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REFLECTINDO

No documento Relatório de estágio (páginas 92-95)

"Todo o nosso conhecimento se inicia com sentimentos."

1 Vinci (s. d.)

Esta foi a semana de observação e adaptação ao local de estágio. Momento para integrar-me numa nova e diferente realidade, que é o trabalho em Hospital de Dia (HD).

Esta semana, não consegui aperceber-me totalmente da dinâmica do Hospital de Dia, uma vez que o serviço preparava o dia da Saúde Mental, 10 de Outubro. Assim, os utentes desempenhavam algumas actividades no sentido de poderem apresentar alguns trabalhos manuais na exposição do dia da Saúde Mental.

Nesta semana, aproveitei para conhecer quem trabalha neste serviço e para conhecer os utentes que usufruem deste espaço.

Vou assim, aproveitar para reflectir acerca de uma situação que ocorreu ainda no primeiro dia de estágio, e da qual me vim apercebendo durante a semana.

No primeiro dia de estágio, a enfª Paula chamou-me para assistir a uma pequena reunião com uma utente do Hospital de Dia e a sua mãe. A Srª. A. estava a faltar ao HD há uns dias e nesse dia apareceu a pedir ajuda, pois tinha tido um conflito com a sua mãe, e a Srª. A. sentia que necessitava de uma alteração terapêutica, indo pedir ajuda nesse sentido. Nesta reunião, foi abordado pelo seu médico, o facto da utente estar a faltar ao HD e a necessidade de esta voltar, para que a equipa pudesse ajuda- la muito mais para além da alteração terapêutica. A utente, aborda durante a reunião as suas dificuldades, apontando como tais o facto da mãe não confiar nela: “ela está sempre a perguntar se eu tomo a medicação, mas eu tomo a medicação, eu tomo” (sic) e o facto da Srª. A apresentar uma fobia social que a impede de sair de casa e que não lhe permite sair de casa para vir ao HD e regressar do HD para casa: “eu quando saiu de casa tenho medo de não voltar, tenho medo de morrer” (sic). Apresentando ainda ideias delirantes de cariz persecutório, que a angustiam e gera nela o medo de se deslocar a instituições de saúde: “eu não devia ter feito aquela queixa no portal, se não tivesse feito aquela queixa agora não era assim” (sic); “a queixa já esta feita agora não há nada a fazer” (sic). Quando a utente fala destes medos apresenta-se angustiada e labilidade emocional.

Relativamente à relação conflituosa com a mãe, foi abordada a importância da mãe respeitar o espaço da filha, e foi pedido à Srº. A. que permitisse à sua mãe confiar nela e que não lhe mentisse. Isto porque a mãe da utente referia que no dia anterior

quando perguntou à filha se já tinha tomado a medicação do jantar esta lhe tinha dito que sim, e na realidade foi tomá-la posteriormente. Esta situação gerou alguma tensão entre a Sr. A e a sua mãe, onde ambas elevaram o tom de voz e demonstraram alguma inquietação quando se falou deste episódio. Neste momento, a mãe da utente acusou- a de mentirosa e que acaba por estar cansada dos seus comportamentos, acabando por referir que também tem outro filho doente e que este apesar de ter uma perturbação obcessivo-compulsiva, consegue organizar a sua vida, trabalhar e que não exige tanto a sua atenção e o seu cuidado. Acaba por comparar os dois filhos, colocando a utente como a filha doente que exige que a sua mãe esteja sempre perto dela e que nem ir passear o cão ela consegue sozinha. Refere ainda, que se a utente continuar com aqueles comportamentos e a mentir-lhe que a leva para casa do pai, que “ele não quer saber de ti” (sic). Perante este conflito evidente o Dr. J. perguntou à Srª. A o porque de mentir à sua mãe, referindo esta “ela é chata, está sempre a perguntar a mesma coisa, eu digo-lhe que tomo para ela não se preocupar” (sic). Quando lhe foi falado da importância de manter a terapêutica e que caso não a fizesse teria um agravamento da sua doença, a utente refere “mas eu tomo” (sic). Foi ainda negociado que não iria mentir mais à sua mãe, para evitar futuros conflitos. No entanto, a mãe da

utente mantêm-se “zangada” com a filha e mantém as comparações com o outro filho

também doente. Foi pedido que percebe-se que a sua filha neste momento estava numa fase mais complicada e que se não conseguir fazer as mesmas coisas que fazia antes sozinha, era porque estava doente. Junto da utente, tentou-se negociar que ela iria ao HD dai em diante, o que a utente acaba por aceitar e tentar vir sozinha ao HD, uma vez que a sua mãe não teria disponibilidade para a acompanhar. No final da intervenção a utente aparentemente esta mais calma e agradece a ajuda disponibilizada, no entanto, a sua mãe apesar de mais calma, mantém-se irritada com a situação de doença da filha, revelando já algum cansaço e alguma contra-atitude em relação à filha.

Durante esta reunião senti que enquanto aluna, apreender a forma de intervenção com esta família, tendo em conta o que foi feito para ajudar e o que foi dito, foram aspectos importantes à minha aprendizagem. No entanto, enquanto observadora gerou-se em mim alguns sentimentos, perante a situação que assisti. O facto de ver que a mãe da Sr.ª A. não estava a compreender a situação de doença da filha, chegando a culpabiliza-la pelos seus comportamentos e medos e comparando-a com o irmão, gerou em mim fenómenos de contra-transferência. Assim, a interacção a que

assisti gerou em mim sentimentos de revolta, tristeza e zanga, pois foi difícil ver que a mãe da Sr.ª A. não estava a compreendê-la e que ao mesmo tempo, não estava a compreender o que a equipa lhe estava a dizer durante a reunião. Em relação à Sr.ª A consegui compreender o que expressou e a sua dificuldade em gerir o medo que sentia em sair de casa sozinha. Posso referir ainda, que senti angústia, impotência e medo…Deixei-me invadir por sentimentos de angústia, ao perceber o sofrimento desta pessoa, sabendo que pouco poderia fazer para a ajudar, uma vez que não a conhecia e não sabia se ela seria capaz de regressar ao HD no dia seguinte. Senti medo…Medo do imprevisto! Pensar como o ser humano é vulnerável e que muitas vezes temos medos, próprios do Homem, e pensar que um dia esses medos podem ser de tal forma fortes que nos impedem de “tomar conta” da nossa própria vida…

O desenvolvimento deste trabalho permitiu-me explorar uma das competências do enfermeiro especialista em Saúde Mental: “Detém um elevado conhecimento e

consciência de si enquanto pessoa e enfermeiro, mercê de vivências e processos de auto-conhecimento, desenvolvimento pessoal e profissional.” Neste sentido, tive

oportunidade de consciencializar-me das emoções e sentimentos, valores e outros factores pessoais ou circunstanciais que poderiam interferir na relação terapêutica. Estes sentimentos e emoções no momento da interacção foram surgindo na minha consciência, mas tenho agora a oportunidade em pensar e reflectir sobre os mesmos.

Fez-me sentido reflectir sobre esta interacção, mesmo que não tenha participado directamente na mesma, uma vez que gerou em mim os sentimentos descritos anteriormente. E ainda, é importante referir que estando presente no local onde ocorreu a interacção acabei por apresentar algumas expressões corporais que poderiam sugerir a minha própria impaciência em relação à incompreensão da mãe da Sr.ª A. Tomando consciência dessas expressões corporais, apercebi-me que acabei por cruzar os braços durante esta situação, quase em tom de desaprovação ao que estava a ocorrer.

Assim, escolhi esta situação como forma de explorar-me enquanto pessoa e profissional, tomando consciência de mim e promovendo o meu desenvolvimento pessoal e profissional. Por outro lado, permite-me no futuro gerir melhor, situações semelhantes, gerindo os sentimentos e emoções que daí advirem, de forma a dar resposta às necessidades dos utentes da melhor forma.

1

VINCI, Leonardo da (s. d.). Acedido em: [9 de Outubro de 2011]. Disponibilidade em: http://www.citador.pt/frases/citacoes/t/conhecimento/50

APÊNDICE V - REGISTOS DE INTERACÇÃO EM HOSPITAL DE DIA DE

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