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Frequentemente é vinculado pela mídia notícias de tragédias em morros, favelas, enchentes e poluição do ar e dos rios, crescimento desordenado das cidades, índice alto de acidentes de tráfego, tudo isso ligado a urbanidade. Outras refrações da “questão social” têm tomado proporções alarmantes, como o problema ambiental da moradia, crianças, adolescentes e adultos desamparados e entregues ao uso abusivo de drogas e a violência urbana.

A realidade urbana de moradia se intensifica a partir do momento em que a indústria passa a ser o setor mais importante da economia e a forma maior de exploração da força de trabalho. Sendo assim, a questão urbana encontra-se nos marcos de onde temos uma passagem da economia com base na agricultura

ocorreu por conta da lógica bancária e empresarial do BNH. Não havia praticamente nada de subsídio, isto é, o valor completo do imóvel tinha que ser pago pelo mutuário do programa. Além disso, as prestações eram elevadas e seguiam as normas do crédito bancário privado.

38 para economia urbano industrial. Isto é, deixamos de ter no centro da economia grandes fazendeiros, exportadores com domínio político, para termos capitalistas industriais, banqueiros, diretores de grandes empresas estatais (que continuam mantendo currais eleitorais).

A forma particular pela qual a reestruturação capitalista chegou ao campo se expressa na nova política de sementes, com a implantação e a aprovação dos transgênicos, pelo crescente investimento de capital estrangeiro; pela política da bioenergia, notadamente do etanol ligado à cana de açúcar, mas também a outras culturas como a mamona; a monocultura do eucalipto e outras manifestações que implicam na mudança da matriz produtiva agrária que transita das formas tradicionais para aquilo que se convencionou chamar agronegócio, termo elegante que esconde a substância do fenômeno que é a determinação do grande capital monopolista na agricultura. Disto resultou uma estrutura agrária complexa, subordinada ao monopólio capitalista da terra, e que comporta uma extensa camada de trabalhadores rurais assalariados, pequenos camponeses que subsistem da agricultura familiar, famílias camponesas subordinadas ao monopólio industrial (como no caso do fumo e do frango, por exemplo), trabalhadores rurais sem terra que formam um caótico exército industrial de reserva a serviço seja do latifúndio tradicional seja de empresas capitalistas.

O advento da realidade urbana industrial exige dos trabalhadores uma mudança radical de realidade, de local de moradia e de formas de venda da força de trabalho. Isso faz com que os trabalhadores fiquem vulneráveis a urbanidade, de modo que em razão do processo incompleto de assalariamento e da precária propriedade de moradia autoconstruída fossem empurrados à miséria. Nesse cenário perverso, ainda se destacam a ausência do Estado, no que tange a positividade de direitos. O modo pelo qual o Estado optou para minorar os conflitos surgidos fora a informalidade do trabalho e a produção da casa, enquanto promessa, tudo isso regado pelo modelo de expansão capitalista, baseada na concentração de riqueza e renda.

A respeito dos marcos teóricos que objetivam o que foi analisado acima, percebemos que o avanço do neoliberalismo implica rebatimentos no processo

39 de estruturação das cidades, de modo que ao analisarmos o período atual identificamos que temos por base o que chamamos de globalização, como ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista:

Essa globalização tem de ser encarada a partir de dois processos paralelos. De um lado, dá-se a produção de uma materialidade, ou seja, das condições materiais que nos cercam e que são a base da produção econômica, [...] De outro há a produção de novas relações sociais entre países, classes e pessoas. (SANTOS, 2008, p. 65).

O rearranjo global nos marcos neoliberais, significando uma resposta para a crise econômica desencadeada a partir do 2º pós-guerra, implica o processo de reestruturação produtiva e a contra-reforma do Estado. Reestruturação produtiva traduzindo-se na desregulamentação e flexibilização do processo produtivo e a contra-reforma do Estado significando seu papel central na implementação e financiamento das políticas neoliberais. São amargos os sabores dessa dupla, a precarização das condições de trabalho, o aumento do desemprego, a violação da legislação trabalhista, o ataque aos direitos sociais, as privatizações e profundos cortes nos gastos sociais. A visão difundida é que a gestão e ações prestadas pelo serviço público oneram o orçamento e a administração da coisa pública. Desse modo, a parceria público-privado cai como uma luva. Atrelado a esse receituário econômico, social e político está a construção de consensos para legitimar e desenvolver tal projeto de cidade inserido em um projeto societário. Ou seja, a difusão de uma ideologia funcional que dita a regulação deste modo de vida social como natural e promissor.

Tendo por base essa conjuntura é que o debate do papel das cidades precisa ser desenvolvida: o contexto geral de reprodução capitalista - aqui problematizado - impõe suas determinações em escala nacional, regional e local, contendo suas particularidades e uma mesma essência. Esse novo estágio de desenvolvimento capitalista vai nutrir a forma de pensar e agir no espaço urbano. Nesse sentido, a estratégia difundida atualmente é o planejamento estratégico urbano, imposto aos países latino-americanos pelos organismos multilaterais e agências de cooperação (FMI, BIRD, ONU, Unesco, etc.), a fim de adaptá-los à funcionalidade exigida pelo

40 contrato neoliberal. Tal adaptação significa a valorização do capital privado como prioridade e medida de todas as coisas: dessa forma, temos a cidade gerida como empresa e como produto mercantil, ou seja, impera a submissão das cidades às condições e desafios das empresas e a construção de seu espaço e políticas públicas protagonizado pelo marketing e não pela necessidade de atendimento às demandas sociais. As ações estratégicas significam remodelar as cidades com o objetivo maior de torná-las atrativas para investimentos de capital e tecnologia, que a coloque no patamar de competição. Dessa forma, prevalecerá a lógica de sua dinâmica relegada ao modelo de planejamento e execução de suas ações à lógica do mercado, com uma clara cultura de gestão urbana calcada no empreendedorismo.

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2. A QUESTÃO URBANA COMO UMA DAS EXPRESSÕES DA “QUESTÃO

SOCIAL” E SUAS PARTICULARIDADES NA FORMAÇÃO HISTÓRICA