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3.3 ASPECTOS HISTÓRICOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

3.3.3 Reforma Psiquiátrica

A antipsiquiatria surgiu na década de 60, na Inglaterra. Suas referências culturais são ricas e diversas, como a fenomenologia, o existencialismo, a obra de Michael Foucault, determinadas correntes da sociologia e psiquiatria norte-americana e, em outro nível, a psicanálise e o marxismo. A antipsiquiatria procura romper, no âmbito teórico, com o modelo assistencial vigente, buscando destituir, definitivamente, o poder do saber médico da explicação/compreensão e tratamento das doenças mentais. Surge assim, um novo projeto de comunidade terapêutica. As contribuições de Foucault, Basaglia, Cooper, Goffman, foram decisivas para uma mudança na postura frente ao doente mental, sobretudo nos países europeus (Amarante, 2003; Silva, 1988).

A Reforma Psiquiátrica é um processo político e social complexo, composto de atores, instituições e forças de diferentes origens, e que incide em territórios diversos: nos governos federal, estadual e municipal; nas universidades; no mercado dos serviços de saúde; nos conselhos profissionais; nas associações de pessoas com transtornos mentais e de seus familiares; nos movimentos sociais; e nos territórios do imaginário social e da opinião pública. Compreendida como um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais, é no cotidiano da vida das instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo da Reforma Psiquiátrica avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios (Brasil, 2005a).

Amarante (2003) considera que o movimento da Reforma Psiquiátrica brasileira tem como seu catalisador o episódio que ficou conhecido como a "Crise da DINSAM", que era a Divisão Nacional de Saúde Mental, órgão do Ministério da Saúde responsável pela formulação das políticas em saúde mental e também pela administração das quatro unidades federais instaladas no Rio de Janeiro. Os profissionais destas unidades deflagraram uma greve por melhores condições tanto de trabalho como de melhores condições de assistência aos pacientes. Segundo o mesmo autor, o movimento da Reforma Psiquiátrica, ao ter seu início pautado em questões de ordem trabalhista e de denúncias da política de saúde mental, acabou oscilando entre um projeto de transformação psiquiátrica e um projeto de organização corporativa.

O início do processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil é contemporâneo da eclosão do movimento sanitário, nos anos 70, em favor da mudança dos modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde, defesa da saúde coletiva, equidade na oferta dos serviços, e protagonismo dos trabalhadores e usuários dos serviços de saúde nos processos de gestão e produção de tecnologias de cuidado. Embora contemporâneo da Reforma Sanitária, o processo de Reforma Psiquiátrica brasileira tem uma história própria, inscrita num contexto internacional de mudanças pela superação da violência asilar. Fundado ao final dos anos 70, na crise do modelo de assistência centrado no hospital psiquiátrico, por um lado, e na eclosão, por outro, dos esforços dos movimentos sociais pelos direitos dos pacientes psiquiátricos, o processo da Reforma Psiquiátrica brasileira é maior do que a sanção de

novas leis e normas e maior do que o conjunto de mudanças nas políticas governamentais e nos serviços de saúde (Brasil, 2005a).

No contexto internacional, vale destacar a “Declaração de Caracas” (1990). Este documento marca as reformas na atenção à saúde mental nas Américas. Suas diretrizes operacionais apontam para a reversão do modelo de atenção para base comunitária, no nível primário de atenção à saúde, o que implica em uma revisão crítica do papel hegemônico e centralizador do hospital psiquiátrico na prestação de serviços. Como participante desta Conferência, o Brasil assumiu o compromisso de desenvolver programas que viessem a promover a reestruturação da assistência psiquiátrica e a vigilância e defesa dos direitos humanos dos doentes mentais, de acordo com as legislações nacionais e respectivos compromissos internacionais.

Em 2005 foi publicado, pelo Ministério da Saúde, o documento “Reforma Psiquiátrica e Política de Saúde Mental no Brasil” (Brasil, 2005a). Este documento descreve toda a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil e as suas implicações nas políticas de saúde mental, dividindo-a em três grandes períodos. De 1978 a 1991, com a crescente crítica ao modelo hospitalocêntrico. De 1992 a 2000, com o início da implantação da rede extra-hospitalar composta por serviços, tais como: Centros e Núcleos de Atenção Psicossocial (CAPS/NAPS) que se constituem em serviços ambulatoriais de atenção diária, e Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), que oferecem alternativas de moradia para portadores de transtornos mentais, ambos com vistas à reabilitação e inclusão social. E o período de 2001 a 2005, contextualizando a reforma psiquiátrica depois da lei Nacional.

Somente no ano de 2001, após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional, a Lei Paulo Delgado (Lei Federal 10.216) foi sancionada no país. Esta lei redireciona a assistência em saúde mental privilegiando o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária. Aponta, portanto, para a inclusão da atenção em saúde mental na atenção básica como possível forma de manter o portador de transtorno próximo à comunidade, família e meio social e facilitar ações de educação e prevenção. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais, mas não institui mecanismos claros para a progressiva extinção dos manicômios. Ainda assim, a promulgação da lei 10.216 impôs

novo impulso e novo ritmo para o processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil. É no contexto da promulgação desta lei e da realização da III Conferência Nacional de Saúde Mental, que a política de saúde mental do governo federal, alinhada com as diretrizes da Reforma Psiquiátrica, passa a consolidar-se, ganhando maior sustentação e visibilidade (Bittencourt & Mateus, 2006; Brasil, 2005a).

A reforma psiquiátrica, apesar dos diversos avanços evidenciados tanto em nível local quanto nacional, ainda apresenta muitos desafios e impasses na gestão de uma rede integrada de atenção em saúde mental (Alverga & Dimenstein, 2006). A construção de uma rede de cuidados, portanto, é fundamental para a consolidação da reforma. Isso significa a articulação dos serviços de atenção à saúde mental com os da atenção primária, com outros setores de serviços públicos e, ainda, com quantos forem os recursos do território que possam, de alguma maneira, constituir-se em um conjunto vivo e concreto de referências capazes de acolher as pessoas com transtornos mentais (Brasil, 2005a).

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