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2.1 Sistemas de acesso a terra no Brasil

2.1.3 Reforma agrária no Brasil

Entre as diferentes formas de acesso a terra destaca-se o Programa de Reforma Agrária que neste item procura-se discutir mais especificamente, em virtude de que na área das microbacias hidrográficas em estudo existir área de assentamento.

Na década de 60 o governo de João Goulart anuncia o lançamento das reformas estruturais do País, começando pela reforma agrária. Em 1964, logo após a implantação do Regime Militar é criado o Estatuto da Terra e, em 1970, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para coordenar a reforma agrária e promover a ocupação da Amazônia (MEDEIROS, 2004).

Nos anos 70 houve um aumento nas reivindicações por reformas, e os agricultores sem terra, para pressionar o governo, deram início à organização das primeiras invasões de áreas. Assim surge o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), como uma forma de organização popular de luta pela reforma agrária e a dos proprietários de terras que também se organizam e criam a União Democrática Ruralista (UDR). Com a redemocratização do país, os governos começaram a promover um número maior de assentamentos.

Em 1988, através da Constituição Federal é estabelecido que a grande propriedade que não cumprir sua função social pode ser desapropriada para fins de reforma agrária. Nesta lei os proprietários de terras além de manter a fazenda produtiva têm que preservar o meio ambiente e cumprir as obrigações trabalhistas, destacando-se principalmente, segundo Machado (1998), priorizando o aspecto social e ambiental da propriedade, o que contribuiu para o avanço nas políticas de formas de aquisição de terras no País e de preservação ambiental.

Na Constituição Federal de 1988 foi previsto o assentamento de famílias sem terras em propriedades improdutivas desapropriadas pela União com a indenização dos proprietários pelo valor de mercado das propriedades, recebendo o pagamento em Títulos da Dívida Agrária (TDA) o valor da terra nua e em dinheiro o valor das benfeitorias.

Mais recentemente, em dezembro de 1997, foi lançado o Programa de Crédito Fundiário, que concede crédito em condições especiais para associações formadas por pequenos agricultores e trabalhadores sem terra como forma de acesso a terra. Esse Programa denominado de Programa Piloto Cédula da Terra, foi inicialmente circunscrito em estados do Nordeste. Para Buainaine et al. (2004) esse era visto como parte de uma estratégia do governo neoliberal para "privatizar" a reforma agrária e beneficiar o latifundiário, que no lugar de ser "punido" com a desapropriação seria "premiado" com a venda de sua propriedade e ainda como medida destinada a desmobilizar os movimentos sociais com a promessa de aquisição de terra no mercado e retirar recursos da verdadeira reforma agrária, feita com base na desapropriação das terras improdutivas.

Para os mesmos autores um dos grandes desafios da reforma agrária é tornar os assentamentos economicamente viáveis, melhorando as condições de vida no campo. A

agricultura, cada vez mais mecanizada, exige grandes investimentos tecnológicos para garantir níveis altos de produtividade. No Brasil, as culturas voltadas para a exportação, como laranja, soja e cana-de-açúcar, têm apresentado crescimento, enquanto as que são tradicionalmente produzidas para o mercado interno estão estagnadas ou em queda. Essas transformações têm forte impacto sobre as pequenas propriedades rurais e dificultam o desenvolvimento dos assentamentos, onde a produção tende a permanecer no nível da subsistência.

Ainda Buainaine et al. (2004) observaram que entre os fatores que contribuem para o sucesso de um assentamento estão à proximidade de um centro urbano e a existência de estradas para escoar a produção. Os dados do Censo da Reforma Agrária, realizado entre dezembro de 1996 a março de 1997, mostram que as regiões que apresentam maior índice de abandono dos assentamentos no país são Norte e Centro-Oeste, onde há menos infra-estrutura e dificuldade de acesso às estradas. Por outro lado, uma pesquisa feita pela Universidade Federal do Rio de Janeiro nos estados do Acre, Mato Grosso, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Sergipe mostraram que nas regiões, onde ocorrem assentamentos bem sucedidos, ha uma sensível diminuição do êxodo rural e, em alguns casos aumenta o número de habitantes na área rural. Como exemplo disso cita-se a região do Pontal do Paranapanema, São Paulo onde a população rural cresce 29% entre 1991 e 1996 (IBGE, 2002). Outro fator decisivo para o êxito é o acesso ao crédito.

Nos últimos treze anos foram assentadas 416.600 famílias no Brasil. Sendo 63,5%, ou 264.625, durante o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1994 a 1998). Até 1997 haviam sido assentadas 186.530 famílias, sendo mais de 70% nas regiões norte e nordeste. Entre Janeiro e Dezembro de 1998 foram assentadas 78.095 famílias e outras 19.064 aguardavam o título de posse da terra pelo INCRA. No Estado do Rio Grande do Sul até o final de 2004, o numero de assentamentos era de 318, e estão distribuídos por todas as regiões do Estado (INCRA, 2006).

2.1.3.1 Implantação dos assentamentos de reforma agrária no Rio Grande do Sul

Este item discutiu mais especificamente os assentamentos realizados no Rio Grande do Sul, que neste estudo esta representada pelo assentamento Bela Vista, tendo parte deste localizado na microbacia do lajeado Tamboretã-RS.

A formação dos assentamentos rurais no Estado a partir dos anos 70, segundo Medeiros (1999), pode ser subdividida em três fases com características distintas: a primeira, de 1978 a 1984; a segunda de 1985 a 1988 e a terceira, de 1989 até nossos dias. Sendo identificadas, principalmente, por três aspectos centrais: os diferentes tipos de intervenção estatal, as distintas formas de organização e pressão pela reforma agrária e suas repercussões nos aparatos governamentais e os assentamentos formados e suas especificidades.

A primeira fase teve como marco a retomada das lutas sociais no campo com a reação de grupos indígenas para recuperar suas terras, município de Nonoai em 1978 e 1979, onde aproximadamente mil famílias de pequenos produtores foram expulsas.

Aliaram-se a estes episódios as 526 famílias remanescentes dos “afogados da barragem de Passo Real” excluídas dos projetos de assentamentos, que ocuparam de maneira irregular estas reservas indígenas, e também com inúmeros outros pequenos agricultores dos próprios municípios da região, que arrendavam partes da reserva e foram forçados a sair das terras (ZAMBERLAN et al. , 1989)

Ainda em 1979, ocorreram as ocupações das fazendas Macali e Brilhante, na região do alto Uruguai, noroeste do estado do Rio Grande do Sul, o que para Navarro (1997), o sucesso destas primeiras ocupações encorajou a repetição da tática na tentativa de ampliar o número de beneficiados. Assim evidenciou-se a existência de um grande número de famílias sem terra dispostas a mudar sua condição social.

Com a organização do acampamento de “Encruzilhada Natalino”, ao longo da estrada que liga Passo fundo a Ronda Alta, em março de 1981, com aproximadamente 600 famílias, além do apoio de um grande número de religiosos, Medeiros (1999) observou que, em uma conjuntura de decomposição do regime militar, o cerco da área por tropas federais revelou-se como um grave erro governamental, pois estimulou uma extensa rede de apoios, agregando um amplo espectro de forças sociais, fazendo com que estes episódios criassem as bases da instituição de fato do MST.

Este período de luta pela terra se caracteriza, comenta Medeiros (1999) foi a re- introdução das antigas táticas de ocupação e formação de acampamentos, associados de mecanismos de grande impacto visual (barracos de lona, a miséria, a teimosa e determinação dos acampados). De outro lado à resposta reativa governamental as grandes mobilizações por terra resumiram-se à compra de terras de baixa qualidade, sem a alocação de recursos financeiros e técnicos que pudessem garantir um impulso inicial à produção nos novos assentamentos.

Como conseqüências deste período têm-se o elevado índice de abandono encontrado no período, pois das 563 famílias assentadas, 33% abandonaram ou trocaram de lotes (NAVARRO, 1997).

A segunda fase (1985-1988) caracterizou-se por uma atuação mais intensa e mais estruturada do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem terra, aliada a uma desorganização governamental, o que tornava o governo vulnerável à pressão das forças organizadas. Neste contexto, a apresentação do Primeiro PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova república, em setembro de 1985, em pleno ambiente de “democratização” provocou expectativas de ação governamental como também pressões pelo seu cumprimento (MEDEIROS, 1999).

O mesmo autor coloca que esta foi chamada fase de ação, pois se caracterizou muito mais pelas desapropriações com atuação direta de um órgão do governo federal (INCRA) no Rio Grande do Sul, ausente na primeira fase, do que propriamente pela implementação de políticas que pudessem viabilizar a produção, na medida em que os recursos do PROCERA estavam apenas começando a serem oferecidos e nem sempre foram transformados em meios de produção.

A terceira fase que ocorre entre 1989 até a presente data (2006), se caracteriza pela saída de cena do governo federal que reduziu fortemente as ações de desapropriação no final do governo Sarney, interrompendo-as completamente no governo Collor, reiniciando aos poucos com o governo de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e o atual governo Lula. Porém estes governantes vêem recorrendo ao instrumento da compra de propriedades em detrimento das desapropriações (MEDEIROS, 2004). Ressalta ainda o autor, os sérios obstáculos legais que a regulamentação dos dispositivos gerais inscritos na nova constituição, promulgada em 1988, introduziram para a política da reforma agrária, possibilitando variadas contestações judiciais aos atos desapropriatórios.

Com essa retomada pelo Governo Federal, quando novas desapropriações foram iniciadas intensificou-se a compra de terras, desta vez utilizando-se dos revalorizados Títulos da Divida Agrária (TDA), porém o autor citado observa que muitas destas compras estiveram sendo pautadas por critérios duvidosos, que privilegiavam proprietários ineficientes, dispostos a vender suas propriedades e incorporando áreas de baixa qualidade para novos assentamentos.

No caso da área utilizada para Reforma Agrária na microbacia hidrográfica do Lajeado Tamboretã foram áreas com diferentes solos, classes de declividade e de aptidão do solo. Nesta área foi implantado em 1986 o Assentamento de reforma agrária Bela Vista onde foram

assentadas inicialmente 31 famílias. Cabe-se ressaltar que a implantação de assentamentos de reforma agrária deveria passar por informações técnicas e legais que contemplassem além do domínio do imóvel, também o mapeamento das propriedades, o que resultaria no Cadastro Técnico da propriedade rural, que será descrito a seguir.

2.1.4 Uso e manejo da terra nos sistemas de acesso a terra: sesmarias, lotes coloniais e