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REFLEXÕES SOBRE A CULTURA SERTANEJA

4 PEDRO MALASARTES CAIPIRA E SERTANEJO DA LITERATURA POPULAR

4.3 REFLEXÕES SOBRE A CULTURA SERTANEJA

O termo sertanejo, por sua vez, é uma denominação criada, a fim de identificar os moradores dos sertões, principalmente o nordestino. O sertanejo é visto como aquele homem rude, ríspido, embrutecido pela natureza, entretanto, mesmo com as imagens depreciativas que foram construídas acerca dos habitantes do sertão, ele mostra sua força e alegria diante dos problemas existentes.

Sobre a cultura brasileira, Ribeiro (1955) dedica um capítulo à constituição do sertanejo e evidencia que muitas vilas e cidades foram construídas nos intervalos prolongados de descanso dos vaqueiros ao transportarem os gados para outras regiões, sendo o rio São Francisco um dos caminhos mais viáveis para esse processo. Nesse ensejo, tal autor afirma que, na época, o trabalho rural era desvalorizado havendo, muitas vezes, trocas de serviços por alimentos e objetos quando “o criador e seus vaqueiros se relacionavam como um amo e seus servidores”. (RIBEIRO, 1955, p. 342).

O clima do sertão nordestino se caracteriza como semiárido, pela baixa umidade e pouca quantidade de chuvas. Isso faz com que o sertanejo tenha problemas com a seca, forçando-os, nesse período, a procurar formas de abastecimento de água potável, como é o

caso das criações de cisternas ou esperarem dos políticos o envio de carros-pipa, situações muito presentes diariamente em lugares que não têm rio. Mas a questão que prevalece acerca desses lugares é: todo o Nordeste é assim?

Os períodos de seca, que não são o tempo todo, pois entre dezembro e abril ocorrem chuvas no sertão (e também em outros momentos não fixos), fazem o capim ficar verde e toda plantação ganhar vida. É nesses intervalos entre chuvas e secas que o sertanejo narra a sua própria história, quando cria poesias e repentes, assim também como os cantores populares que suavizam a história, ora bonita, ora sofrida dos lugares em que vivem, como cantou Luiz Gonzaga e outros artistas que narram a vida sertaneja por meio das músicas. Os temas voltados para a realidade nordestina os consagraram de certa forma, dentro de uma categoria, fazendo-os conhecidos por suas rimas e gracejo nas letras.

O sertanejo é aquele descrito de forma pejorativa na televisão e em outros meios de comunicações, lembrado, na maioria das vezes, como o “sofrido”, o “valente”, o simplório, o matuto. Ele representa o Nordeste de forma negativa, quando, na verdade, vive uma vida diferente da cidade e de outras regiões.

Nesse sentido, compreendemos que tanto o sertanejo, quanto o caipira sofrem preconceito. Eles diferenciam-se pela história e modo de ser e de viver, no entanto, há elementos culturais e sociais que os aproximam, como o modo de produção de alimentos para o sustento próprio, a relação solidária entre a pequena vizinhança e os estereótipos criados acerca dessas culturas.

A concepção que se cristalizou no tempo e no espaço por meio de estratégias discursivas acerca da alteridade caipira e sertaneja é a de que o homem do campo é um ser diferente e desprezível. Pensar nesses sujeitos é lembrar-se da figura de uma pessoa atrapalhada e inocente, e isso nada mais é que a presença do estereótipo enraizado nas sociedades.

Nesse sentido, discutir as identidades caipiras e sertanejas presentes no Brasil, atentando principalmente para a sua formação, resistência e os preconceitos que surgiram de outras classes sociais em relação a essas culturas, é uma tarefa que leva primeiro a entender os processos históricos pelas quais passaram o país. Um exemplo claro foi o período em que se tentou criar uma identidade nacional durante o projeto de modernização, implicando na construção de discursos acerca do homem do campo e da região Nordeste.

Albuquerque (2011), em seus estudos, tece reflexões acerca da criação e difusão de imagens sobre o Nordeste enquanto espaço social e cultural do atraso. O autor busca

problematizar e tencionar questões voltadas para a formação discursiva dessa região e do nordestino, enquanto prática de poder daqueles que julgam o que é certo e o que é errado.

Ao pensar o Nordeste como uma invenção idealizada por meio do discurso imagético dos intelectuais tradicionalistas da época, Albuquerque apresenta aos seus leitores o recorte dado a esse espaço como único, cuja concentração beira o sertão e fatos marcados que representam o todo. Na televisão, por exemplo, é comum aparecerem notícias pontuadas, que sucedem acontecimentos repetitivos, abordando problemas como a seca, o clima e aspectos que o apresentam como lugar da miséria. Os noticiários sobre a cultura e o modo de vida dos sujeitos que a constituem exibem aspectos históricos como a trajetória de Lampião e Maria Bonita – os maiores cangaceiros da história – e Antônio conselheiro – líder religioso da cidade de Canudos no sertão da Bahia –, como retrato do sertão e do sertanejo, bem como representações folclóricas, dentre outros elementos que surgem de forma estereotipada, generalizando a definição acerca da região como um todo.

Afinal, falar do Nordeste é mencionar o clima quente, a sexualidade do „Brasil tropical‟, das mulatas e negras sensuais, que muitos estrangeiros admiram; é referir-se ao carnaval, que dura o mês inteiro, e lembrar-se do povo „melancólico‟, como define Paulo Prado em Retrato do Brasil, para se referir ao estado de prostração sexual em que vivem os brasileiros, amantes dos excessos libidinosos; é falar da gente preguiçosa, promíscua, mole, improdutiva e violenta. Em outras palavras, é inventariar os muitos estereótipos e mitos que emergiram com o próprio espaço físico reconhecido no mapa, composto por alguns estados e cidades. É mobilizar todo o universo de imagens negativas e positivas, socialmente reconhecidas e consagradas, que criaram a própria ideia de Nordeste. (ALBUQUERQUE, 2011, p. 14-15).

Albuquerque destaca que, enquanto essa região é marcada como o espaço do rural, o Sudeste e o Sul são valorizados como lugares do progresso. Vale salientar que esse autor não trata como mentirosos os discursos sobre essa região como um lugar da seca e da miséria, mas destaca que também não é apenas formada por problemas políticos e econômicos, sugerindo que

Se o nordestino foi inventado para ser este espaço de barragem da mudança, da modernidade, é preciso destruí-lo para poder dar lugar a novas espacialidades de poder e de saber, recriá-lo diferentemente, livre das pesadas heranças do passado, sem estigma, sem preconceito, por si só. (ALBUQUERQUE, 2011, p. 19).

Albuquerque busca entender o porquê dessa região apenas ser lembrada nessas condições de retrocesso, e encontra resposta no discurso formativo sobre a identidade

nacional, uma vez que o recorte é dado por questões políticas, ganhando aspectos rurais e precários, em que a figura do nordestino é a do sertanejo triste e miserável – e a do Nordeste, o sertão em imagens negativas. O sertão e o sertanejo são estereotipados e, nessa condição, destacados como elementos nacionalizadores. Nesse sentido, segundo o autor, é necessário

Perceber que rede de poder sustentou e é sustentada por essa identidade regional, por este saber sobre a região, saber estereotipado, que reserva a este espaço o lugar do gueto nas relações sociais em nível nacional, região que é preservada como elaboração imagético discursiva como o lugar da periferia, da margem, nas relações econômicas e política no país, que transforma seus habitantes em marginais da cultura nacional. (ALBUQUERQUE, 2011, p. 38).

Albuquerque coloca como problemático o discurso produzido por tradicionalistas e intelectuais que sustentam de diferentes formas o Nordeste em uma única imagem. Esse autor deixa claro que a questão do estereótipo criado acerca dessa região parte de preconceitos relacionados à cultura e espaços geográficos os quais são colocados de forma equivocada como elementos importantes da identidade nacional.

É por meio dessa reflexão sobre a identidade sertaneja e da região nordestina que percebemos o quanto esse sujeito e espaço em que habita sofrem preconceitos enraizados nas diferentes sociedades. Os discursos produzidos reforçam os estereótipos, sejam os divulgados pela mídia, ou por outros meios de comunicação de massa.