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Reflexões dos/as professores/as sobre as relações de gênero e sexualidade: os desafios

No documento Dissertação de Roberta de Souza Salgado (páginas 66-69)

CAPÍTULO III – VOZES DOS/AS PROFESSORES/AS SOBRE AS RELAÇÕES DE

3.2 Reflexões dos/as professores/as sobre as relações de gênero e sexualidade: os desafios

A primeira entrevista a ser apresentada foi realizada (A), que, no questionário para o levantamento do perfil dos/as participantes, afirmou existir desigualdade de gênero em seu cotidiano.

8 O contrato por seis meses pode ser renovado quando solicitado pela gestão escolar e ocorre pela falta de

um/a ocupante para o cargo que trabalhe em regime estatutário. Nesse sentido, o contrato não garante a permanência de professores na escola.

Os meninos têm um direcionamento nas meninas, só que as meninas, elas também revidam, elas sempre falam sobre essa situação: “ah, se é bicha, se é biscate”. Às vezes isso dentro da aula, até o professor tem que saber contornar, até você tem que entrar na brincadeira porque senão gera um conflito mútuo ali, toda a sala vai intervir naquela situação ali, então o professor entra com um papel moldando ali (A).

Nota-se uma linguagem não inclusiva adotada pelo professor no decorrer da entrevista semiestruturada ao falar somente utilizando o gênero masculino, mesmo quando se referiu à mulher. Vale ressaltar que todos/as os/as participantes da pesquisa informaram que não receberam formação continuada que abordasse as relações de gênero e sexualidade. Além disso, analisando-se esse relato, vê-se que a ideia de docilidade feminina presente na sociedade atual rege que as estudantes não respondam diante de situações em que o poderiam. Historicamente, elas são silenciadas, o que explica o espanto do professor de Arte ao afirmar que “[...]elas também revidam”.

Um exemplo dessa invisibilidade é o direito ao voto, que no Brasil foi conquistado apenas em 1932. Antes desse período, os homens decidiam por todos/as quem seriam seus representantes políticos (LINS, 2016, p. 36). Quanto à representação de mulheres nos espaços sociais, Lins (2016) convida a pensar o que a escola pode fazer para estimular reflexões sobre as desigualdades de gênero, contextualizando historicamente desigualdades que estruturaram a sociedade, bem como as conquitas obtidas no âmbito nacional sobre as relações de gênero, tendo em vista o direito ao voto conquistado por mulheres. Também segundo Lins (2016), Nartécia da Silveira, sufragista gaúcha, foi a primeira mulher a se candidatar a um cargo eletivo em 1932, uma conquista ainda muito recente em um país em que a democracia é tão jovem quanto o reconhecimento dos direitos das mulheres.

(A) destaca também xingamentos e outras formas de rechaço que ocorrem em sala de aula, inclusive a “violência de gênero”, que pode ser invisibilizada ao ser substituída pelo termo “brincadeira”, não oportunizando assim a reflexão sobre essa temática. Para Lins (2016, p. 102), “[...] nomear é, talvez, o primeiro passo para pensar e, então transformar”, ou seja, identificar os aspectos relativos a violência quanto ao gênero, que podem intrinsecamente apresentar-se nas piadas de rechacho quanto ao gênero destacando “brincadeiras” de forma a descredibilizar as estudantes. Nessa perspectiva, é preciso que os/as professores/as recebam orientações sobre as relações de gênero e sexualidade para trabalhar o respeito às diferenças e à diversidade na escola, utilizando

dinâmicas, por exemplo, já que as demandas chegam em diversos momentos em sala de aula, não apenas durante as aulas de Ciências.

Ainda segundo o entrevistado:

Eu não tenho muita informação também, porém, eu vejo, trabalho muito com a professora de Ciências, eu vejo, até certos dias atrás ela fez uma dinâmica com eles e me chamou lá, nós trabalhamos juntos essa parte, mas não voltada aos prazeres, voltada aos problemas sexuais, às doenças sexuais, cê entendeu? Então é mais voltada para essa situação, nessa questão do prazer eu não tenho visto nenhum tipo de trabalho em cima disso daí não, mais voltada mesmo as doenças sexualmente transmissíveis mesmo, cê entendeu? (A).

Vemos assim que a sexualidade é tratada nas aulas de Ciências, o que vai ao encontro do Projeto Político Pedagógico da escola. Porém, outras nuances podem emergir quando abordamos o tema sexualidade em sala de aula:

Além da diversidade de orientação sexual, que muitas vezes é tema considerado tabu ou fonte de discriminação nas escolas, a diversidade de gênero é também uma questão que pode gerar muitas dúvidas e inseguranças em educadoras/es comprometidas/os com a construção de uma escola inclusiva (LINS, 2016, p. 76).

Discutir sexualidade além de um discurso que fomente o pânico entre os/as professores/as é um dos desafios desta pesquisa, tendo em vista que a sociedade pode construir discursos padronizados, incluindo riscos, que podem causar pânico e desconforto.

Mais ainda: quando o tópico do sexo é colocado no currículo, nós dificilmente podemos separar seus objetivos e fantasias das considerações históricas de ansiedades, perigos e discursos predatórios que parecem catalogar certos tipos de sexo como inteligíveis, enquanto outros tipos são relegados ao domínio do impensável e do moralmente repreensível. Por causa dessas preocupações e ansiedades da própria professora de não estar preparada para responder as questões das estudantes e de que a aula se dissolva numa luta de poder entre o conhecimento das estudantes e o conhecimento da professora (LOURO, 2000, p. 65).

No entanto, como Foucault (1988, p. 138), “[…] busco as razões pelas quais a sexualidade, longe de ter sido reprimida na sociedade contemporânea está, ao contrário, sendo permanentemente suscitada”. Isso porque a sexualidade produz poder, mas não uma forma que reprime, pois quanto mais se invisibiliza a categoria, maior a curiosidade sobre ela. Refletir a respeito desse dispositivo considerando o contexto escolar e as

vivências de professores/as se torna inevitável ao observar a sexualidade como uma categoria em movimento, sempre se transformando e se produzindo novos significados. As meninas que cursam o 9º ano atualmente pensam, comunicam-se e se comportam de forma diferente em suas subjetividades se comparadas às estudantes do antigo 8º ano do Ensino Fundamental, dez anos atrás, por exemplo.

No documento Dissertação de Roberta de Souza Salgado (páginas 66-69)