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5. ANÁLISE DOS RESULTADOS

5.2.1. Reflexões sobre Ser mulher

A partir do questionamento sobre “O que é ser mulher?” feito para as entrevistadas, foi possível refletir sobre a concepção da trajetória das mulheres da comunidade de diferentes idades, escolaridade e ocupações. Os discursos abaixo expressam um certo “romantismo” relacionado ao pensamento de ser mulher.

94 “Eu nunca pensei em o que é ser mulher, mas eu acho que ser mulher é ser mãe, ser esposa, cuidar da família, ser educadora, é ser companheira, trabalhadora, pois me sinto realizada com meu trabalho, mas também gosto muito de me divertir”. (D. Cida, 51 anos)

“Mulher é ser feliz, é ser bonita, é cuidar, mas também ser cuida, é amar, mas também ser amada. As mulheres precisam ser mais valorizadas”.

(Elizaldia, 53 anos)

“Ser mulher é: se superar a cada dia, é inovar, é ser autêntica, é ser mãe, é ter que dar carinho, é ser livre e dona de si, é ser bela, é ser feliz consigo, é ser imagem de Deus, é uma criação especial do símbolo do amor.”

(Cláudia, 48 anos)

“Mulher é um ser muito importante, eu me sinto muito importante em ser mulher, ser mãe, porque a mãe de Jesus foi uma mulher exemplar, nós temos a vida da gente, tem a família para cuidar, mesmo assim cumprindo os compromissos que temos como batalhadora, como trabalhadora. E por isso eu me orgulho de ser mulher”. (D. Toinha, 57 anos)

“Ser mulher é ser exemplo de mãe, de esposa, de trabalhadora. É ser forte e batalhadora”. (D. Liêta, 76 anos)

“Ser mulher é ser uma boa mãe, esposa e amiga. É cuidar da família, é ser exemplo”. (D. Beata, 81 anos)

“Ser mulher representa muita coisa, mas pra mim a maior delas é a capacidade de criar a maior experiência de todas... gerar e a partir daí amar incondicionalmente, representando no seu âmago toda a beleza e força que só uma mulher é”. (Silvinha, 48 anos)

Ao relacionar os discursos das entrevistadas à idade e escolaridade, torna-se visível que as mulheres com mais idade e menor escolaridade dispõem de um discurso conservador de mulher que reforça a naturalização da maternidade e do casamento como questões impostas socialmente, como condicionante da identidade feminina. A naturalização de funções socialmente atribuídas às mulheres está relacionada à classificação de atividades na infância que se conserva até a idade adulta, no entanto fica evidente algumas contradições nas falas, em conceber a mulher como alguém que deve cuidar da família, mas que ser livre, ser cuidada, mas também dona de si, e esses elementos subvertem a lógica do romantismo de suas fala.

Entretanto, outras entrevistadas com perfil diferente - menos idade e com mais escolaridade - expuseram seus pensamentos, com destaque para a sobrecarga de trabalho e naturalização da maternidade e a busca intensa por reconhecimento social:

“Ser mulher é vencer uma luta todo dia. Cada dia é uma luta com o trabalho, casa e filhos. É ter que estar sempre bonita pro marido, é estar sempre forte para os filhos, e ainda é ser chamada de sexo frágil”. (Cícera, 35 anos)

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“Ser mulher é lutar todo dia pra ser respeitada, para ter direito”. (D.

Socorrinha, 61 anos)

“Ser mulher é ser multi, pois dizem que somos guerreiras, mas na verdade existe uma sobrecarga de trabalho que muitas vezes causa estresse, ansiedade, esgotamento físico e mental, mas poucas pessoas reconhecem”. (Eliane, 45 anos)

“Ser mulher é ser resistência, força e coragem, é ser batalhadora. É muito difícil ser mulher. A gente tem que ser firme e sensível”. (D. Helena, 63 anos)

“Ser mulher é ser três em uma: mãe, trabalhadora e dona de casa. A sociedade cobra muito da mulher e pouco reconhece a gente, por que se você não tem marido os outros não querem te respeitar”. (D. Camila, 60 anos)

A fala da Eliane, revela a estrutura machista e patriarcal da sobrecarga do trabalho doméstico e produtivo da mulher. No entanto, a fala da Priscila, remete a um discurso que transparece incômodo com imposições sociais relacionadas à imposição da obrigatoriedade do casamento e da mulher como reprodutora, demonstrando o desejo ao respeito pelas escolhas das mulheres:

“Ser mulher é lutar diariamente para ser respeitada, é trabalhar mais do que o homem e ainda ter que estar sempre pronta, sempre bonita. É ter que ser frágil e forte ao mesmo tempo. É lutar para respeitarem suas escolhas, quando estas estão fora do padrão (como escolher não casar, não ser mãe...)”. (Priscila, 29 anos)

Nos discursos das entrevistas a seguir, fica evidente que apesar de demonstrarem insatisfação com as imposições sociais, também apresentam uma visão romantizada da maternidade como reafirmação da identidade feminina, o que causa uma certa contradição:

“É muito difícil ser mulher, mas também é muito bom. Porque a mulher trabalha, tem que ser boa mãe e ainda boa esposa. Sofre preconceito quando é a chefe da família, quando trabalha muito ou quando não trabalha”. (Neguinha, anos)

“Ser mulher é um esforço diário, mas ao mesmo tempo é muito gratificante por que sei que consigo dar minha contribuição diária para minha família, minha propriedade e toda comunidade, pois me vejo como mãe, avó e agricultora”. (D. Mizalen, 63 anos)

Outro ponto interessante foi observado no discurso da D. Lourdes, pois faz relação à evolução dos direitos das mulheres no que se refere ao direito à educação, ao direito ao trabalho remunerado e maior autonomia em suas escolhas:

“Ser mulher hoje é diferente do meu tempo. Hoje a mulher pode estudar, trabalhar, no meu tempo a gente não podia fazer nada, só cuidar da casa e dos irmãos. Pra casar, eu tive que fugir, e meu marido também não deixava eu estudar. Hoje a mulher pode fazer o que quiser”. (D. Lourdes, 75 anos)

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Os discursos a seguir apresentam uma postura mais crítica, no que se refere aos direitos das mulheres, a busca pela equidade e reconhecimento social.

“Ser mulher é ter direito à voz sem que seja retalhada, bloqueada, é ter o seu lugar conquistado, poder defender e lutar pelos seus direitos, mas principalmente é ser batalhadora, pois precisamos batalhar para conquistar espaços, para ter respeito, para que ouçam nossa voz, além de ter que ser doméstica, ela é mãe, é irmã, é profissional, então ser mulher é tudo isso.

(Fabiana, 36 anos)

“É ser uma guerreira, é ser algo inexplicável, porque a mulher é pra tudo, pois eu pelo menos, luto, luto pra tudo, luto pra conquistar tudo que tenho, eu me considero uma guerreira, pois sou uma pessoa que lutou por que conquistei na vida e por isso me considero como um exemplo de mulher forte”. (Rita, 57 anos)

“Ser mulher é ser forte, pois muitas de nós, somos o pilar de uma família, em uma sociedade que nem sempre reconhece. Quantas vezes ouvi um não, quantas vezes observei que não era reconhecida profissionalmente pelo fato de ser mulher”. (D. Beatriz, 52 anos)

No contexto da Agrovila de Placas, as mulheres têm o trabalho doméstico como característica definida de identidade social, e assim, são as principais responsáveis em realizar os serviços de casa, o que em alguns discursos das entrevistadas aparece como natural e em outros aparece como algo que causa inquietação e desconforto, pois o trabalho doméstico também tem um papel importante na produção, é preciso criar essa consciência, não é só uma ajuda, mas como base do proceso.