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1 A DESCRIÇÃO DO CASO: O ENSINO NOTURNO E O SPAECE

2.2 Reflexões sobre o processo de apropriação dos resultados

Nesta seção, inicialmente, fazemos algumas reflexões sobre o processo de apropriação dos resultados das avaliações externas na educação básica. Para tanto, reportamo-nos a Soligo (2010), que desenvolveu um estudo sobre avaliações da educação básica em larga escala e sobre a necessidade de formação continuada do professor.

Para o autor, a participação dos docentes e da comunidade escolar é insuficiente durante o processo de apropriação dos resultados das avaliações externas. Das razões para que isso ocorra pelo menos uma deve-se ao fato de que “as provas são desenvolvidas e aplicadas por agentes externos sem haver a participação da comunidade escolar” (SOLIGO, 2010, p. 9). Os testes são impostos

às unidades escolares, sem haver uma prévia conscientização dos membros da escola. De fato, a realidade em que estão inseridas as duas escolas, aqui pesquisadas, não é diferente ao que o referido autor expõe, pois as provas são elaboradas e aplicadas por um agente externo, o CAEd.

Para esse autor, a importância dos docentes no processo de apropriação dos resultados é fundamental, uma vez que:

A ação reflexiva do professor diante dos processos e resultados das avaliações em larga escala possibilita a significação destas diante do universo educativo. Uma avaliação, quando aplicada através de agências promotoras externas a escola e provas padronizadas, não tem vida própria. O mesmo acontece com os resultados. São divulgados à comunidade como se estes possuíssem sentido natural. Tanto os processos quanto os resultados só adquirem sentidos quando ocorre a apropriação por parte de toda a comunidade escolar e o professor é um facilitador nessa dinâmica (SOLIGO, 2010, p. 7).

Assim, para Soligo (2010), como os testes são desenvolvidos e aplicados por agentes externos à escola, sem haver a participação da comunidade escolar em nenhum desses momentos ou, ainda, sem a devida preparação dos gestores e professores, os resultados dessas avaliações são percebidos, muitas vezes, simplesmente como números, vazios de significado.

Nos termos do autor: “Uma possibilidade de mudança desse quadro é a utilização da formação continuada para possibilitar a apropriação por parte da comunidade escolar dos processos e dos resultados das avaliações” (SOLIGO, 2010, p.10). Do seu ponto de vista, isso envolveria os professores de tal maneira que os comprometeria com o processo de melhoria da qualidade da educação. Sua proposta “é a formação de quadros de professores e gestores reflexivos sobre as práticas e processos avaliativos e da utilização dos resultados das provas padronizadas em prol da melhoria da qualidade da educação” (SOLIGO, 2010, p. 3- 4). Para isto seria necessário criar, no âmbito das instituições escolares, espaços de discussão que envolvam a comunidade escolar, sobretudo os docentes, para que se desenvolvam conhecimentos próprios à sua realidade, de maneira que as avaliações externas façam sentido às escolas, servindo efetivamente para aprimorar suas práticas.

O processo de reflexão contínua e permanente do professor é uma forma de avaliar o próprio trabalho, a fim de perceber as implicações

da ação pedagógica na formação, assim como perceber a importância dessa ação na vida dos alunos. A reflexão sobre a prática cotidiana do professor contribuirá para o redirecionamento do fazer pedagógico e consequentemente ao aperfeiçoamento da ação docente. Para Alarcão (1996), os processos de formação implicam o sujeito num processo pessoal, de questionamento do saber e da experiência na tentativa de compreensão de si mesmo e do real em que está inserido. Essa é a característica principal da ação reflexiva, pois a adoção de uma postura investigativa que descobre e possibilita o encaminhamento dos agentes e sujeitos do processo educativo para o desenvolvimento das capacidades de observar, descrever, analisar, confrontar, interpretar e avaliar constituem o objetivo da educação (SOLIGO, 2010, p.6).

É a ação reflexiva do docente diante das avaliações externas que pode dar significado aos resultados dos testes. Sem esta atuação crítica, os dados obtidos, por mais que possam refletir a realidade do nível de desempenho dos alunos, não tem força de promover as devidas reformulações nos processos da escola em prol da melhoria da qualidade da educação (SOLIGO, 2010).

No Boletim do Gestor (CEARÁ, 2011) é dito que o diretor escolar é um agente de mudanças e personagem decisivo para a estruturação de uma escola pública verdadeiramente democrática. Em seu processo de tomada de decisões, é fundamental que o gestor tenha informações detalhadas sobre a realidade da escola que dirige. Entretanto, para que se alcance tal meta, aos gestores escolares não cabe apenas a divulgação das médias de proficiência de sua escola; cabe-lhes também a promoção de momentos de reflexão e debate sobre as avaliações externas, preparando sua comunidade escolar para desenvolver as mudanças necessárias à melhoria dos resultados.

Por outro lado, os próprios resultados dos sistemas de avaliações devem oferecer dados cada vez mais precisos sobre a escola. Tais sistemas devem, portanto, levar em conta as particularidades inerentes a cada grupo de alunos, como as elencadas nesta pesquisa com relação à clientela do turno noturno. Afinal, um processo de apropriação de resultados baseado somente em médias de proficiência pode gerar consequências danosas à aprendizagem dos alunos. Brooke (2013), por exemplo, alerta para dois estreitamentos: o da definição da qualidade da educação e o do currículo. O primeiro é consequência da diminuição na diversidade das práticas pedagógicas de finalidades culturais, sociais e políticas, que caracterizam a escola pública como instituição de formação humana integral. O segundo trata do estreitamento curricular, que pode ocorrer na medida em que os professores,

pressionados pela necessidade de alcançar as metas propostas, se atenham a ensinar estritamente as matrizes de referência dos testes e não os currículos oficiais, sendo que as matrizes representam apenas uma amostra dos conteúdos curriculares (BROOKE, 2013). Essa situação torna-se mais grave no ensino noturno, uma vez que sua carga horária, definida pela legislação estadual, é reduzida em 20%, o que, em termos práticos, resulta numa redução de aproximadamente 27% da carga horária semanal comparada ao período diurno – conforme demonstrado no campo de pesquisa empírico desta dissertação.

Barreto (2013, p. 105) também aponta a necessidade da ação reflexiva, pelos docentes, aos problemas existentes em suas práticas pedagógicas:

O motivo pelo qual o professor é chamado a refletir e a pesquisar sobre a própria prática é justamente o fato de que a prática coloca problemas para os quais muitas respostas não estão dadas, o que leva essas políticas de currículo a acionar os saberes da experiência, os saberes de contexto, tal como assinala Lessard (2010).13

Esse processo deve-se iniciar com a visualização dos resultados dos testes de cada turno, permitindo a conscientização dos professores da existência ou não de discrepância da proficiência entre seus alunos dos turnos diurno e noturno. A partir de então, considerando que se, de um lado, a matriz curricular, historicamente construída e estabelecida, não será alterada, o currículo, entretanto, é passível de ser adequado à realidade do aluno noturno, o que poderá ser feito a partir de estudos e discussões realizados pela gestão escolar juntamente com os professores e representantes dos demais segmentos da comunidade escolar.

É importante destacar que Brooke (2013) acrescenta à discussão os efeitos positivos que o estreitamento do currículo e das práticas de ensino pode proporcionar em conjunto com o aumento da dedicação às disciplinas dos testes (Língua Portuguesa e Matemática). Segundo o autor,

[...] há gestores que argumentam que o tempo extra dedicado às disciplinas testadas é uma troca necessária para ajustar os alunos com mais dificuldade e garantir um nível mínimo de desempenho entre os membros da turma naquelas disciplinas. Em países de nível de desempenho mais baixo, esse argumento pode ter ainda mais

13 LESSARD, C. Governabilidad y políticas educativas: sus efectos sobre el trabajo docente. La perspectiva canadiense. In: OLIVEIRA, D. A. et al. Políticas educativas e territórios. Modelos de articulación entre niveles de gobierno. Buenos Aires: Unesco, IIPE, 2010.

sentido pela necessidade de assegurar as competências básicas entre os alunos (BROOKE, 2013, p. 136).

Os alunos matriculados no Ensino Médio noturno cearense podem ser incluídos no contexto anunciado por Brooke, por apresentarem, em geral, níveis baixos de proficiência.

Portanto, afirmamos que a ação reflexiva proposta por Soligo (2010) e Barreto (2013), no processo de apropriação dos resultados das avaliações externas, deve incluir, por parte dos professores, as características próprias do ensino noturno e de sua clientela, de maneira a minimizar o distanciamento provocado pela carga horária e o consequente agravamento da diminuição do ensino em conformidade com o currículo. Esse desafio perpassa a adequação dos conteúdos da matriz curricular à diminuta carga horária de aula do período da noite.