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CAPÍTULO 2 Fundamentação Teórica

2.1. REFLEXÕES SOBRE O TERMO CRÍTICA

Até o presente momento, utilizamos bastante o termo crítica (ou crítico), e este também é bastante utilizado nas definições que se seguem de EMC e nos movimentos subjacentes: Pedagogia Crítica, Etnomatemática, Teoria Crítica e Pedagogia de Paulo Freire. Trata-se de um termo corrente, o que deve permitir a sua interpretação nos diversos contextos aqui referidos. Ainda sim, é importante trazer à luz um debate sobre os seus significados para evitar interpretações equivocadas e, principalmente, para que se adquira o seu real significado e amplitude neste contexto. Também é de um termo-chave nesta pesquisa, e procuro utilizá-lo de acordo com os usos empregados pelos principais teóricos. Embora não seja o foco mais importante de referência do termo, é necessário observar o significado de crítica em suas raízes epistemológicas. Barbosa (2001, pp. 2), citando Japiassu et al, escreve que “O termo ‘crítica’, que vem do grego kritiké, é entendido como a arte de julgar e analisar”. O dicionário Michaelis ainda acrescenta, entre as diversas definições do termo, as seguintes: “apreciação minuciosa”, “exame de valor [...]”, “juízo fundamentado [...]”, “sua opinião” (MICHAELIS, 2007). Estamos de acordo com essas definições epistemológicas, e descartamos a ligação dos termos crítica ou crítico com os seguintes significados presentes em dicionários e na linguagem comum: “censura”, “maledicência”, “difícil” ou “grave”, “indivíduo que acha defeitos em tudo”.

Para melhor elucidar os significados do termo crítica na literatura adotada neste trabalho, vejamos alguns contextos em que autores empregam o termo.

“Uma grande verdade exige crítica, não idolatria”, já dizia Nietzsche (Apud

GIROUX, 1997, p. 98). Essa frase traduz bem o significado de crítica neste trabalho, a partir da seguinte reflexão: crítica e idolatria com significados opostos, ou seja, a crítica vai de encontro à confiança cega e ingênua.

Giroux, um dos autores da Pedagogia Crítica, define o que chamamos de pensamento crítico como aquele que relaciona a teoria aos fatos e que estabelece

32 o conhecimento como algo que não pode ser isolado dos interesses, normas e valores humanos. Nessa mesma linha, Gouldner escreve: “O pensamento crítico... é aqui entendido como a capacidade de tornar problemático o que só havia até então sido tratado como dado; trazer à reflexão o que anteriormente só havia sido usado [...] na capacidade de pensar sobre nosso próprio pensamento.” (GOULDNER apud GIROUX, 1997, p. 99). Giroux completa que os fatos estão muitas vezes ligados a valores, pois o modo como a informação é selecionada para construir uma realidade histórica ou contemporânea é mais do que uma simples ação do intelecto; também é um processo ligado aos valores e crenças daquele que o faz, ao modo como ele vê o mundo. Assim, é ingênuo e falso separar os fatos dos valores.

Freire acredita que a sensibilidade crítica é uma extensão da sensibilidade histórica. Visando a uma compreensão do presente, todos os contextos históricos devem ser colocados para que se possa ver claramente a sua gênese e desenvolvimento. Somos seres históricos e sociais, e o conhecimento histórico torna-se importante na medida em que permite que diferenciemos o presente como dado para um presente carregado de possibilidades, que ele define como um despertar crítico (FREIRE apud GIROUX, 1997).

Em um outro momento, Freire salienta a necessidade de uma permanente atitude crítica. Escreve ele que a maior tragédia do homem moderno é ser dominado pela força dos mitos e comandado pela publicidade, pois ele vem renunciando cada vez mais ao seu poder de decisão, e o tem deixado nas mãos de uma elite que interpreta e entrega as tarefas ao homem comum na forma de receita. Ele abre mão de ser sujeito para ser objeto. Conforma-se e ajusta-se. A atitude crítica seria o oposto dessa situação: o homem deixando de ser simples espectador de sua vida e preparando-se para interferir nela, com a força de seus valores e de suas decisões (FREIRE, 1981).

Por fim, trar-se-á à compreensão os estudos de Skovsmose quanto ao termo crítica. Ele confirma que o termo tem raízes gregas, mas que, posteriormente, durante o Iluminismo, foi bastante utilizado, principalmente nos trabalhos de Immanuel Kant, quando explica quais são as condições para se obter um

33 conhecimento o mais correto possível. Skovsmose resume a descrição dos significados do termo com as seguintes palavras:

[...] podemos dizer que crítica tem a ver com: 1) uma investigação de condições para a obtenção de conhecimento; 2) uma identificação dos problemas sociais e sua avaliação; e 3) uma reação às situações sociais problemáticas. Em outras palavras, o conceito de crítica indica demanda sobre auto-reflexões, reflexões e reações. (2001 pp. 100-101).

Viu-se que o termo “crítica” é referenciado e justificado no discurso de diversos autores, e é esperado que essas discussões quanto ao significado do termo tenham aclarado a sua utilização nas diversas teorias debatidas neste estudo. Para facilitar o entendimento (e não com intenção de dar significados fechados para o termo), relacionamos aqui os principais significados elucidados nesse segmento, que estão de acordo com o entendimento sobre crítica no sentido da EMC e desta investigação, e que, portanto, serão utilizados durante o texto:

• Epistemológico: “a arte de julgar e analisar”;

• Nietzsche: “Uma grande verdade exige crítica, não idolatria”;

• Giroux: o pensamento crítico como aquele que estabelece o conhecimento como algo que não pode ser isolado dos interesses, normas e valores humanos;

• Gouldner: o pensamento crítico é a habilidade de pensar sobre nosso próprio pensamento;

• Freire: a atitude crítica se traduz quando o homem deixa de ser simples espectador de sua vida para atuar sobre ela, com uma visão histórica dos fatos e repleta de possibilidades;

• Skovsmose: crítica tem a ver com auto-reflexões, reflexões e reações. Fica evidente que o termo “crítica” não possui um sinônimo idêntico de significado, e que, portanto, não há palavra que possa ser empregada de forma recorrente nos textos com a finalidade de dar o mesmo sentido. Assim, julgamos ser a presença do termo “crítica” essencial nos trabalhos que iremos estudar no estado da arte. Esse ponto é importante e será lembrado no próximo Capítulo, que trata da metodologia de pesquisa.

34 Voltando ao estudo da fundamentação teórica, antes de discutirmos a EMC propriamente dita, torna-se importante apresentar as suas influências, advindas de outras teorias críticas. Iniciamos esses estudos a partir de um movimento um pouco anterior, chamado Pedagogia Crítica.