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3 A REFORMA DO JUDICIÁRIO E A EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 45/

3.2 A REFORMA NA JUSTIÇA DO TRABALHO

A Emenda Constitucional n.º 45/2004, como visto, trouxe uma série de alterações relativas ao Poder Judiciário como um todo. Houve também mudanças específicas na Justiça do Trabalho, dentre as quais as principais serão tratadas no presente tópico. Será usado como base, para que se possa definir quais foram as alterações mais importantes, o artigo publicado por José Augusto Rodrigues Pinto59, além daquele já utilizado no tópico anterior, de autoria de Ives Gandra da Silva Martins Filho60, sendo que ambos apontam a ampliação da competência da Justiça do Trabalho como a mais importante dentre estas alterações.

Antes de tecer os comentários pertinentes a essa ampliação, contudo, deve-se destacar alguns outros pontos que foram tratados pela referida emenda, como, por exemplo a criação da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho, instituída pelo art. 111-A, §2º, I, da CF/88, com o objetivo, dentre outros, “de regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção” na carreira da magistratura trabalhista.

O art. 111-A, §2º, da CF/88, também traz, no seu inciso II, a inserção na estrutura do Poder Judiciário do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, com a previsão constitucional de exercer “a supervisão administrativa, orçamentária, financeira e patrimonial

59 PINTO, José Augusto Rodrigues. A Emenda Constitucional n. 45/2004 e a Justiça do Trabalho: reflexos,

inovações e impactos. In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Justiça do

da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema, cujas decisões terão efeito vinculante”. O órgão se destina, segundo José Augusto Rodrigues Pinto61

“à centralização de controle das ações administrativas, da execução orçamentária, da atividade financeira e do acervo patrimonial” no âmbito da Justiça do Trabalho e, ainda segundo o autor, “podem ser novidades no interior do Poder Judiciário, mas sua idéia e prática é antiga no interior da Administração pública”.

Acerca do assunto, é interessante trazer a observação de Ives Gandra da Silva Martins Filho62 que ressalta que, ao contrário do que o art. 105, parágrafo único, II, da CF/88 prevê para o Conselho Superior da Nacional da Justiça Federal, não foi concedido ao Conselho Nacional da Justiça do Trabalho “poderes correicionais”, conforme o seguinte:

No âmbito da Justiça Federal, o Conselho da Justiça Federal passa a ter, além da supervisão administrativa e orçamentária, “poderes correicionais” (CF, art. 105,parágrafo único, II), o que conduz à conclusão de que, em relação à Justiça do Trabalho, como o Conselho Superior da Justiça do Trabalho não recebeu esses poderes (CF, art. 111-A, §2º, II), caberá à Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho exercê-los (...).

O autor, seguindo o raciocínio exposto no extrato acima, ainda entende que a Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, por não perder seus “poderes correicionais”, saiu fortalecida com a mudança trazida pela Emenda Constitucional n.º 45/2004.

A chamada “Reforma do Judiciário” trouxe também uma alteração no número de ministros que compõem o Tribunal Superior do Trabalho, no art. 111-A da CF/88. Passaram, então, a compor o seu quadro vinte e sete ministros, ampliando a composição do Tribunal Superior do Trabalho ao número anterior à redução operada pela Emenda Constitucional n.º 24/99, quando foi extinta a representação classista junto à Justiça do Trabalho.

Deixou, também, de existir a necessidade da existência de um Tribunal Regional do Trabalho para cada estado da Federação, conforme previsão do art. 115, §2º, da CF/88. O dispositivo prevê a possibilidade do funcionamento destes tribunais de forma descentralizada, sendo possível a criação de câmaras regionais. O objetivo dessa mudança, de acordo com o

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Ives MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. A reforma do Poder Judiciário e os seus desdobramentos na

Justiça do Trabalho. p. 30-39.

61 PINTO, José Augusto Rodrigues. A Emenda Constitucional n. 45/2004 e a Justiça do Trabalho. p. 226. 62

Ives MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. A reforma do Poder Judiciário e os seus desdobramentos na

próprio texto constitucional é o de “assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo”.

Dentre as mudanças que a Emenda Constitucional n.º 45/2004 trouxe para a Justiça do Trabalho, a de maior impacto foi a ampliação da sua competência, através da modificação do art. 114 da CF/88, conforme observação de Hugo Cavalcanti Melo Filho63: “de todas as mudança promovidas pela Emenda n. 45, a que trará maior repercussão para a Justiça do Trabalho será, sem dúvida, o novo rol de competências fixado no arrtigo 114 da Constituição, em especial, a fixada no inciso I”. Antes da referida alteração, o art. 114 da CF/88 tinha a seguinte redação:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.

Essa redação do art. 114 da CF/88, anterior à mudança inserida pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, apontava, segundo o entendimento de Estêvão Mallet64, três diferentes hipóteses de competência da Justiça do Trabalho. A parte inicial do dispositivo trazia a competência relacionada “com os dissídios entre „trabalhadores e empregadores‟, envolvia apenas litígios emergentes, direta e indiretamente, de contratos de trabalho”.

Havia também a previsão de uma competência mais ampla, que “abrangia „outras controvérsias da relação de trabalho‟, mas dependia de previsão legal complementar”, as quais, segundo o autor, existiram poucas. Podem-se citar como exemplos os arts. 643, caput, e o 652, a), III, ambos da CLT, referentes aos trabalhadores avulsos e aos contratos de empreitada, quando o empreiteiro for operário ou artífice, respectivamente. Por fim, o autor indica como terceira hipótese os “dissídios relacionados com o cumprimento das próprias decisões da Justiça do Trabalho, inclusive a execução das contribuições sociais decorrentes de seus pronunciamentos”.

63 MELO FILHO, Hugo Cavalcanti. Nova Competência da Justiça do Trabalho: contra a interpretação

reacionária da Emenda n. 45/2004. In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes; FAVA, Marcos Neves (Coord.).

Justiça do Trabalho: competência ampliada. São Paulo: LTr, 2005. p. 171.

64 MALLET, Estêvão. Apontamentos sobre a competência da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional

n. 45. In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Justiça do Trabalho: competência ampliada. São Paulo: LTr, 2005. p. 71.

A mesma visão tem Alípio Roberto Figueiredo Cara65, segundo o qual, da análise do artigo acima, a doutrina apontava três tipos de competência material da Justiça do Trabalho, sendo elas a competência material natural (ou específica), a decorrente e a executória. Aquela que mais interessa à esse estudo é a competência material específica, que o autor define como a “competência da Justiça especializada para reconhecer e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores”.

Com a alteração introduzida pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, o art. 114 da CF/88 passou a figurar no texto constitucional com a seguinte redação:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II - as ações que envolvam exercício do direito de greve;

III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

IV - os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

V - os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;

VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

Essa alteração no texto constitucional trouxe inovações significativas acerca da competência material da Justiça do Trabalho. Esse é o entendimento de João Orestes Dalazen66, que aponta o possível objetivo dessa mudança como sendo um esforço para que se evite “os indesejáveis conflitos e exceções de competência, seja atribuindo-lhe competência

65 CARA, Alípio José Figueiredo. A reforma do judiciário e a competência da Justiça do Trabalho. In:

COUTINHO, Grijalbo Fernandes; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Nova competência da Justiça do

Trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p. 15.

66 DALAZEN, João Orestes. A reforma do judiciário e os novos marcos da competência material da Justiça do

Trabalho no Brasil. In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Nova competência

para julgar outras lides de natureza diversa, absolutamente estranhas à sua clássica competência para o conflito obreiro-patronal”.

Alípio Roberto Figueiredo Cara67, comparando a nova e a antiga redação do art. 114 da CF/88, afirma o seguinte:

Como se vê na comparação entre a nova e a antiga redação, houve profunda modificação, especialmente no que se refere à “competência material específica”, a qual não se limita mais a tão-somente “conhecer e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores”. Por força da nova redação, essa competência natural passou a abranger “as ações oriundas da relação de trabalho”, inclusive aquelas que envolvem “os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Não há mais a antiga limitação, exigindo que o dissídio (ou lide) ocorra entre “trabalhadores e empregadores”.

Como observado acima, o texto constitucional, tratando da competência da Justiça do Trabalho, passou a abranger “as ações oriundas da relação de trabalho”. Nesse mesmo sentido, Ilse Marcelina Bernardi Lora68 observa que o texto modificado pela Emenda Constitucional n.º 45/2004 “não manteve as expressões empregado e empregador, reiteradamente utilizadas nos textos anteriores”. O que aconteceu, segundo a autora, foi uma afirmação de que coube à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, sendo que esta é o “gênero de que é espécie a relação de emprego”.

Importante, pois, se faz esclarecer a diferença entre os termos “relação de trabalho” e “relação de emprego”, sendo que para tal se transcreve a seguinte explanação de Maurício Godinho Delgado69, que traz a definição do termo relação de trabalho:

A primeira expressão tem caráter genérico: refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível, a expressão relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades

67 CARA, Alípio José Figueiredo. A reforma do judiciário e a competência da Justiça do Trabalho. p. 15. 68 LORA, Ilse Marcelina Bernardi. A nova competência da Justiça do Trabalho. In: COUTINHO, Grijalbo

Fernandes; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Justiça do Trabalho: competência ampliada. São Paulo: LTr, 2005. p. 193-194.

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de pactuação de labor (como trabalho de estágio, etc.). Traduz, portanto, o gênero a que se acomodam todas as outras formas de pactuação de prestação de trabalho existentes no mundo jurídico atual.

Contrapondo com o conceito de relação de trabalho, o referido autor70 afirma que, do ponto de vista técnico-jurídico, “é apenas uma das modalidade específicas da relação de trabalho juridicamente configuradas”. Essa modalidade é correspondente “a um tipo legal próprio e específico, inconfundível com as demais modalidades de relação de trabalho ora vigorantes”.

Essa mudança no texto constitucional, onde o art. 114 passou a utilizar o termo “relação de trabalho” e não mais dissídios entre “empregado e empregador”, brevemente exposta acima, é uma das mais relevantes, porém não é a única. A definição da Justiça do Trabalho como competente para processar e julgar ações de dano moral e patrimonial, quando decorrentes da relação de trabalho, prevista no inciso VI do art. 114 da CF/88, por exemplo, também é uma questão que foi amplamente discutida pela doutrina. Se aprofundar em todas as mudanças, contudo, fugiria do objetivo do trabalho, motivo pelo qual se elegeu as alterações mais abrangente para tecer-se os breves comentários acima.

A alteração que realmente é essencial ao estudo do poder normativo da Justiça do Trabalho, e que gerou toda a discussão que deu origem ao presente estudo, encontra-se no §2º do art. 114 da CF/88. Devido à essa importância, optou-se por tratar desse assunto em um tópico próprio, apresentado a seguir.

3.3 REPERCUSSÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 45/2004 NO PODER