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Reforma e modernização da Administração Pública: em busca de um novo agir

Conforme visto anteriormente, a Reforma Gerencial da Administração Pública, que teve início em 1995, voltava-se para a afirmação da cidadania no Brasil, por meio da adoção de formas modernas de gestão no Estado, que possibilitassem atender, democraticamente, as demandas da sociedade. Fazendo uso melhor e mais eficiente dos recursos limitados disponíveis, a reforma tinha como objetivo contribuir para o desenvolvimento do país e tornar viável a garantia mais efetiva dos direitos sociais, rompendo com a visão burocrática e as forças patrimonialistas e corporativistas, ainda muito arraigadas na organização administrativa.

Diante disso, e levando em consideração o contexto histórico dos modelos de Administração Pública no Brasil, vistos no tópico anterior, percebe-se que os processos de reformas sempre surgem como necessidade de modificação e modernização das estruturas administrativas, buscando-se novo modo de agir, mais consentâneo com a realidade vivida e com o interesse público. Todavia, algumas diferenciações e esclarecimentos se fazem imprescindíveis, neste momento.

De acordo com Gustavo Justino de Oliveira (2010, p. 37), a reforma administrativa exprime uma das vertentes da reforma do Estado, representando o conjunto de medidas orientadas a modificar as estruturas, organização, funcionamento, tarefas e instrumentos da Administração Pública, com o propósito de melhor capacitá-la para servir aos fins do Estado e aos interesses da sociedade. Ou seja, trata-se de conjunto sistemático de medidas aptas a melhorar a Administração Pública de determinado país, tornando-a mais eficiente na concretização de seus fins e mais coerente com os princípios que a regem.

Diz-se que a dinâmica da reforma do Estado constitui-se em fenômeno transformador de grandes proporções e amplitude, receptor do influxo de demandas, pleitos, reivindicações e proposições de toda ordem, com predomínio daqueles de natureza político-ideológica.

Por sua vez, modernizar sugere mudanças direcionadas a provocar um conjunto de adaptações de dada realidade aos novos tempos. E da ação modernizante não decorre, necessariamente, alterações profundas, mas sim intervenções mais pontuais, capazes de promover constantes ajustes na estrutura prévia, diante do transcurso do tempo e da evolução do cenário no qual o objeto a ser modernizado está inserido (OLIVEIRA, 2010, p. 40).

Diante do exposto, afirma-se que a modernização do Estado é menos complexa que a reforma, pois, enquanto esta se traduz numa intensa e enérgica intervenção nas estruturas e modo de funcionamento estatais, aquela garante permanente processo de ajustes e adaptações de sua organização e funções aos novos tempos, tonando dispensável a instituição de constantes reformas para cumprir tal objetivo e se caracterizando pela perenidade.

No caso brasileiro, a chamada Reforma Gerencial, como o próprio nome diz, configurou, de fato, verdadeira reforma da Administração Pública, possuindo como instrumento legitimador de maior importância a Emenda Constitucional nº 19/1998. Ela caracterizou-se pela transformação da Administração Pública brasileira de burocrática em gerencial, buscando como resultados a incorporação da eficiência na Administração Pública e o rompimento com formatos jurídicos e institucionais rígidos e uniformizadores (OLIVEIRA, 2010, p. 48).

De acordo com Luiz Carlos Bresser Pereira (1998, p. 18), é preciso não confundir a Reforma Gerencial com a emenda constitucional, apresentada pelo governo em 1995, conhecida como “reforma administrativa”:

A reforma constitucional é parte fundamental da Reforma Gerencial, uma vez que mudou instituições normativas fundamentais e promoveu um debate nacional que a tornou emblemática da reforma maior, mas existem muitas mudanças que são infraconstitucionais [...] Por outro lado, a Reforma Gerencial implica uma mudança cultural, que está ocorrendo. A aceitação das ideias do Plano Diretor pela alta burocracia pública, que compreendeu que seu objetivo é fortalecer sua capacidade de gestão, é uma indicação dessa mudança. E implica uma mudança nas formas de gestão, com o uso da gestão de qualidade, que está em curso.

Salienta-se, ainda, que o processo de reforma, tanto em nível constitucional, quanto em nível cultural, trata-se de processo lento e difícil, podendo durar vários anos para ser implementado. No tocante à reforma constitucional brasileira, proposta em 1995, sabe-se que durou cerca de três anos para ser aprovada, tendo enfrentado reações de hostilidade, descrença e perplexidade, num primeiro momento.

Hostilidade da parte daqueles que estavam comprometidos com a velha visão burocrática da administração pública, seja por uma questão ideológica, seja por sentirem ameaçados em seus privilégios. Perplexidade da parte dos que se viram diante de uma proposta inovadora, que mudava a agenda do país, e não tinham ainda tido tempo para avaliar as novas ideias. Descrença da parte dos que, aceitando a proposta de reforma, sentiam que os interesses corporativos e patrimonialistas contrariados eram fortes demais (BRESSER- PEREIRA, 1998, p. 19).

Desse modo, apesar de muitos pensarem que o país não estaria preparado para a proposta de reforma, a verdade é que aquela perspectiva ideológica pautada no egoísmo dos políticos e administradores públicos, que atuavam num modelo estatista e burocrático de administração (intrinsecamente ineficiente e historicamente autoritário) foi substituída por novo agir administrativo. Essa nova prática administrativa, que se baseia nos princípios da Reforma Gerencial, pressupõe que a Administração Pública esteja mais voltada para os anseios dos cidadãos, tendo como pressuposto e objetivo central a democracia.

Tendo em vista, portanto, a diferenciação entre reforma e modernização e, ainda, levando-se em conta os obstáculos institucionais enfrentados por vários países para a implantação de suas reformas de Estado, constata-se que existe tendência mundial dos processos de transformação do Estado contemporâneo em seguir a linha da política de modernização da gestão pública, denominada por Odete Medauar (2003, p. 134) de “reforma administrativa por ações contínuas”. Além do mais, a política estatal de modernização é mais consentânea com o que a sociedade contemporânea espera do Estado: atualização constante frente às demandas sociais, promoção dos necessários ajustes e afastamento de indesejáveis distorções em sua estrutura e funcionamento, gerando maiores benefícios à população.

Analisando-se, especificamente, o caso da Administração Pública brasileira, que já teve suas estruturas profundamente modificadas através da Emenda Constitucional nº 19/98 e da Reforma Gerencial, harmônicas com o regime democrático instaurado no Brasil, constata- se que, hoje, mostram-se mais interessantes apenas eventuais modernizações, no sentido de que o agir administrativo esteja sempre compatível e adaptado à realidade social, em constante evolução.

Considerando-se o que foi descrito acima e o cenário atual da Administração Pública, pode-se dizer que dos movimentos reformadores e modernizadores é possível extrair novas características da atuação administrativa, tais como, privatizações e desregulamentações, busca da qualidade na prestação dos serviços públicos, desconcentração e descentralização, maior participação das organizações não-governamentais na gestão dos serviços, tentativas de

redução do hiperpositivismo jurídico, propostas de promoção de um ajuste fiscal para a eliminação do déficit público, criação de instrumentos de combate à corrupção, etc.

Além dessas inúmeras propostas delineadas na situação de reforma do Estado e modernização da Administração Pública, ressalta-se a necessidade de adotar novas metodologias administrativas que possibilitem uma gestão mais rápida, econômica e transparente. Um exemplo é o contrato de gestão12, mencionado diversas vezes no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado13. Ele se caracteriza como nova forma de administrar, em que predominam as técnicas dialógicas e as funções de interação e negociação entre órgãos e entidades administrativas, permitindo melhor avaliação do desempenho e controle dos resultados do agir administrativo.

Por sua vez, Odete Medauar (2003, p. 133), lista as seguintes características acerca dessa nova forma de atuar da Administração Pública:

[...] maior sensibilidade quanto aos direitos dos cidadãos, que implica valorização do cidadão; identificação e aplicação de índices de qualidade, de padrões de produtividade e avaliação da satisfação dos usuários de serviços públicos; quebra total ou parcial de monopólios; regulação de setores privatizados e de atividades sensíveis, sobretudo mediante agências reguladoras ou autoridades independentes; estímulo à concorrência nos serviços públicos; ampliação das parcerias público-privadas; forte descentralização; simplificação de procedimentos; deslegificação, entendida como maior atribuição de poder normativo à cúpula do Poder Executivo, a agências reguladoras ou ainda a entes locais e ao próprio setor a ser regulado (auto-regulação total ou parcial); controle de gestão e incentivo à participação dos cidadãos isolados ou associados na tomada de decisões. A reforma e modernização do Estado demonstram ser não apenas um conjunto de providências jurídico-normativas necessárias ao redesenho das instituições, mas fenômeno multifacetado que envolve a mudança da cultura administrativa, a adoção de novas técnicas de gestão, bem como a redefinição das relações entre Estado e a sociedade, devendo ter um caráter contínuo.

Portanto, conclui-se que o modo de ser e atuar da Administração Pública contemporânea, bem como seus novos valores e características, provenientes dos processos de

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Trata-se de um instrumento originário da administração por objetivos, por meio do qual são ampliadas as autonomias gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da Administração pública, com a estipulação de metas de desempenho e fixação negociada de resultados, os quais deverão ser atingidos a partir da execução de uma série programada de atos (programação derivada), cuja finalidade é conferir efetividade a planos, programas e políticas públicas (programação originária), promovendo assim a eficiência na gestão pública (OLIVEIRA, 2010, p. 49).

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O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado é considerado como o documento oficial que contém as principais informações e orientações sobre a reforma administrativa brasileira iniciada em 1995 (OLIVEIRA, 2010, p. 46).

reforma e modernização, repercutem diretamente na configuração dos conceitos e institutos do direito administrativo e, principalmente, na qualidade e eficiência da atuação estatal. Tal eficiência administrativa só poderá ser viabilizada, porém, se contar com a existência de regime democrático efetivo e com a obediência aos mandamentos constitucionais e aos princípios administrativos, como será examinado ao longo do trabalho.

2.3 A importância dos princípios administrativos na atuação da Administração Pública