• Nenhum resultado encontrado

2.2 MARCADORES DE LESÃO RENAL

2.2.1 Redução da Taxa de Filtração Glomerular 31

A taxa de filtração glomerular (TFG) é a melhor medida do funcionamento renal em indivíduos normais ou pacientes com doença renal. Ela representa a soma da taxa de filtração de todos os néfrons funcionantes. Os glomérulos filtram aproximadamente 180 litros de plasma por dia, correspondendo a 125 mL a cada minuto (NUNES, 2007).

32 A redução da TFG pode ser causada por perda do número de néfrons ou diminuição global da filtração de todos, por fenômenos fisiológicos ou farmacológicos. Não há uma correlação linear exata entre a perda de massa renal e a perda de função renal. O rim se adapta à redução do número de néfrons por meio da hiperfiltração compensatória dos néfrons normais remanescentes (STEVENS; LEVEY, 2005).

A filtração glomerular varia com a idade, sexo e massa muscular. Níveis inferiores a 60mL/min/1,73m² representa diminuição de cerca de 50% da função renal normal e, abaixo deste nível, aumenta a prevalência das complicações da DRC (LEVIN, 2008).

Na prática clínica, não é possível medir a TFG diretamente, mas sim estimá-la pelo clearance urinário de um marcador ideal de filtração. O clearance representa um volume de plasma do qual toda a substância é removida por unidade de tempo. As características de um marcador ideal estão listadas no Quadro 3.

Quadro 3. Características de um marcador ideal de filtração glomerular para medida da TFG

a) Taxa constante de produção ou infusão b) Livremente filtrado pelos glomérulos c) Ausência de reabsorção e secreção tubular

d) Não sofre alterações moleculares durante a passagem pelo rim e) Ausência de metabolismo ou excreção extra-renal

a) Uso de marcador exógeno para medida da TFG

O marcador exógeno considerado padrão-ouro é a inulina, que é um polímero da frutose com 5.200 dáltons. É fisiologicamente inerte, não se liga a proteínas plasmáticas, não é secretada, absorvida, sintetizada nem metabolizada pelo rim. Dessa maneira, toda a inulina filtrada é excretada na urina. A inulina é uma substância escassa e dispendiosa. A técnica é trabalhosa e desconfortável para o paciente, eliminando-a assim do uso rotineiro na prática clínica (ROSNER; BOLTON, 2006; LAMEIRE et al., 2006; STEVENS et al., 2006).

Vários outros métodos alternativos de clearance foram validados, incluindo substâncias radioativas e não radioativas, com técnica de administração em bolus, clearance plasmático, em vez de urinário, e uso de gamacâmara.

33 O uso de substâncias radiativas na avaliação de função renal traz consigo as limitações impostas pela natureza dessas substâncias. A depuração do ácido etilenodiaminotetra-acético-Cr51 (Cr51-EDTA) e a do ácido dietilenotriaminopenta-

acético-Tc99m (TC99 m-DTPA) são os métodos que envolvem isótopos radiativos

mais usados para medida da TFG, sendo considerados seguros (PERRONE et al., 1990). A determinação da TFG por Cr51-EDTA apresenta grau elevado de correlação

com a de inulina (GASPARI; PERICO; REMUZZI, 1998; VAN BIESEN et al., 2006). No caso dos contrastes radiológicos não radiativos, as determinações têm sido feitas por HPLC (cromatografia líquida de alta performance), por fluorescência, após irradiação com raios-X ou por eletroforese capilar (PEREIRA; NISHIDA; KIRSZTAJN, 2006). Quando usados para determinação da TFG, os contrastes radiológicos podem ser aplicados pela técnica da injeção única, ou menos frequentemente da infusão contínua. Pode ser medido o ritmo de desaparecimento da substância do plasma, após injeção endovenosa, ou o ritmo de depuração renal, que implica a coleta de períodos de diurese, cronometrados (FRENNBY et al., 1995). O iotalamato (contraste iônico) e o iohexol (contraste não iônico) são ambos livremente filtrados pelos glomérulos, não sofrendo reabsorção nem secreção. São muito precisos e apresentam alto coeficiente de correlação com a inulina (GASPARI; PERICO; REMUZZI, 1998).

b) Uso de marcador endógeno para medida da TFG

Os métodos mais comumente utilizados para estimar a TFG são concentração da creatinina sérica, depuração da creatinina endógena (DCE) ou estimativa da TFG por equações baseadas em marcadores séricos.

A creatinina é um derivado de aminoácido com 113 dáltons oriunda do metabolismo muscular e da ingestão de proteínas animais. É gerada no músculo a partir de uma reação não enzimática da creatina e fosfocreatina. A sua produção e liberação pelo músculo são praticamente constantes. A geração é diretamente proporcional à massa muscular, que varia de acordo com a idade, sexo e etnia, sendo afetada por condições que causam perda muscular. A creatinina é livremente filtrada pelo glomérulo e não reabsorvida nem metabolizada pelo rim. Entretanto, aproximadamente 10% a 40% da creatinina urinária é derivada da secreção tubular

34 de cátions orgânicos no túbulo proximal, sendo mais significativa quanto menor estiver a TFG (ROSNER; BOLTON, 2006; STEVENS et al., 2006).

A DCE é usualmente medida em coleta de urina de 24 horas, podendo ser também avaliada em intervalos menores, porém com resultados menos acurados (ROSNER; BOLTON, 2006). Deve ser ajustada para superfície corporal de 1,73 m² para comparação com valores normais. As principais limitações da técnica são a coleta inadequada da urina, levando geralmente a subestimar o valor da DCE e o aumento da secreção tubular de creatinina que ocorre quando a TFG diminui, levando a superestimar o valor desta. Alguns pacientes com doença avançada podem ter a DCE duas vezes maior que a TFG. Outro fator que pode afetar a acurácia da DCE é o aumento do clearance extra-renal da creatinina na DRC avançada. Nessa situação, ocorre um aumento de bactérias intestinais com atividade de creatininase. Como resultado, a creatinina plasmática diminui, elevando falsamente o valor da DCE (STEVENS et al., 2006).

Nos últimos anos, diversas proteínas plasmáticas de baixo peso molecular vêm sendo estudadas com o intuito de se identificar um melhor marcador de TFG. Em 1985, demonstrou-se que a cistatina C é ao menos equivalente à creatinina sérica, como marcador de função renal (DHARNIDHARKA, V.R.; KWON, C.; STEVENS, 2002).

A cistatina C é uma proteína catiônica não glicosilada, cuja massa molecular é de 13.359 dáltons, sendo uma constituinte da superfamília das cistatinas, que, por sua vez, é composta por 12 proteínas. É um potente inibidor de proteases cisteínicas, composta de 120 aminoácidos dispostos em uma cadeia polipeptídica simples, cuja sequência foi determinada em 1981. Estudos subsequentes demonstraram que a cistatina C é produzida num ritmo constante por todas as células nucleadas e está presente nos líquidos biológicos (ABRAHAMSON et al., 1991; JUNG; JUNG, 1995; SHIMIZU-TOKIWA et al., 2002; FILLER et al., 2005).

Ela é livremente filtrada pelos glomérulos (em virtude de seu baixo peso molecular em combinação com uma carga elétrica positiva) e, segundo estudos iniciais, sua concentração sérica independe da idade, sexo, dieta, massa muscular e peso corporal. Dessa forma, não foi relatada diferença relevante entre os valores de referência para o sexo feminino e o masculino. Em crianças saudáveis, a concentração de cistatina C se estabiliza no segundo ano de vida e o valor de

35 referência é idêntico ao dos adultos (HOEK; KEMPERMEN; KREDIET, 2003; FILLER, 2005; CURHAN, 2005).

A cistatina C é quase completamente catabolizada no túbulo proximal, assim como outras proteínas de baixo peso molecular. Por ser reabsorvida e metabolizada a nível tubular, a cistatina C não retorna à circulação em sua forma intacta e sua concentração urinária é praticamente indetectável (SECO, 1999; UCHIDA; GOTOH, 2002).

Vale salientar que, também no caso da cistatina C, como vem acontecendo com a creatinina sérica, foram desenvolvidas fórmulas nos últimos anos com o objetivo de melhor avaliar a função renal, estimando a TFG. As equações mais frequentemente utilizadas encontram-se no Quadro 4.

Quadro 4. Equações estimativas da TFG em adultos.

Equação simplificada MDRD padronizada por ensaio de diluição isotópica e espectrometria de massa (LEVEY et al., 2006)

TFGe (ml/min/1,73m²) = 175 x creatinina sérica (mg/dl)-1,154 x idade (anos)-0,203 x (0,742 se mulheres) x (1,210 se afroamericanos)

Equação CKD-EPI (LEVEY et al., 2009) utilizando a creatinina

TFGe (ml/min/1,73 m²) = 141 × min (creatinina sérica/κ, 1)α × máx (creatinina sérica/κ, 1)-1,209 x 0,993Idade × (1,018 se mulheres) x (1,159 se afroamericanos)

Onde: κ = 0,7 para mulheres e 0,9 para homens; α = - 0,329 para mulheres e – 0,411 para homens; mín indica o mínimo de creatinina sérica ou 1; e max indica o máximo de creatinina sérica ou 1.

Equação CKD-EPI (INKER et al., 2012) utilizando a cistatina

TFGe (ml/min/1,73 m²) = 133 x min (cistatina C sérica/0.8, 1)-0,499 x máx (cistatina C sérica/0.8, 1)-1,328 x 0.996Idade x [0,932 (se mulheres)]

Onde: min indica o mínimo de creatinina sérica ou 1; e máx indica o máximo de creatinina sérica ou 1

Equação CKD-EPI (INKER et al., 2012) utilizando creatinina e cistatina

TFGe (ml/min/1,73 m²) =135 x min (creatinina sérica/κ, 1)α x máx (creatinina sérica/κ, 1)-0,601 x máx (cistatina C sérica/0.8, 1)-0,711 x 0.995Idade x (0,969 se mulheres) x (1,08 se afroamericanos)

Onde: κ = 0,7 para mulheres e 0,9 para homens; α = - 0,248 para mulheres e - 0,207 para homens; min indica o mínimo de creatinina sérica ou 1; e max indica o máximo de creatinina sérica ou 1.

TFGe: Taxa de filtração glomerular estimado; ml: mililitro; min: minuto; kg: quilograma; mg: miligrama; dl: decilitro; MDRD: Modification of Diet in Renal Disease; CKD-EPI: Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration.

Algumas fórmulas que envolvem a cistatina C apresentaram melhor desempenho que equações utilizando a creatinina (HOEK; KEMPERMEN; KREDIET, 2003; GRUBB et al., 2005; GRUBB et al., 2005) ou foram similares (RULE et al., 2006; MACISAAC et al., 2006). Para alguns, a combinação das dosagens séricas de creatinina e cistatina C em fórmulas foi a melhor opção, particularmente quando foram levados em conta dados demográficos (MA et al., 2007; RIGALLEAU et al., 2007; TIDMAN; SJOSTROM; JONES, 2008; STEVENS et

36 al., 2008). Porém, ainda não há consenso em relação à superioridade das fórmulas que envolvem a cistatina C, nem mesmo o uso combinado com a creatinina, considerando-se que, possivelmente, elas não são adequadas para uso em diferentes populações (URBANIAK et al., 2008).

2.2.2 Albuminúria

Em condições normais, proteínas de baixo peso molecular e uma pequena quantidade de albumina são filtradas pelos glomérulos, sendo totalmente reabsorvidas no túbulo proximal. Algumas dessas proteínas, incluindo a albumina, podem ser excretadas em pequenas quantidades na urina, sendo detectadas apenas por métodos cromatográficos (RUSSO et al., 2007).

A albuminúria ocorre como manifestação da lesão na barreira de filtração glomerular, tendo sido detectada em diversas condições clínicas patológicas (KHOSLA; SARAFIDIS; BAKRIS, 2006), constituindo-se no exame mais sensível e aplicável, no dia a dia, para detecção precoce da DRC (KIRSZTAJN, 2010). Níveis elevados de albumina urinária também apresentam especial interesse em pacientes portadores de Diabetes Mellitus, pois a sua presença é um marcador de nefropatia incipiente. Em indivíduos não diabéticos é também um marcador precoce de doença renal e está associado ao maior risco de doença cardiovascular (MENDES; BREGMAN, 2010).

Considera-se normal uma excreção urinária de albumina de até 30mg/dia. Quando a excreção se encontra na faixa de 30-300 mg/dia, é chamada de microalbuminúria. Valores superiores a 300 mg/dia são chamados de proteinúria ou macroalbuminúria (GUH, 2010). Valores utilizados para definição dos estágios de albuminúria podem ser visualizados Quadro 5.

Quadro 5. Valores utilizados para definição dos estágios de albuminúria de acordo com o tipo de

coleta. Amostra de 24h (mg/24h) Amostra isolada (mg/g de creatinina) Amostra temporal (µg/min) Normoalbuminúria <30 <30 <20 Microalbuminúria 30-300 30-300 20-200 Macroalbuminúria >300 >300 >200

37 Existem basicamente três métodos diferentes para detectar elevação de albumina na urina: a) Medida da relação entre albuminúria e creatininúria em amostra isolada (expressa em mg/g de creatinina); b) Medida da albuminúria obtida dentro de um período de tempo determinado, como por exemplo, 12 horas noturnas ou diurnas (expressa em μg/min); c) Excreção de albumina em urina coletada nas 24 horas (expressa em mg/24h), considerada padrão-ouro na determinação da albuminúria (ZANELLA, 2006).

A determinação da albuminúria em amostra isolada é a forma mais fácil de ser realizada na prática clínica, fornecendo informação bastante confiável. Tem sido demonstrado que este método tem uma sensibilidade de 90% na determinação da microalbuminúria comparada ao método de avaliação que utiliza a urina de 24 horas, mesmo após ajustes para idade e sexo (BENNETT et al., 1995; HOULIHAN et al., 2002). A melhor avaliação é obtida quando a determinação é feita na primeira urina da manhã, evitando-se as variações diurnas que ocorrem com a atividade física.

Em 2006, a microalbuminúria passou a compor critérios da OMS para a definição de síndrome metabólica associada à resistência insulínica, que seria o critério maior e/ou com obesidade centrípeta, hipertensão arterial, dislipidemia e também ausência do descenso noturno pressórico (BABU; FOGENFELD, 2006). A partir de 2008, passou a compor a lista de biomarcadores confiáveis em relação às doenças cardiovasculares (TOUSOULIS et al., 2008). Já nas diretrizes do grupo de trabalho do Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO 2012), voltado para práticas clínicas, avaliação e manejo da DRC, a albuminúria foi inserida nos critérios para classificação prognóstica da doença junto com a TFG (KDIGO, 2013).

Os desfechos da albuminúria têm sido exaustivamente pesquisados e descritos na literatura. Estudos clínicos relataram associação da microalbuminúria com a hipertrofia ventricular esquerda, aumento da espessura médio-intimal de carotídas e doença cardiovascular subclínica em indivíduos com elevado risco cardiovascular (YOKOYAMA et al., 2004; MAHFOUD et al., 2012). Além disso, vários estudos epidemiológicos e experimentais, especialmente em pacientes de risco, destacaram a relação da excreção urinária de albumina com a maior incidência de mortalidade geral e cardiovascular (HILLEGE et al., 2002; SCHMIEDER et al., 2011), principalmente quando associado à redução da função renal (VAN DER VELDE et

38 al., 2011). Em indivíduos de risco elevado, a associação da excreção urinária de albumina com o aumento da mortalidade cardiovascular foi afirmada mesmo com níveis de albuminúria inferiores a 30mg/g de creatinina (MATSUSHITA et al., 2010).

Além disso, tem-se observado que os portadores de albuminúria apresentam doença coronariana mais grave e multiarterial (SUKHIJA et al., 2006). Desta forma, diretrizes internacionais têm orientado a triagem anual de albuminúria não só para pacientes diabéticos, como também para os não-diabéticos com risco de DCV (THOENES et al., 2007).

Documentos relacionados