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No debate sobre participação e organização social, há que se considerar como fundamental debater a questão da cidadania, pois discutir essa concepção é trazer algumas reflexões para o campo da participação, e, conseqüentemente, da organização dos movimentos populares na gestão das políticas públicas.

Para tanto, partimos da concepção trabalhada por Covre (1991), que se utilizou da definição de Marshall, compreendendo a cidadania como o conjunto de direitos civis, sociais e políticos. No Brasil, essa concepção universalista de direitos sociais foi incorporada muito tardiamente, apenas em 1988, na nova Constituição, que é uma referência política em nossa história.

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Esses três direitos do cidadão “não podem ser desvinculados, pois sua efetiva realização depende de sua relação recíproca. Esses direitos, por sua vez, são dependentes da co-relação de forças econômicas e políticas para se efetivar” (Covre, 1991, p.16).

Na direção dessa reflexão, já percebemos que a vinculação com a concepção de participação trabalhada anteriormente está diretamente relacionada à cidadania. Se participação é tomar parte da produção, da gestão e do usufruto dos bens, na sociedade, é necessário que se alcance a cidadania plena.

Deste modo, a cidadania torna-se uma categoria estratégica para se construir uma sociedade melhor. Covre (1991), ao debater a temática, observou que a realização da democracia formal, em alguns países (como a Inglaterra), está passando pela experiência do Welfare State, que pode significar um avanço estrutural no encaminhamento da democracia. Mesmo com a crise do Estado Providência, parece não se ter encontrado, no mundo contemporâneo, outro modo melhor de desenvolver a democracia.

Com base neste entendimento, podemos nos aproximar da realidade brasileira, que mesmo sem ter tido a experiência do Welfare State, a Constituição de 1988 aproximou-se do que seria o Estado Providência, quando propôs uma organização para as políticas públicas, trazendo então a participação dos cidadãos (destinatários, trabalhadores), para o âmbito da gestão dessas políticas.

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Utilizando-se de parte das reflexões realizadas por Covre (1991), serão enfocados suas observações na perspectiva da cidadania individual e coletiva. A autora afirmou que a categoria da cidadania depende da ação dos sujeitos e dos grupos básicos em conflito, e também das condições globais da sociedade.

“Ela pode permitir uma práxis coletiva que coaduna os pólos da construção social: o do indivíduo e o da coletividade, quando se observa que o exercício contemporâneo da cidadania tende a ter o suporte à pessoa (suas necessidades e desejos), ao mesmo tempo que se desenvolve via organismos sociais que têm por referência o coletivo. O exercício da cidadania extravasa o da classe social, mas não deixa de permeá-la, assim como permea vários organismos sociais, movimentos sociais (em geral, e os ditos novos, como ecologistas, o pacifista, o feminista etc.), determinadas gestões públicas, algumas ONG´s etc” (Covre, 1991, p.70).

Portanto, pretende-se discutir a cidadania que está mais presente no âmbito do cotidiano, nas organizações formais e informais, nos bairros, nos movimentos sociais, nas organizações não governamentais (Ongs), etc, como uma forma ampliada e em processo, que se poderia nomear de cidadania em construção.

Partindo do pressuposto de que, na conjuntura atual, conta-se com uma Constituição Federal, assim como outras legislações

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que asseguram direitos e garantem, com base em vários artigos, a participação da população na deliberação e acompanhamento das políticas públicas.

Sabe-se também que os direitos presentes na Constituição Federal são resultado da luta e do grande movimento protagonizado pelos segmentos organizados da sociedade, em especial, os populares. Na atual conjuntura político-econômica, torna-se um desafio constante imprimir o caráter democrático às ações realizadas no âmbito das políticas públicas, com vistas ao alcance dos direitos sociais e da participação.

Os desafios para se chegar à cidadania plena, ou emancipada, tornam-se cada vez mais distantes, considerando a enorme desigualdade de renda e propriedade no Brasil, assim como o número de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza, dados referidos no primeiro capítulo. Demo (1995), ao debater as exigências e desafios da cidadania emancipada, advertiu: “a cidadania tem, por isso, como primeiríssima tarefa, um desafio negativo: destruir a pobreza política” (Demo, 1995, p.133).

No entendimento do autor, superar a pobreza política é incluir o cidadão no processo político, torná-lo capaz de apreender de forma crítica sua condição na sociedade, para que possa, inclusive, lutar pelas suas necessidades materiais, sem se sentir submisso às elites. Para tanto, garantir essa oportunidade “aponta para a necessidade da

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organização política coletiva, pois tratando-se de competência, é mais competente a oportunidade feita em consenso potencializado“ (Demo, 1995, p.134).

Na afirmação do autor está a compreensão já assinalada por Covre, a qual apontou a necessidade de conjugar a cidadania individual com a coletiva. Nesta direção, observa-se que a emancipação ou a organização dos movimentos políticos passam, necessariamente, por este processo. “O processo emancipatório é, assim, um fenômeno de competência tipicamente político” (Demo, 1995, p.135).

Na perspectiva de uma nova era do social e da política o Estado contemporâneo necessita debater as novas relações que tratam não só do acesso aos direitos sociais, mas sobre o justo e injusto, assim como a questão da cidadania e, neste movimento, a participação ganha centralidade nos debates, e, conseqüentemente, na gestão das políticas públicas.

3.3 Movimentos populares na direção da gestão pública

Quando se fala de participação dos cidadãos, dos movimentos sociais, especialmente os populares, deve-se enfatizar que se trata de uma forma de intervenção na vida pública baseada em certo

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