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Análise reflexiva

3.4. Reflexões sobre o diretor de turma enquanto placenta

3.4.1. O diretor de turma enquanto placenta que lidera

Sem me preocupar em seguir um modelo de liderança definido, procurei, acima de tudo ser uma líder flexível que, a cada momento, encontrasse as respostas mais adequadas aos problemas reais com que me ia deparando, realizando o que segundo Favinha (2010: 192) é pedido ao diretor de turma:

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“ (…) que assuma a liderança clara e assertiva, que crie condições facilitadoras do trabalho em equipa, mas, sobretudo, que coordene a tomada de decisões, para que os professores, no Conselho de turma tenham uma ação concertada e geradora do sucesso educativo. Destacando o protagonismo do Conselho de Turma, enquanto órgão orientador das práticas educativas para o contexto turma, onde se tomam as principais decisões de âmbito transversal, a operacionalização desta concertação feita pelo diretor de turma envolve como temos visto a mediação”

Tal como uma mãe, durante o processo de gestação, tem de tomar decisões e coordenar todos os elementos que a rodeiem para que, no seu seio, a placenta ofereça as melhores condições ao feto que se vai desenvolvendo, também o diretor de turma tem de assumir a tomada de decisões para que os alunos da turma que coordena tenham as melhores condições em contexto escolar e fora dela para crescer integralmente como pessoas e para se desenvolver intelectualmente. Dessa forma, no final do ano letivo, estarão num novo patamar que lhes faculta condições favoráveis para o sucesso futuro. Ora, muitas vezes, a liderança do diretor de turma faz-se contra colegas resistente ou, até, contra o órgão de gestão, quando define as suas decisões por critérios economicistas que dificultam a criação de condições favoráveis ao desenvolvimento saudável da turma. Em tudo, cabe ao diretor de turma negociar e, em função das circunstâncias, tomar decisões que protejam a sua placenta.

3.4.2. O diretor de turma enquanto placenta que gere

Sendo o diretor de turma um órgão de gestão intermédia, encontra-se numa situação crucial, no sentido de cruz, cruzamento, onde confluem vários caminhos: os dos alunos, os dos professores do conselho de turma, os das famílias e da comunidade envolvente. Esta posição privilegiada de “interface” (Favinha, 2012: 13; Zenhas, 2004: 196) obriga-o a gerir vários interesses, tantas vezes, contraditórios. No entanto, o objetivo a atingir, o sucesso holístico dos alunos no final do ano letivo, orienta-o nas deliberações e decisões a tomar. Em grupo e com cada um dos professores, diagnosticará os problemas de cada um dos alunos, definirá estratégias para que sejam ultrapassados e, em momentos de tensão, será o pára-choques que garantirá a integridade da placenta. Assim, ele é um gestor de interesses, de tensões, de conflitos, de perspetivas, de expetativas, tendo sempre em vista a criação de condições favoráveis para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem.

90 3.4.3. O diretor de turma enquanto placenta mediadora

Como vimos, enquanto gestor, o diretor de turma lida com interesses diversos, que, muitas vezes, entram em conflito. Por isso, é fundamental que possua entre as qualidades pessoais de que temos falado a capacidade de mediar conflitos, de saber esvaziar a pressão em caso de tensão, de procurar os pontos de contacto entre as várias perspetivas em confronto e que seja capaz de criar pontes para que, do respeito mútuo e da auscultação das partes, saiam soluções para os problemas. Se não conseguir isso, a sua placenta será, com toda a certeza, vítima de agressões externas que deixarão marcas profundas nos fetos, condicionando de forma indelével o crescimento e desenvolvimento.

Essa capacidade mediadora, deve notar-se ao longo de todo o ano e em todas as suas intervenções, mas é no concelho de turma que atinge o seu ponto mais sensível, como nos diz Favinha (2010:198):

“enquanto mediador (deve) conduzir o Conselho de turma a um outro nível de consciência quando propõe, primeiro, uma mudança de visão do conflito — de destrutivo para construtivo ou transformativo; segundo, uma mudança na forma de discutir os problemas, centrada na solução e na satisfação de interesses, tendo como fim último e primeiro — a plena integração e sucesso do aluno num quadro de verdadeira gestão intermédia nas escolas.”

Ouvindo todos e mediando de forma eficaz as relações interpessoais e curriculares, o diretor de turma estará em condições de assumir a responsabilidade de coordenar toda a atividade da turma, nomeadamente a elaboração, desenvolvimento e avaliação do projeto Curricular de Turma, integrando-o no Projeto Curricular de Escola. Na verdade, não podemos ter ilusões: sem se resolverem os conflitos inerentes a qualquer direção de turma, não será fácil definir e executar com êxito projetos que envolvam os seus elementos, qualquer que seja a sua natureza. No entanto, com um diretor de turma a mediar e ultrapassar diferentes interesses, isso será possível.

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Conclusões

Tendo chegado aqui, só posso concluir que valeu a pena este périplo pelos meus primeiros anos como professora e, sobretudo, como diretora d e turma. Foi gratificante através da memória reviver a aventura da construção daquela estufa biológica. Olhando as primeiras reações ao projeto, parece-me haver muito de semelhante ao que viveu o Padre Bartolomeu de Gusmão com a sua passarola, embora tenhamos tido finais diferentes. No entanto, as desconfianças, as dúvidas e, pior, o ar de incredulidade em tantos rostos não terão sido muito diferentes. Felizmente, também eu encontrei na direção da escola o apoio que ele teve de D. João V. Depois, foi passar o sonho para as mãos daqueles alunos ávidos de um ensino prático e experimental e ver tudo o que havia sonhado concretizar-se.

No entanto, este trabalho valeu por muitos outros motivos para além do prazer da memória. De entre eles, destaco três:

1.º o contacto com literatura especializada nos modelos organizacionais e de liderança, o que me levou a uma reflexão aprofundada da realidade das nossas escolas e do exercício do poder que nelas encontramos.

2.º a leitura sistematizada da principal legislação sobre o cargo do diretor de turma e o confronto da mesma com a prática concreta de quando se exerce esse cargo, se assumem responsabilidades e se procura dar resposta a todas as necessidades e solicitações dos diversos intervenientes do processo educativo.

3.º reflexão sobre a importância do papel do diretor de turma como líder, como gestor e como mediador.

Por tudo isto, sinto-me preparada para voltar a assumir as funções atribuídas ao diretor de turma, apesar de já não o fazer há mais de sete anos e de estar fora da escola, devido às responsabilidades sindicais, há quatro anos. Curiosamente, sinto tudo tão próximo, tão real, como se tivesse acontecido há pouco tempo. Por outro lado, constatei que, felizmente, o que ficou foram, essencialmente, as boas memórias, a satisfação do dever cumprido e de saber que contribuí para o progresso daqueles alunos que estavam ancorados no sistema educativo tradicional. Saio, pois, desta experiência com a confiança reforçada e com o otimismo como luz que me orienta para a minha vida profissional futura.

92 Por outro lado, e em sentido contrário, deparei-me com as limitações que o diretor de turma tem de enfrentar para exercer as suas funções, o que me fez tomar consciência do muito que há a fazer, a vários níveis, para valorizar este cargo fundamental para que a escola cumpra a sua missão. Não será fácil, porque as práticas entranham-se e têm tendência a permanecer imutáveis por tempo indefinido, sobretudo quando são assumidas como naturais e se tornam parte do ritmo da vida diário. Chegada a esse ponto, deixam de ser postas em causa pela maioria dos seus praticantes, o que aumenta a probabilidade de não serem alteradas.

Apesar disso, atrevo-me a dar o meu pequeno contributo para tentar reverter a situação. Faço-o através de algumas sugestões que emanam das constatações que foram feitas ao longo deste relatório sobre alguns dos constrangimentos impostos à ação do diretor de turma:

- Atualização da legislação, por um lado, de modo a atribuir ao diretor de turma a autoridade de que necessita para se tornar um verdadeiro órgão de gestão intermédia e, por outro, que lhe faculte condições favoráveis ao exercício do cargo, nomeadamente em termos de reduções da componente letiva, horário de trabalho adequado para o atendimento dos encarregados de educação, dispensa de atividades burocráticas que possam ser executadas por profissionais administrativos, redução do número de turmas a lecionar, entre outras. Só dessa forma, poderá dedicar-se à direção de turma com a profundidade que lhe exigem as funções que lhe estão atribuídas.

- Sensibilização dos órgãos de gestão para a real importância do cargo em termos de funcionamento das escolas e da ligação destas à comunidade circundante. Isto teria de passar por uma estratégia da tutela, através da já falada revisão da legislação, ou através de ações concretas direcionadas para a valorização do papel do diretor de turma. Não será fácil, tanto mais que tal implicaria mais gastos com pessoal docente, o que, no contexto atual, não estará nas considerações dos responsáveis políticos.

- Oferta de formação específica para os detentores do cargo de diretor de turma, quer a nível da formação inicial de professores, quer da formação contínua de professores. Aqui há muito a fazer, porque, pelo que se pode constatar nos programas dos centros de formação, há muito que a preocupação com a preparação dos diretores de turma desapareceu, como se todos soubessem sê-lo com distinção.

- Nomeação dos diretores de turma pelas competências profissionais e qualidades humanas, pondo de parte as nomeações por conveniência de horário ou de outro tipo.

93 Independentemente do que se possa fazer, esta investigação mostrou ser importante acabar com a contradição entre os discursos pedagógico-políticos de suposta valorização do papel do diretor de turma e as dificuldades que se atravessam quotidianamente no seu caminho.

Por tudo isto, termino coma vontade e a certeza de continuar a aprofundar as questões aqui abordadas.

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Legislação Consultada

Decreto n.º 48 572, de 9 de setembro.

Decreto-Lei n.º 769-A/76, de 23 de outubro.

Portaria 679/77, de 8 de novembro.

Portaria n.º 970/80, de 12 de novembro.

Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de maio de 1998

Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho.

Normativo n.º 7-A/2013, de 10 de julho.

Despacho Normativo n.º 7/2013, de 11 de junho.

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