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VEZES/N ÃO SABE

5.6 REFLEXÃO GERAL SOBRE OS RESULTADOS DA PESQUISA

Diante dos dados apresentados, observou-se que o nível de conhecimento dos usuários e dos profissionais de saúde entrevistados na presente amostra sobre os direitos legais do paciente são escassos. A maioria dos usuários acredita não possuir direitos como pacientes de hospitais. Por sua vez, muitos profissionais demonstraram não se preocupar em repassar aos pacientes o que sabem sobre estes direitos. A maioria das respostas dos usuários quando questionados sobre o atendimento recebido, responderam que este havia sido bom ou ótimo. No entanto, quando perguntados sobre o que havia de especial no atendimento, respondiam que somente conseguir uma internação e ser medicado já podia ser considerado vantajoso, como uma vitória. Isto mostra a visão distorcida dos usuários sobre seus direitos reais. Em sua vulnerabilidade e por desconhecimento de informações apropriadas, consideram qualquer tipo de tratamento prestado pelo serviço público como uma caridade, agradecendo pelo atendimento não como um dever público, mas como um ato de boa vontade ou bondade. Muitos pacientes relataram durante as entrevistas que não se queixam por medo de serem maltratados pelos profissionais e não serem atendidos, o que certamente causa uma cultura de dominação, submissão e não efetivação de seus direitos. Os profissionais, principalmente médicos e enfermeiros, por sua vez, têm se voltado muito mais para a praticidade do trabalho do que para a integralidade do próprio ser humano.

Diversos direitos são negligenciados, como o acesso a medicamentos, procedimentos terapêuticos e de diagnósticos, acomodações dignas, acompanhamento por familiares, despreparo e má qualidade do atendimento dos profissionais. Não são raras as vezes que a lei é desrespeitada e os usuários privados de seus direitos. Em qualquer momento em que o usuário se sentir privado ou desrespeitado em seus direitos, deve este formalizar uma reclamação para os órgãos de defesa, controle e fiscalização, buscando a resolução do problema. Em último caso, deve recorrer à via judicial por meio do Sistema dos Juizados Especiais e das Defensorias Públicas, pois a justiça está cada vez mais acessível ao cidadão. As famílias devem procurar obter informações sobre os direitos dos pacientes e cobrar por serviços com qualidade para que os gestores contratem pessoas com mais preparo para lidar com o público. Também é preciso que os cursos de formação profissional insistam em disseminar conceitos de ética e cuidados com a profissão escolhida. Muitos profissionais de saúde desconhecem que têm uma série de obrigações legais para com os usuários; tais obrigações deveriam estar afixadas em locais de fácil visualização do usuário como meio educativo.

A relação profissional-paciente está afetada em todas as áreas das ciências biológicas, não somente em determinados grupos especializados. A ética requer o cumprimento por opção de valores individuais, coletivos, respeito aos princípios e normas, respeito à autonomia e às convicções e necessidades intrínsecas do ser humano. A pesquisa mostra a fragilidade das relações existentes entre profissionais e usuários, pois várias divergências foram constatadas entre as informações prestadas pelos pacientes em contraste com aquelas dadas pelos médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem participantes do estudo.

Entre estas, as principais são as seguintes: todos os usuários afirmaram que não são chamados pelo nome, enquanto a maioria dos profissionais alega que chama o usuário pelo nome; os usuários disseram que não são informados sobre o nome e efeitos dos medicamentos prescritos, no entanto os profissionais alegam que passam estas informações; grande parte dos usuários responderam que médicos e enfermeiros não atendem seus chamados prontamente e que não utilizam uma linguagem fácil de ser entendida, já os profissionais alegam que sempre atendem prontamente às solicitações dos usuários e utilizam uma linguagem acessível. Outros dados que podem ser analisados por meio das tabelas aqui apresentadas permitem concluir, de modo geral, que existe uma divergência entre

as respostas fornecidas pelos usuários e aquelas proporcionadas pelos profissionais.

Um simples passar de olhos nas distorções acima apontadas entre as respostas dos usuários e aquelas fornecidas pelas três categorias profissionais entrevistadas, mostra como não são respeitados os cinco artigos referidos no presente estudo e constantes da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da Unesco.

O registro de que os profissionais não chamam os pacientes pelo próprio nome fere frontalmente o Artigo 3 da Declaração que trata da dignidade humana uma vez que o nome da pessoa está diretamente ligado à sua identidade e participação cidadã em sociedade. Por outro lado, o fato do Artigo 14, que trata da responsabilidade social e da saúde, preconizar que a promoção da saúde e o desenvolvimento social para a população deve ser objetivo central de todo governo democrático, mostra que o SUS, da forma como vem sendo desenvolvido em muitas instâncias no país, como na amostra aqui estudada, está ainda longe de alcançar os ideais concebidos quando de sua criação.

Sobre o Artigo 9 da Declaração, referente ao respeito à privacidade e à confidencialidade dos usuários, ficou claro através dos resultados obtidos que apenas uma pequena parcela pequena dos profissionais solicita permissão para acessar o corpo desses pacientes e realizar procedimentos clínicos, o que caracteriza clara violação aos preceitos universalmente preconizados pela Unesco. Por outro lado, o simples fato dos usuários e dos próprios profissionais não saberem que o prontuário – apesar de ser instrumento que preferencialmente deve ficar sob a guarda da unidade operadora - é de propriedade do próprio paciente uma vez que nela estão contidos dados de sua inteira intimidade e privacidade, fera o artigo que trata do respeito à confidencialidade e privacidade dos sujeitos sociais (artigo 9), no caso o usuário.

O fato dos pacientes não serem chamados pelo próprio nome denota uma clara tendência à discriminação. À discriminação, e muito próximo a ela o estigma (categorias que compõe o Artigo 11 da Declaração), contribuem de modo aparentemente sutil, mas mais sinuoso e profundo do que se imagina, para a criação lenta, mas crescente de desrespeito à dignidade dos cidadãos que sustentam com seus impostos o funcionamento da máquina pública do país, incluindo o sistema de atenção à saúde.

Nesta linha de idéias, conforme afirma Maluf149, para que haja

conscientização dos profissionais na relação com o usuário e todas as barreiras e distorções acima comecem a ser derrubadas, se faz necessário aniquilar o medo inconsciente de ser constrangido por erros; a lentidão em se adaptar às mudanças ambientais; o uso do consentimento informado não como recurso jurídico, mas como um instrumento de confiança e segurança; saber trabalhar com o poder ético e técnico; ter sensibilidade para ver o outro com um olhar diferenciado e humano; adotar uma linguística adequada; abandonar a soberania; e compartilhar as responsabilidades. Por outro lado, o paciente deve deixar a posição de coitado, saindo da área de acomodação, passividade e conforto, passando a enxergar com os próprios olhos e caminhando com as próprias pernas, permitindo apenas a orientação profissional e não se deixando guiar como se fosse um cego ou limitado físico.