhecer a realidade dessas famílias e a forma como interagem em diferentes ambientes e contextos. Buscou-se ainda identificar e analisar indicadores de risco e de proteção em famílias denunciadas por abuso físico. Os indicadores de risco foram descritos como potencializadores da manifestação do abuso físico parental e os de proteção como aqueles que podem impedir ou amenizar a manifestação da violência. Foram identificados como indicadores de proteção de abuso físico parental algumas redes de apoio social e afetiva, valorização das conquistas e desejo de melhoria futura. Cerca de 60% das famílias pesquisadas citaram como indicadores de proteção a presença da rede de apoio social. A presença de graves e freqüentes indicadores de risco nas famílias pesquisadas pode revelar que o abuso físico é uma forma de manifestação da fragilidade dessas interações.

A associação entre autocuidado com a saúde, representado pela prática de auto-exame das mamas, considerado como um “comportamento marcador” do autocuidado entre mulheres e apoio social foi investigada por Andrade et al (2005). Apoio social incluiu cinco diferentes dimensões: material, emocional, afetivo, de informação, e de interação positiva. Com este objetivo, 2.240 mulheres do Estudo Pró-Saúde (Coorte de funcionários da UERJ) foram investigadas no ano de 1999. Observou-se que 44% informaram realizar o auto-exame das mamas “todo mês” ou “quase todo mês”; 32%, “às vezes”, e 24% informaram praticá-lo “raramente” ou “nunca”. A chance de relatar prática mais freqüente de auto-exame das mamas foi cerca de duas vezes mais elevada entre as mulheres com maior apoio social quando comparadas com as com menor apoio social. Os resultados foram ajustados para idade, cor da pele/etnia, escolaridade, religião, local de trabalho e transtorno mental comum. Características

específicas da população deste estudo como elevada escolaridade e grande parcela constituída por funcionárias da área de saúde podem explicar o fato de quase a metade das mulheres relatarem fazer auto-exame das mamas. Os autores sugerem a importância do apoio social no estímulo a práticas de autocuidado de saúde da mulher.

Emponderamento é considerado uma dimensão de capital social que se refere ao processo de interação social que permite que pessoas aumentem suas habilidades individuais e coletivas, além de desempenhar um maior controle sobre suas vidas. O nível de emponderamento foi investigado em relação à ocorrência de cárie dental (Patussi et al 2006), observando-se que a cárie dental foi menor em áreas com maiores níveis de emponderamento em relação à áreas com menores níveis, após ajustes para variáveis demográficas, socioeconômicas, uso de flúor, consumo de açúcar, escovação dentária e acesso a cuidados odontológicos. Os autores destacam a importância do papel do emponderamento como um potencial explicador nos níveis de cárie.

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