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ADMINISTRAÇÃO GESTÃO

3.3 Refletindo a autonomia escolar

Para facilitar o entendimento sobre a autonomia no contexto de uma gestão escolar democrática, tendo em vista a complexidade do termo em questão, almeja-se, inicialmente, compreendê-la à luz da sua etimologia. Gadotti (1999) explica que a palavra “autonomia” vem do grego e significa capacidade de autodeterminar-se, de auto relacionar-se, de “autos” (si mesmo) e “nomos” (lei). Diante dessa formação, o Dicionário Michaelis (2019) da língua portuguesa, aponta como significado do verbete Autonomia, capacidade de autogovernar- se, de dirigir-se por suas próprias leis ou vontade própria e ainda, faculdade própria de algumas instituições quanto à decisão sobre organização e normas de comportamento, sem se dobrar ou ser influenciadas por imposições externas Sob o prisma do ambiente escolar, falar em autonomia está diretamente relacionada com a liberdade para construção da sua identidade institucional e pedagógica, não limitando-se, apenas, às questões administrativo-financeiras, tendendo à dimensão política a ser a mais significativa. Diante de um contexto político- administrativo, é recorrente a vinculação direta da autonomia com a eficácia da escola, limitando essa autonomia aos mecanismos de “descentralização” e alocação de recursos, mediante imposição dos dispositivos legais. No entanto, a autonomia escolar, numa visão democrática, deve contemplar não apenas a autonomia da escola, em seus aspectos jurídico-administrativos (dimensão que aborda a autonomia administrativa, jurídica e financeira), mas também a autonomia dos sujeitos sociais (ou autonomia pedagógica) que a compõem. Partindo dessa compreensão, Lück (2000) apresenta como definição de autonomia escolar:

Refere-se a capacidade de tomar decisões compartilhadas e comprometidas e usar o talento e a competência coletivamente organizada e articulada, para resolução dos problemas e desafios educacionais, assumindo a responsabilidade pelos resultados dessas ações, vale dizer, apropriando- se de seu significado e de sua autoria. Portanto, a descentralização é um meio e não um fim na construção da autonomia, assim como esta é, também, um meio para formação democrática dos alunos (LÜCK, 2000, p. 21).

Em sua obra Escola Cidadã, Gadotti (1999) ressalta que a escola autônoma seria aquela que se autogoverna, destacando porém que não existe uma autonomia absoluta, pois ela está sempre condicionada pelas circunstâncias, sendo portanto a autonomia sempre relativa e determinada historicamente. Esse conceito relacional remete-se principalmente a existência dos sistemas de ensino, os quais são delineados como limites à prática da autonomia absoluta, por isso, diz-se que as escolas possuem uma autonomia relativa, que precisa ser construída e conquistada por seus usuários.

A construção de uma escola autônoma, preconiza a participação como eixo fundamental, e parte da liberdade na tomada de decisões pela comunidade visando atender a função social a qual a escola se destina, sendo todos corresponsáveis pelo êxito escolar. Nesse sentido, é preciso desenvolver no aluno o prazer de exercer seus direitos e reconhecer seus deveres. Para Sá (2009) uma escola autônoma propicia elementos para formação de cidadãos autônomos, enquanto uma escola súdita, forma súditos, sendo esta condição não admitida numa sociedade democrática. Dessa forma, a conquista da autonomia escolar parte do reconhecimento da escola enquanto instituição social, que valoriza seus sujeitos, sua diversidade cultural e suas contradições.

Tendo em vista a efetivação de uma gestão democrática, Libâneo (2013) conceitua autonomia como sendo:

(...) fundamento da concepção democrático - participativa de gestão escolar, razão de ser do projeto pedagógico (…) faculdade das pessoas de autogovernar-se, de decidir sobre seu próprio destino. Significa ter poder de decisão sobre seus objetivos e suas formas de organização, manter- se relativamente independente do poder central, administrar livremente recursos financeiros (…) corresponsabilidade consciente, partilhada, solidária, de todos os membros da equipe escolar, de modo a alcançar, eficazmente, os resultados de sua atividade – formação cultural e científica dos alunos e o desenvolvimento de potencialidades cognitivas e operativas (LIBÂNEO, 2013, p. 115-116).

Uma das maiores expressões da autonomia escolar é a construção coletiva do seu Projeto Político Pedagógico (PPP), uma vez que este é o instrumento que deve nortear as práticas pedagógicas e valores a serem conduzidos na unidade do trabalho escolar em prol da concretização de um ensino de qualidade e da afirmação da sua identidade institucional. Sobre o exercício da autonomia da (e na) escola, Quintaneiro (2011), estudando as escolas básicas de Portugal, apresentou alguns exemplos significativos de possibilidades práticas de efetivação dessa autonomia, que vale pontuar alguns para melhor esclarecimento sobre a materialização desse princípio:

(…) - Na gestão de currículos e programas: formas de complemento curricular ou de ocupação de tempos livres, experiências e inovações pedagógicas próprias;

- Na avaliação dos alunos: garantindo a sua coerência e equidade e desenvolvendo métodos específicos, sem prejuízo da aplicação dos normativos gerais;

- orientação, acompanhamento e apoio dos alunos e, em particular, no que ser refere ao estabelecimento do “clima social” e regras de convivência na comunidade escolar, garantindo maior eficácia na solução de problemas disciplinares ou comportamentos anómalos; - - Na gestão flexível e adequada de espaços e tempos de actividades lectivas e não lectivas, nomeadamente quanto ao número e composição dos grupos de ensino, horário, regime de funcionamento e interrupção de actividades lectivas dentro de um crédito global fixado; - Na gestão e formação de pessoal docente, compreendendo, por exemplo, o inventário de necessidade de formação, planos de formação na escola e inter escolas ou com instituições competentes nesta área, assim como a organização de um núcleo de orientadores de formação na escola;

- Na organização ou participação em actividades de extensão educativa, difusão cultural e animação sócio-comunitária, numa perspectiva de desenvolvimento da comunidade em que a escola se insere e na abertura desta aos valores culturais locais (QUINTANEIRO, 2011, p. 55 - Grifo da autora).

Apesar da autonomia escolar ser um processo complexo e limitado do ponto de vista sistêmico, ela precisa ser construída e conquistada no dia a dia do fazer pedagógico, estimulando a partilha de poder, a responsabilização e a participação ativa dos sujeitos sociais, visando efetivar uma escola democrática e que atenda aos anseios da sociedade. Nesse sentido, para que se alcance uma escola autônoma é preciso que se tenha a autonomia dos indivíduos, e que estes encontrem-se na prática escolar como agentes de transformação do espaço pedagógico. Barroso (1996) destaca que o que está em causa não é conceder maior ou menor autonomia às escolas, mas sim reconhecer a autonomia da escola como um valor intrínseco à sua organização, e deste modo, utilizar essa autonomia em benefício das aprendizagens dos alunos.

Sendo assim, a autonomia e a participação dos alunos devem ser estimuladas e favorecidas no ambiente escolar, principalmente nas relações pedagógicas implementadas em sala de aula e nos espaços de gestão. As atitudes autoritárias e verticalizadas, devem ser substituídas por práticas dialógicas, horizontais e coerentes com uma educação para a cidadania. Dessa forma, discorrendo sobre a importância do exercício da autonomia do estudante na busca do saber, Paro (2016a) afirma que a prática leva ao aprendizado político e que, a medida que os alunos têm seus direitos respeitados (pelo menos) dentro da escola, fazendo-se sujeitos de relações democráticas na situação do ensino, estarão mais predispostos a relacionarem-se democraticamente e a defenderem seus direitos de forma mais convincente na sociedade em geral.

Sob a ótica de uma educação democrática participativa, Paulo Freire (1996, p. 119) nos ensina que “ninguém é autônomo primeiro, para depois decidir. É decidindo que se aprende a decidir.” Para tanto, é necessário que a escola e os que a compõem oportunizem momentos que possibilitem essa vivência para os alunos, afirmando-os assim como protagonistas do processo educativo.

3.4 Participação para (re)construção do espaço