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CAPÍTULO I – O ESTILO COMPOSICIONAL DE PIERRE BOULEZ

1.2. Pierre Boulez compositor, ensaísta, director de orquestra e investigador

1.2.2. Reflexão e produção teórica

A extensa e substancial produção teórica de Pierre Boulez acompanha a evolução da sua criação musical e constitui-se como um elemento fundamental para o conhecimento mais profundo do seu universo musical. Os seus ensaios são um contributo extremamente importante para a compreensão mais profunda da realidade musical contemporânea, seus problemas e desafios, que analisa de forma atenta e eloquente.

As suas primeiras publicações datam de finais da década de 40 continuando até ao presente a sua intensa actividade de ensaísta. Destacam-se os artigos publicados nas seguintes revistas musicais: Polyphonie, Conterpoint, la

Nouvelle Revue française, Revue musicale, Cahiers de la Compagnie Madeleine Renaud Jean-Louis Barrault, The score, Domaine musical. Alguns destes artigos,

escritos entre 1948-1957, foram reunidos e apresentados por Paule Thévenin, sob o título Relevés d’apprenti, Éditions du Seuil, em 1966. Nestes ensaios Boulez exprime, num estilo inconformado e polémico, a necessidade de uma renovação da linguagem musical de modo a que esta expressão artística se possa integrar e responder aos desafios da contemporaneidade. A partir dos ensinamentos dos seus predecessores e do contacto com outros criadores como John Cage, Boulez pretendia edificar novos paradigmas, uma nova gramática musical capaz de responder aos problemas que se colocavam à música do seu tempo. Estes ensaios expressam a sua análise sobre a criação artística em geral, assim como as suas experiências com os meios electroacústicos, a direcção de orquestra e o ensino da análise e composição. Sobre este último aspecto, assumem particular importância os cursos de Darmstadt que, durante esta fase criativa, tiveram um reflexo profundo na direcção das pesquisas musicais do compositor.

Boulez encontra nos cursos de verão de Darmstadt um local extremamente fecundo para o intercâmbio de ideias musicais que tiveram uma enorme repercussão na geração de compositores do pós-guerra: « Ma génération est une

génération qui a découvert l’Europe. Darmstadt était un centre de découverte où toute l’Europe se donnait rendez-vous. »97 Estes cursos começaram em 1946 por

97 BOULEZ – NOUBEL : 2005, p. 10.

iniciativa de Wolfgang Steinecke que tinha como objectivo criar em Darmstadt um espaço dedicado à música contemporânea que “abrisse os horizontes” aos músicos alemães: «Il faut faire de Darmstadt le lieu de l’Allemagne où la musique

vivante renaîtra des cendres de la bêtise et de l’oppression. Il faut créer, ici à Darmstadt, un foyer de musique vivant, ouvrir les fenêtres sur les courants dont la dictature avait coupé l’Allemagne...»98 Paralelamente às aulas do curso

realizavam-se concertos com a apresentação de obras contemporâneas não só de compositores consagrados, como também dos próprios alunos do curso. O programa destes cursos de verão incluía a organização de um concurso anual de interpretação que constituiu um estímulo à performance da música contemporânea.

Inicialmente estes cursos destinavam-se aos estudantes alemães. A partir de 1949, o número de estudantes de diversas nacionalidades foi aumentando significativamente, sendo de destacar dois compositores italianos, Bruno Maderna e Luigi Nono, que iniciaram esta formação em Darmstadt em 1950. Nesse mesmo ano Goléa apresenta a gravação da cantata Le Soleil des Eaux de Pierre Boulez. Apenas dois anos mais tarde, em 1952, Boulez vai pela primeira vez a Darmstadt para apresentar os dois estudos concretos que realizara no estúdio de Pierre Schaeffer, em Paris; nesse mesmo ano é apresentada a sua Segunda sonata

para piano, interpretada por Yvonne Loriod.

Nos cursos de Darmstadt, gerou-se um confronto ideológico entre os defensores de uma escola serial clássica, preconizada por Leibowitz – que leccionou a classe de composição em 1948 e 1949, e os defensores de uma

escola serial integral, preconizada pela nova geração de compositores entre os

quais se destacam Boulez, Nono e Stockhausen. Em pouco tempo as ideias trazidas por estes três jovens compositores conseguem afirmar-se, e a partir de 1953-54 a corrente da escola serial integral é a mais representativa do curso. Em 1956, a convite de Wolfgang Steinecke, Boulez volta a Darmstadt para realizar conferências de análise musical. A partir deste ano, os outrora alunos de Darmstadt tornam-se professores do curso liderando uma geração de compositores que encontram aí uma forma de contacto directo com as mais

avançadas pesquisas no campo serial europeu. Boulez volta a ensinar em Darmstadt entre 1959-61 e em 1965. Ainda em 1961, Paul Sacher convida Boulez a dar aulas de composição e análise musical na Academia de Música de Basileia. É nesta atmosfera extremamente fecunda que Boulez vai produzir uma parte significativa dos seus ensaios teóricos e desenvolver as suas pesquisas seriais. Esta produção teórica serviu de base às suas aulas / conferências que constituem uma referência essencial para conhecermos o universo musical de Boulez e o seu pensamento estético. Penser la Musique Aujourd’hui, publicado em 1963, agrupa textos que terão sido escritos paralelamente às suas pesquisas seriais e que podem ser considerados como um aprofundamento filosófico das questões técnicas desenvolvidas. Outras conferências, já com algum afastamento temporal, pretendem criticar a história da criação musical de vanguarda. Nestes textos, que foram reunidos e apresentados por Jean-Jacques Nattiez em 1981 no livro “Points de Rèpere”, Boulez propõe criticar, com algum afastamento temporal, a história da criação musical de vanguarda dos anos 50.

Em Março de 1975, a convite de Michel Foucault, Pierre Boulez inicia uma série de lições no Collège de France. O nome da cadeira leccionada por Boulez designava-se Invention, technique et langage; a sua primeira lição ocorreu a 10 de Dezembro de 1976, tendo colaborado com esta instituição até finais da década de 80. Desta experiência de dez anos resultaram um conjunto significativo de ensaios que, em conjunto com outras publicações da mesma altura, foram reunidos e apresentados por Jean-Jacques Nattiez com o título Jalons (pour une

décennie) dix ans d’enseignement au Collège de France (1978-1988), com

prefácio póstumo de Michel Foucault.

Jalons é uma obra onde Boulez realiza uma reflexão sobre o seu trabalho

enquanto compositor e partilha as suas pesquisas, em particular durante a década de 1978 – 1988. São abordadas questões relacionadas como: a origem da obra musical; o gesto musical na composição; a noção de tema – sua evolução e relação com a forma; a ligação entre sistema e ideia na composição musical. Estas questões serão aprofundadas no capítulo IV enquanto suporte de algumas opções analíticas.

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