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Em termos legais internacionais, a matriz dos tratados e Convenções no que tange à proteção dos indivíduos, incluindo refugiados e requerentes de asilo é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948. Nela foi estabelecido que “toda a pessoa

sujeita a perseguição, tem o direito de procurar e de se beneficiar de asilo em outros países”

(Declaração dos Direitos Humanos, ponto 1 do artigo 14.º)

Porém, apenas em 1951, após a primeira grande discussão mundial sobre fluxos de pessoas devido a II Guerra Mundial, é que foi realizada uma Convenção de forma específica sobre o Estatuto dos Refugiados para estabelecer direitos e deveres entre os refugiados e os países acolhedores, denominada Convenção Internacional de 1951. Esta Convenção tornou-se assim um tratado de base global e o principal protocolo internacional em que os refugiados utilizam para solicitar asilo para fugir das perseguições em seu país de origem (Observatório das Migrações, 2019). Este tratado foi ratificado por 142 países, incluindo todos os membros da União Europeia, e definiu no seu artigo primeiro que o termo de refugiado se aplicará a qualquer pessoa que:

em conseqüência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em conseqüência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele (Convenção de Refugiados, 1951, Artigo1º).

A Convenção é um instrumento que representa tanto o status quanto os direitos de um refugiado e é sustentada por vários princípios fundamentais, sendo os principais deles: o da não discriminação, o da não penalização e o da não repulsão. Além disso, as disposições da Convenção devem ser aplicadas sem discriminação de raça, religião ou país de origem e determina que os princípios do direito internacional dos direitos humanos sejam aplicados sem discriminação de sexo, idade, deficiência, sexualidade ou outros motivos discriminatórios (Convenção, 1951, p. 3).

A Convenção estipula ainda que, sujeitos a exceções específicas, os refugiados não devem ser penalizados por sua entrada ou permanência ilegal. Ou seja, a Convenção

reconhece que a busca de asilo pode implicar que por motivos de extrema necessidade, os refugiados violem as regras de imigração. Desse modo, os Estados signatários são proibidos de utilizar sanções penais contra refugiados como a acusação de imigração ou ofensas criminais relacionadas à busca de asilo ou a detenção arbitrária puramente com base na busca de asilo (Convenção, 1951, p. 3).

Além disso, é importante ressaltar que o princípio da não repulsão é tão fundamental que nenhuma reserva ou derrogação poderia ser feita com relação à ele. De acordo com a Convenção, ninguém deve expulsar ou devolver (refouler) um refugiado contra sua vontade, de nenhuma maneira, para um território onde ele ou ela tema ameaças à sua vida ou à sua liberdade (Convenção, 1951, p. 3). Isto está descrito no seu artigo 33 ao proferir que: “Nenhum Estado Contratante deve expulsar ou devolver ("refouler") um refugiado para os territórios onde sua vida ou liberdade está ameaçada por causa de sua raça, religião, nacionalidade, pertença a um grupo social específico ou opinião política”.

O princípio de não repulsão deve ser lembrado pois se trata de um dos principais pontos deste trabalho. Conforme veremos detalhadamente no próximo capítulo, com o acordo selado entre a Turquia e a União Europeia em 2016, pretendeu-se devolver para a Turquia os refugiados sírios que chegassem, a partir da data da celebração do acordo, às fronteiras europeias em troca de um refugiado sírio localizado em solo turco - o que é contra os princípios de não repulsão e o de não penalização estabelecidos na Convenção Internacional.

Além disso, a Convenção estabelece padrões mínimos básicos no que tange ao tratamento de refugiados por parte dos Estados signatários, como por exemplo o acesso aos tribunais, à educação primária, ao trabalho e a provisão de documentação, incluindo um documento de viagem para refugiados na forma de passaporte (Convenção, 1951, p. 3). O que conforme também veremos no próximo capítulo, não é na prática oferecido pelos países receptores no continente europeu.

Um outro documento internacional legal importante no que tange aos direitos e deveres dos refugiados é o Protocolo Relativo ao Estatuto de Refugiados de 1967. Este Protocolo foi criado devido ao facto da Convenção ter sido criada e formulada para atender os indíviduos que se deslocaram em massa devido à Segunda Guerra Mundial e, por isso, a Convenção se tornou incapaz de atender às necessidades e contextos internacionais posteriores, como os casos dos solicitantes de asilo localizados fora do continente europeu e daqueles que não estavam se deslocando devido à Grande Guerra. Assim, para um alargamento do que estava proposto na Convenção, foi submetido o protocolo à Assembleia

Geral das Nações Unidas para remover a limitação de solicitação de refúgio apenas ao espaço europeu, e às pessoas afetadas pela II Guerra Mundial, e, generalizar o disposto na Convenção a um contexto global. Deste modo, neste momento, as regras internacionais que antes tinham sido definidas sob um contexto regional devido às consequências da guerra, foram estendidas mundialmente (ACNUR, 2018, p. 4-6; Oliveira, et. al, 2017, p. 78).

Assim, o Protocolo de 1967 tornou-se em conjunto com a Convenção de 1951, um dos principais pilares institucionais internacionais em matéria de refugiados e estabelecem os princípios legais sobre os quais se baseiam inúmeras legislações e práticas internacionais, regionais e nacionais. Hoje, quase 150 países são signatários da Convenção de 1951 e/ou do Protocolo de 1967, contudo, é preciso salientar que, apesar de se tratarem de documentos complementares, são instrumentos legais distintos e, por isso, não necessariamente possuem os mesmos signatários (ACNUR, 2018, p. 4-6; Oliveira, et. Al, 2017, p. 78).

Em termos institucionais, a agência de referência para assuntos que envolvam os refugiados é o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), cujo estatuto foi definido pela ONU em 14 de dezembro de 1950. O ACNUR tem entre seus principais propósitos: conduzir e coordenar ações internacionais de proteção de refugiados, assegurar os seus direitos e procurar soluções duradouras para seus problemas. Em relação ao seu quadro normativo, o ACNUR também conduz a sua ação de acordo com a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e ao Protocolo de 1967 (Observatório das Migrações, 2019).

Um outro marco referente à proteção de refugiados a nível global foi a Declaração de Nova Iorque para Refugiados e Migrantes, celebrada em 2016. Nesta ocasião, os então 193 Estados-membros das Nações Unidas concordaram em prover proteção às pessoas forçadas a abandonar os seus países de origem, apoiar os demais países que os abrigam, ao compartilhar as responsabilidades internacionais e as financiar da forma mais equitativa e previsível. Este acordo concedeu ao ACNUR a competência para desenvolver, em conjunto com os governos locais e outras partes interessadas, um “Pacto Global sobre Refugiados” (ACNUR, 2018, p.14).

O Pacto Global sobre Refugiados representa uma oportunidade única para fortalecer a resposta internacional aos grandes movimentos de refugiados, tanto para lidar com situações recentes quanto com as mais prolongadas, e tem entre seus objetivos principais: aliviar as pressões sobre os países que recebem e acolhem refugiados; construir autossuficiência e autonomia entre as pessoas em situação de refúgio; expandir o acesso ao reassentamento em

países terceiros e prover outros caminhos legais para a proteção e soluções duradouras; e fomentar condições que permitam aos refugiados voltarem voluntariamente para seus países de origem de forma digna e segura (ACNUR, 2018, p. 14).

Desse modo, conforme vimos nesta subseção, os Estados signatários dos documentos internacionais, como a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967, concordaram em estebelecer direitos e deveres sobre a chegada dos refugiados aos seus territórios. Porém, conforme veremos no capítulo III, muitos destes deveres são violados com a chegada de refugiados no continente europeu que se iniciou em 2015, como por exemplo o princípio de não devolução, o princípio de prover padrões mínimos básicos para a integração destes indivíduos e o da não penalização. A seguir, este quadro internacional legal e institucional mundial em matéria dos refugiados será analisado no contexto referente à Mulheres e Meninas, visto tratar-se da limitação de análise deste trabalho.

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