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A importância da investigação da noção de movimentos sociais justifica-se para entender a forma de organização do IAB-MG na década 1970 / 1980, uma vez que o sistema político brasileiro desconsiderava todo e qualquer estado de direito atribuído à sociedade civil e esta, para lutar pelos mesmos, recorria à ação coletiva. Desta forma, a mobilização social sobrevive e desponta como revolta social na luta pelos direitos humanos, entendidos como a participação e inclusão nos processos de reformas no país. De modo a ressaltar a compreensão e relevância dos movimentos sociais para o estudo aqui desenvolvido, faz-se a seguir um recorte das noções teóricas sobre movimentos sociais, tentando estabelecer limites entre a atuação de uma entidade de classe (IAB-MG) e o campo social em que está inserida. Com isso, pretende-se avaliar em que medida as noções teóricas sobre movimentos sociais se ajustam ou não ao IAB-MG e ao estudo de caso escolhido: o I Encontro pela Revitalização da

Praça da Estação; evento organizado pelo Departamento de Minas Gerais do Instituto dos

Arquitetos do Brasil.

As principais teorias sobre movimentos sociais baseiam-se na perspectiva da escolha individual que envolve a criação de um movimento social. Nesse sentido, estuda as motivações da participação individual em constituir uma ação coletiva.

Ao analisar o conceito de movimentos sociais verifica-se a existência de duas correntes teóricas de pesquisa sobre o assunto: a primeira, defendida por estudiosos como Le Bon6, Tarde7 e Ortega y Gasset8, discute a ebulição social como ato político e a interpreta como ruptura da ordem existente. Marx9, Durkheim10 e Weber11 centralizam suas explanações na ação social contida nos movimentos sociais.

Entre as semelhanças nas análises proferidas por esses autores sobre a definição de movimentos sociais encontra-se a percepção da existência de tensões na sociedade, que favorecem ou induzem as transformações sócio-políticas. Daí temos que movimento social é um conceito plural, uma vez que pode ser compreendido como ato político e ação social.

Outro teórico, Neil Smelser12, interpreta que os movimentos sociais são um estágio inicial de

mudança social, todavia não organizado, para combater as causas ou condições de sua irrupção.

O sociólogo francês Alain Touraine13 admite outra perspectiva para o termo ao defendê-lo enquanto uma conduta coletiva expressa em um período de tempo - o que pressupõe a

6 LE BON apud BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política.

12. ed. Brasília: LGE Editora, 2004, P. 787, v. 2.

7 TARDE apud BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política.

12. ed. Brasília: LGE Editora, 2004, P. 787, v. 2. 8

ORTEGA Y GASSET apud BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário

de Política. 12. ed. Brasília: LGE Editora, 2004, P. 787, v. 2.

9 MARX apud BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 12.

ed. Brasília: LGE Editora, 2004, P. 787, v. 2.

10 DURKHEIM apud BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de

Política. 12. ed. Brasília: LGE Editora, 2004, P. 787, v. 2.

11 WEBER apud BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política.

12. ed. Brasília: LGE Editora, 2004, P. 787, v. 2. 12

SMELSER, Neil. apud BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de

longevidade da ação no processo histórico - e orientada para o conflito de classe e os acordos políticos.

[...] um movimento social não é a expressão de uma contradição; ele faz explodir um conflito. É uma conduta coletiva orientada não para os valores da organização social ou para a participação num sistema de decisões, mas para o objeto dos conflitos de classe que é o sistema de ação histórica. (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2004, p. 789).

A noção de movimentos sociais sob o prisma dos conflitos nos é introduzido pelo teórico Melucci (2001) da seguinte forma:

[...] quando se fala de um movimento social, refere-se, geralmente, a um fenômeno coletivo que se apresenta com uma certa unidade externa, mas que, no seu interior, contém significados, formas de ação, modos de organização muito diferenciados e que, freqüentemente, investe uma parte importante das suas energias para manter unidas as diferenças. Assim, tende-se muitas vezes a representar os movimentos como personagens, como uma estrutura definida e homogênea, enquanto, na grande parte dos casos, trata-se de fenômenos heterogêneos e fragmentados, que devem destinar muitos dos seus recursos para gerir a complexidade e a diferenciação que os constitui (MELUCCI, 2001, p.29 apud VAZ DE MELO, p. 47)

Daí pode-se notar que:

O movimento social é para Melucci (2001), um objeto construído pela análise, que não coincide, portanto, com as formas empíricas da ação. Afirma o autor que nenhum fenômeno de ação coletiva pode ser assumido na sua globalidade, porque não expressa nunca uma linguagem unívoca (VAZ DE MELO, 2007, p. 47)

A análise de Melucci sugere que movimento social é um conceito que engloba muitas coerências e contradições, de forma a não se submeter a uma definição teórica rigorosa, mas de ser construído das vontades e incertezas que permeiam a prática coletiva.

13

TOURAINE, Alain apud BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de

O teórico Gamson14 admite ser a organização causa inevitável da institucionalização e burocratização da ação coletiva, mas considera que a realidade empírica dos movimentos sociais está associada a uma realidade mais complexa, que comporta uma série de: “[...] valores, normas, ideologias, cultura e identidade dos grupos sociais estudados. Dessa forma, lança-se um olhar que busca entender a identidade coletiva dos grupos e como essa move a ação coletiva e, conseqüentemente, a participação individual.” (GAMSON, 1992 apud VAZ DE MELO, 2007, p. 42).

Assim sendo, Gamson interpreta movimento social como um fenômeno antropológico, baseado no exercício de analisar indivíduo e coletividade conjuntamente e paralelamente e complementa dizendo que: “[...] A identidade coletiva se refere à combinação entre o indivíduo e os sistemas culturais, mais especificamente à questão sobre quem somos ‘nós’.” (GAMSON, 1992 apud VAZ DE MELO, 2007, p. 45).

A teoria da Mobilização de Recursos defende que as ações coletivas são motivadas por propósitos políticos, sendo estruturadas quando atingem um grau de auto-suficiência para a conformação de um movimento.

Dessa forma, a filosofia dessa teoria baseia-se:

[...] na lógica racional da interação entre indivíduos, que buscam atingir metas e objetivos, e em estratégias que avaliam os custos e benefícios das ações. [...]... pode-

14 GAMSON, William A. The social psychology of collective action. IN: MORRIS, Aldon D. and MUELLER,

Carol McClure. Frontiers in Social Movement Theory. New Haven and London: Yale University Press, 1992, pp. 53 - 76. apud VAZ DE MELLO, Andreia Akackauskas Burocratização e institucionalização das

organizações de movimentos sociais: o caso da organização de prostitutas Davida. 2007. (Mestrado em

Sociologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal de minas Gerais, Belo Horizonte, 2007. p. 41, 42, 45.

se sugerir que a razão da participação dos membros está ligada à escolha racional em que o ponto chave é a obtenção de benefícios com tal participação, e não se a pessoa pertence ou não à coletividade certa, ou seja, se tem ou não a identidade requerida para participar da ação coletiva em questão. (VAZ DE MELO, 2007, p. 44).

A teoria dos Novos Movimentos Sociais tem como princípio central a discussão da noção de identidade; da mesma forma que a Teoria da Mobilização Política. Ambas fundamentam-se em uma abordagem cultural dos movimentos sociais e resumem-se na:

[...] utilização de uma determinada interpretação da cultura, em que símbolos, valores, significados, ícones, crenças, códigos culturais em geral passaram a ser destacados. Essas abordagens tratam, portanto, a cultura como um processo. Dessa forma, as análises das ações coletivas privilegiam as representações dos indivíduos sobre o objeto em questão, a partir dos códigos e significados existente; como afirma Gohn (1997): a análise ‘ se move do interior dos indivíduos, de suas representações mentais, para o exterior, para suas práticas sociais’ (p.72). Sendo assim, os descontentamentos, os valores e as ideologias foram resgatados para entender a identidade coletiva dos grupos e a interação com sua cultura (GOHN, 1997 apud VAZ DE MELO, 2007, p. 45).

Daí conclui-se que Movimento Social é uma instância de representação coletiva unida pelo ímpeto de satisfação de um objetivo comum, entendido como fruto das vontades e incertezas que permeiam a ação coletiva, que subsiste mediante a prática simultânea de duas concepções ideológicas: a ação social e o ato político. Desta forma, o conflito é prática inerente de sua fundamentação teórica e relaciona-se à diferenças tanto internas quanto externas, devendo o conceito ser tratado como um fenômeno heterogêneo e fragmentado. A compreensão da história enquanto processo (longevidade) consolida a natureza ética do movimento e institui- lhe caráter de representação política, sendo o exercício da comunicação indispensável para a manutenção e perpetuação da união entre as partes.

Não se deve confundir mobilização social com outras formas de união espontânea de pessoas, manifestações, passeatas etc. A mobilização acontece quando um grupo social “[...] decide e

age com um objetivo comum, buscando, quotidianamente, resultados decididos e desejados por todos.” (TORO; WERNECK, 2005, p. 13).

Os movimentos sociais tratados neste estudo devem ser compreendidos como fruto do processo histórico vivido pelo País, marcado no cenário político pela oposição de grupos sociais ao regime imposto pela Ditadura Militar. Assim sendo, grande parte destes movimentos defendiam a democratização do país e a participação social na gestão urbana enquanto ato político. Por conseguinte, a Democracia surgia como um conceito a ser construído a partir da participação da sociedade civil à igual maneira e concomitantemente à noção de identidade coletiva, uma vez que assumi-la pressupunha reconhecer os deveres e direitos coletivos e individuais do povo brasileiro.

[...] Uma cidade, uma categoria profissional, cada pessoa, todos devem também buscar responder às perguntas básicas: como pretendem se inserir no país, como vão contribuir e participar da resposta do país a estes desafios. [...] Todo processo de mobilização deve ter como meta contribuir para o alcance desses objetivos [...] (TORO; WERNECK, 2005, p. 24).

Segundo o teórico Melucci (1996), o conceito de identidade coletiva relaciona-se ao:

... processo de construção de um sistema de ação, uma vez que a identidade coletiva é uma definição interativa, compartilhada e produzida por um grupo de indivíduos, reativa às ‘orientações’ de suas ações e ao ‘campo’ de oportunidades e constrangimentos nos quais tais ações tomam lugar. Por interativo e compartilhado, o autor quer dizer que esses elementos são construídos e negociados através de um processo repetido de ativação das ligações que ligam os atores. Desse modo, a noção de identidade se refere à continuidade de um sujeito... quanto às suas adaptações ao ambiente; à delimitação desse sujeito com respeito aos outros e à habilidade para reconhecer e ser reconhecido (MELUCCI, 1996, apud VAZ DE MELO, 2007, p. 46).

[...] a identidade coletiva é um processo de aprendizado que conduz à formação e à manutenção do ator empírico unificado, a que Melucci (1996) se refere como sendo o movimento social. Através desse processo, Melucci (1996) afirma que o ator coletivo desenvolve uma habilidade para resolver problemas apresentados pelo ambiente e se torna cada vez mais independente e autônomo em sua capacidade para ação nas redes de relacionamentos nas quais está situado (VAZ DE MELO, 2007, p. 46)

Segundo a autora,

[...] A identidade coletiva pode ser pensada como um instrumento tanto para moldar a vida do movimento social como para estabelecer a participação individual, pois, segundo Friedman e McAdam (1992), a identidade coletiva se refere àquela identidade ou status que liga o indivíduo nas atividades do movimento através do resultado da sua participação. Ao mesmo tempo, identidades coletivas funcionam como incentivos seletivos que motivam a participação (VAZ DE MELO, 2007, p. 47 e 48).

A maior conquista política dos movimentos sociais que lutavam em prol da democratização do país foi a promulgação da Constituição Federal brasileira em 1988. Ela definiu a democracia como sistema político oficial do país, amparado na noção de “Estado Democrático de Direito”, como forma de legitimar o poder emanado do povo. Cabe à população construir e zelar por este Estado de Direito, como premissa básica para o exercício da cidadania. Assim sendo, a democracia é uma construção diária compartilhada por aqueles de dever e direito: o povo e todas as suas formas legítimas de representação; – daí a validade do princípio de equidade englobar as mais diversas esferas da vida humana (política, cultural, econômica etc.). A prosperidade do país é delegada então à população, responsável tanto por sua construção e transformação quanto pelo dever de resgatar a nação do caos.

[...] Na democracia a ordem social se produz a partir da própria sociedade. As leis são criadas, direta ou indiretamente, pelos mesmos que as vão cumprir e proteger. [...] Como a ordem social é criada por nós, o agir ou não agir de cada um contribui para a formação e a consolidação da ordem em que vivemos. Em outras palavras, o

caos que estamos atravessando não surgiu espontaneamente. A desordem que tanto criticamos também foi criada por nós. Portanto,... se fomos capazes de criar o caos, também podemos sair dele. (TORO; WERNECK, 2005, p. 17 e 19).

A legislação federal incorporou na íntegra os preceitos difundidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), como forma de: “[...] nos comprometemos com a formulação de um projeto de desenvolvimento... que seja baseado nos Direitos Humanos e que contribua para transformá-los de projeto ético em um projeto público, em uma visão de mundo, um discurso, uma decisão e uma ação.” (TORO; WERNECK, 2005, p. 22).

Por último, cabe atentar também que os movimentos sociais devem ser encarados pela necessidade de superação frente às resistências, oposições e: “[...] adversários que possuem o monopólio dos instrumentos de controle social” (VAZ DE MELO, 2007, p. 50).

A manifestação do descontentamento, por parte de profissionais arquitetos que exerciam a função de técnicos em entidades vinculadas ao Poder Público Estadual, com o modus

operandi da gestão pública encontrava apoio na representação de classe dos arquitetos

mineiros, quando o Departamento de Minas Gerais do Instituto dos Arquitetos do Brasil resolve organizar-se e assumir lugar de destaque na defesa do patrimônio cultural municipal de Belo Horizonte.

A continuação analisa-se a trajetória histórica do IAB e de seu Departamento de Minas Gerais (IAB-MG) de forma a situar historicamente a entidade no contexto das ebulições sociais das décadas de 1970/ 80.