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97 Estabelecido um corpus de estudo e um percurso de análise não apenas histórico, mas também e sobretudo hermenêutico, cumpre-me neste momento de balanço final reconhecer e assumir novamente a arbitrariedade e os limites tanto nas escolhas como nos ângulos de abordagem. Com a mesma problemática da representação do exílio, as escolhas e os “timings” previstos poderiam ser outros. Aliás, virão por certo a ser ajustados em função da sua própria “mise en pratique”, pois existe naturalmente uma diferença substancial entre um programa já testado e outro que acaba de ser idealizado ou implementado. Mas, a este propósito, permito-me recordar aquilo para que já apontava no momento da fundamentação: os desafios que se colocam hoje ao docente universitário e à Universidade não se coadunam mais com práticas rotineiras de programas estáticos ou longamente repetidos. Julgo, por conseguinte, que as capacidades científico-pedagógicas do docente têm estar à prova da actualização e da adaptação constantes dos conhecimentos a novos projectos de transmissão e de potencialização de saberes, pensados para o contexto de formação universitária no século XXI.

Dito isto, estou consciente que a prática, deste como de qualquer outro programa, representa sempre um “work in progress”, implicando por conseguinte sucessivos ajustes, inclusivamente em função da interacção com cada grupo concreto de estudantes. Entendo isso não como prova de instabilidade dos objectivos ou de fragilidade dos conteúdos, mas antes como um processo de natural porosidade à “comunidade interpretativa” que a dinâmica da unidade curricular deve representar e desenvolver, e cujas consequências o docente deverá ponderar tendo em vista as referidas actualizações.

Independentemente de outras mudanças pontuais, posso adiantar que a problemática da representação do exílio que enforma este programa deverá ser equacionada, em edição futura, a partir da análise de poesia e de outras formas artísticas. Se bem que continue a analisar alguns dos tópicos aqui apresentados, esses diferentes enfoques exigirão o exame de algumas questões específicas como, por exemplo, a articulação da figura do poeta (nomeadamente do poeta moderno) com a

98 condição de exilado, ou a ligação do cinema tanto à História dos exílios no século XX (vd. Bessière, 2007), como à provocação de experiência(s) de exílio no espectador, na medida em que o cinema, como nova arte da narrativa, estabelece “regimes de intensidade sensível” que, como salienta Jacques Rancière, “introduzem nos corpos colectivos imaginários, linhas de fractura, de desincorporação” (Rancière, 2000: 63).

Em qualquer dos casos, julgo que será fundamental manter os mesmos objectivos a estruturar um percurso argumentativo de exposição e análise hermenêutica, que procura equacionar tópicos de análise transversais a obras e saberes; suscitar a busca e aprofundamento de conhecimentos; treinar um pensamento rizomático a partir da leitura de textos literários e, finalmente, levantar questões ou pistas de reflexão satélites da problemática do exílio que possam, por sua vez, desencadear mais projectos individuais (ou colectivos) de investigação.

Não só pelo exercício (auto)reflexivo a que me obrigou o trabalho de idealização deste programa, mas também pela minha experiência lectiva, não posso deixar de remeter para algumas das apreensões em relação às condições de ensino- aprendizagem no actual ensino universitário, a que já aludi no início deste relatório, e muito especificamente não poderei deixar de me referir ao Curso em que se integra a unidade curricular de que me ocupei, embora naturalmente não caiba aqui fazer dele qualquer avaliação.

No entanto, como julgo ser meu dever levar a cabo uma reflexão que conjugue a minha actividade docente com o contexto curricular em que ela se insere, de modo a daí retirar consequências em termos de desempenho profissional, sempre sublinharei que, independentemente de me parecer desejável que, num futuro próximo, venha a ser diminuído o número de unidades curriculares por semestre e aumentado o número de horas de contacto lectivo para cada uma delas, é fundamental existir (ou continuar a existir) um esforço conjunto e renovado de articulação entre os programas propostos, de modo a que tanto o docente como o estudante tenham oportunidade de fazer interagir conteúdos e pesquisas que contribuirão certamente para a consistência científico-pedagógica do Curso e da sua pragmática formativa. Já que o maior problema com que se confrontam docentes e estudantes, deste como de

99 qualquer outro Curso no âmbito das Humanidades e, muito particularmente, no domínio da Literatura, é a falta de um tempo de expansão e maturação dos conteúdos, uma estreita articulação de programas parece-me constituir o antídoto possível e imprescindível para a fragilidade ou esvaziamento da formação efectiva num domínio como o ensino da Literatura onde, justamente, a grande dificuldade (e virtude, reconheçamo-lo também) é que “Não se trata apenas de conhecimento, mas de iniciação, através do pensar, a uma dimensão da existência não vinculável a um círculo de competências e teorias.” (Lopes, 2003: 123).

Voltando ao programa aqui exposto, repito que não o dou, nem nunca poderei dá-lo como tarefa encerrada, sob pena da negação do aperfeiçoamento comunicativo, da interrogação epistemológica e do estudo constantes que são absolutamente fundamentais para a prática docente. Ocorrem-me, a propósito, as palavras de um ilustre pedagogo de Literatura que, a despeito da sua já vasta experiência, ou exactamente por causa dela, apelava, há mais de trinta anos atrás, ao exercício de uma permanente auto-revisão:

“A cada passo, com sã humildade, perguntaremos a nós próprios se o que estamos a fazer vale a pena, ou ainda vale a pena, ou devia ser feito de outra maneira. Poremos em causa as supostas evidências que, alguns anos atrás, nem sequer mereciam discussão.”( Coelho, 1976:50)

Mais do que um plural majestático, emergia aqui o reconhecimento de uma condição geral, inquieta e inquiridora, na qual continuo a reconhecer-me e que, por isso mesmo, engloba e compromete a minha própria actividade docente.

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