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Mapa 4 Vinculação entre resultados das avaliações e remuneração profissional

1 POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO CONTEXTO DE REFORMAS DO

1.1 Reformas do Estado

O denominado Estado Moderno iniciou sua consolidação em partes da Europa em meados do século XVI, no contexto de transição do sistema feudalista para o sistema capitalista, num processo de longa duração que, grosso modo, tornou-se padrão a partir do século XIX, sendo implantado na Europa e em parcela significativa de outros continentes. Durante esses, aproximadamente, cinco séculos, o Estado passou por períodos de relativa estabilidade e por processos de transformações radicais, acompanhado por mudanças sociais e econômicas em cada período histórico específico. Na atualidade existe certo consenso de que as últimas décadas configuram um desses momentos de redefinição do papel do Estado em nível mundial. Colocam-se, em tela, reflexões sobre sua capacidade de definição das políticas públicas, suas funções diante de novas configurações geopolíticas e da organização de novas instâncias de poder regionais e multilaterais. Dito de outra forma se questiona até que ponto os Estados Nacionais têm autonomia diante da internacionalização das políticas públicas, especialmente, sob o peso da globalização neoliberal.

Essas reformas se configuram a partir da lógica econômica e exerce influência em todos os demais setores da sociedade como, por exemplo, a oferta educacional. A compreensão destas questões torna-se essencial para uma análise das políticas públicas educacionais, em geral e, mais especificamente, das políticas de avaliação da educação básica como aspectos das definições políticas, para além do caráter mais técnico e pedagógico das mesmas.

Vários autores se debruçaram sobre esta temática Peroni (2003), Chesnais (1996), Afonso (1999; 2001; 2009) Krawczyk e Vieira (2003) buscando, dentre outros

aspectos, as origens das políticas públicas como uma das funções do Estado. Denota-se que após o final da 2ª Guerra Mundial, o Estado assumiu novas funções, basicamente passou a ser incumbido de garantir o investimento público para os setores vinculados ao crescimento econômico da produção e do consumo, garantindo o pleno emprego e a ampliação das chamadas políticas sociais. Com efeito, o Estado assume novos papéis, passando a complementar os ganhos dos trabalhadores com garantia de assistência médica, seguridade, educação e habitação, o que se convencionou chamar de Estado de Bem Estar Social (Welfare State) ou Estado Providência.

Cabe registrar que esse modelo de Estado não se desenvolveu de forma linear. Considerando os contraditórios interesses de classes, o Estado assume centralidade na organização social, principalmente, após a 2ª Guerra Mundial. Conforme salienta Afonso (2009, p. 100) nesse período “[...] o Estado-providência passou a ser a fórmula encontrada em muitos países para a gestão das contradições que vão tornar-se cada vez mais agudas”. Estas contradições decorrem de dois elementos: primeiramente “da necessidade de o Estado ter uma decisiva intervenção econômica” e da necessidade de “criar condições para atender às novas e crescentes expectativas e necessidades sociais”, decorrentes do reconhecimento de direitos de cidadania.

Nesse processo, marcado por tensões e dificuldades, as soluções encontradas para o momento configuram-se em:

[...] atender às exigências da acumulação são também (frequentemente) contraditórias com as necessidades de legitimação, o Estado acaba por se envolver numa crise estrutural que se vai agravando à medida que, perante as crescentes exigências que sobre ele pesam, se verifica uma tendência para as despesas públicas crescerem mais rapidamente do que os meios de financiá-las (AFONSO, 2009, p. 100).

O sucesso das políticas econômicas keynesianas1, adotadas em diferentes países capitalistas centrais, mostrou vigor nas três décadas seguintes ao período pós-guerra, obtendo elevado crescimento econômico e atingindo praticamente o pleno emprego. Além de garantir o acesso de ampla base social a bens e serviços que passaram a ser considerados como direitos sociais.

1 As ideias de Keynes, produzidas na primeira metade do século XX ficam conhecidas como keynesianismo ou teoria keynesiana e romperam com os princípios do liberalismo ao propor que caberia ao Estado regular a economia, intervindo para garantir o equilíbrio econômico entre a oferta e a demanda, por meio de investimentos públicos, assegurando assim o pleno emprego e o desenvolvimento econômico das forças produtivas.

As contradições em torno das crescentes necessidades de financiamento e dificuldades políticas em legitimá-las socialmente, foram o ponto de partida para às críticas a esse modelo de Estado, provenientes majoritariamente de setores liberais e conservadores que integravam a chamada nova direita, no caso europeu.

Afonso (2009, p. 101-102) aponta que “essa coligação política, resultante de interesses e valores contraditórios” marcou a agenda ao longo dos anos oitenta em muitos países. Conforme o autor:

Dessa agenda fazem parte estratégias políticas, econômicas que visam a revalorização do mercado, a reformulação das relações do Estado com o sector privado, a adopção de novos modelos de gestão pública preocupados com a eficácia e a eficiência (new public management), e a redefinição dos direitos sociais (AFONSO, 2009, p. 101-102). Impõe-se, a partir desses fatores, uma nova agenda de debates sobre o papel do Estado e, consequentemente, sua atuação como formulador das políticas públicas para diferentes áreas.

Importante destacar que esse processo não se configurou da mesma forma em todas as partes do mundo, uma vez que a organização econômica e política do próprio Estado não se deu do mesmo modo em todos os países. Na Europa, por exemplo, atingiu seu modelo mais bem acabado, enquanto que nos países fora do eixo central de desenvolvimento capitalista como o Brasil não se consolidou um Estado Providência como realidade. Embora sua influência esteja evidente na definição de um modelo de desenvolvimento calcado na ação do Estado como catalisador dos esforços econômicos, ao mesmo tempo, em que garantia uma fração dos direitos sociais e trabalhistas existentes nos países centrais.

No caso europeu, o Estado de Bem Estar Social passou a sofrer críticas mais intensas a partir da década de 1970, manifestando sinais de esgotamento do modelo provocado, sobretudo, pela crise do petróleo que levou a busca de novo modelo de desenvolvimento econômico nos países centrais (HARVEY, 1989).

Configuram-se duas posições opostas representadas, simbolicamente, pelo expoente do neoliberalismo (HAYEK, 1933) e do modelo vigente, então, representado pelas ideias de Keynes (1936; 2004). Se, no período pós-guerra, triunfaram as ideias de Keynes, os reformadores do Estado recuperaram as ideias de Hayek como suporte teórico, colocando em cheque o modelo do Estado de Bem Estar Social.

Esse contexto marca o debate sobre a função e a organização do Estado pelo menos nas três últimas décadas, momento em que temos esquematicamente duas

posições: de um lado, os liberais apontando para as falhas do Estado como definidor de políticas e garantidor da democracia e, por outro lado, os keynesianos denunciando as falhas do mercado em cumprir esse papel.

Evidentemente, outras explicações com diferentes matrizes teóricas se propõem a explicar essa realidade, muitas tem nuances entre as duas citadas acima, outras se desenvolvem a partir de matrizes teóricas diversas. Como exemplo, destacamos aquelas derivada do marxismo, caracterizada pela crítica ao modelo vigente, propondo a ruptura com o sistema e não sua reforma. Partindo do princípio de que “o Estado não pode ser entendido por si mesmo, mas nas relações materiais de existência. Isso porque o modo de vida material, ainda conforme Marx, determina os processos social, político e espiritual da vida” (PERONI, 2003, p. 22), outras correntes de pensamento podem ser identificadas quando discutimos o papel do Estado, porém podemos dizer que mantém alguma proximidade com as ideias dos liberais, dos keynesianos ou dos marxistas.

Torna-se fundamental pensarmos o papel desse modelo de Estado nas chamadas reformas que caracterizaram a virada do século XX para o século XXI. Estas refletem as transformações objetivas e subjetivas do mundo capitalista e da produção do mundo material nesse momento histórico. O Estado-Nação foi e continua a ser, na atualidade, elemento fundamental na definição das políticas públicas, por outro lado, assume novas configurações.

Em diferentes localidades novos arranjos foram organizados, entretanto, permanecem ações reservadas ao Estado que, paradoxalmente, diminui sua atuação como executor das políticas, mas amplia suas ações de controle. Para Afonso2 (2001, p. 37):

[...] em algumas situações se produziu um desequilíbrio (paradoxal) a favor do estado e em prejuízo do livre mercado, por causa das tensões e contradições assentes na fórmula política da “nova direita” que se caracterizou por exigir um estado “limitado”, portanto, mais reduzido e circunscrito nas suas funções, mas, ao mesmo tempo, “forte” enquanto mecanismo de coerção e controlo social.

Estudos desenvolvidos no Brasil por Adrião (2006), Peroni (2003; 2005), Peroni, Oliveira e Fernandes (2009) e Werle (2012) sinalizam para os limites da oposição esquemática entre neoliberais e defensores do Welfare State, mas também para os limites das teorias marxistas e neomarxistas para explicar o papel do Estado. A mesma

2 Para uma análise mais completa sobre os movimentos de Reforma do Estado ver: Afonso (1998a; 1998b).

realidade se observa no contexto internacional no qual existem novas configurações e novos atores políticos nacionais e internacionais, bem como a emergência de novos movimentos sociais que interpenetram as ações e definições antes exclusivas do Estado Nação. Para Afonso (2001, p. 37), “Dois exemplos paradigmáticos podem ser referenciados a este propósito: a promoção de quase-mercado e as relações com o terceiro sector”.

Emergem novos arranjos institucionais que não se prendem em classificações convencionais, se caracterizando pela interpenetração das esferas pública e privada no atendimento de demandas sociais, antes de responsabilidade exclusiva do Estado. Verifica-se, ainda, que:

[...] sob a mesma designação de Estado está a emergir uma nova organização política mais vasta que o Estado, de que o Estado é o articulador e que integra um conjunto híbrido de fluxos, redes e organizações em que se combinam e interpenetram elementos estatais e não estatais, nacionais e globais (SANTOS, 1998, p. 59).

Identificando características comuns às reformas em diferentes localidades, Boron (2003) expressa que estas giraram sobre três eixos: o desmantelamento do setor público; o crescente grau de “debilidade estatal”, definida pela dificuldade cada vez maior das instituições em disciplinar empresas e mercados e; por fim, a fenomenal deterioração da noção de “responsabilidade estatal”, em áreas ligadas ao bem estar geral, ao desenvolvimento econômico, a seguridade e a busca por justiça.

Nesse processo, se desenvolve um debate público marcado por forte carga ideológica, em “que coloca en lós mercados toda la pureza, toda la bondad, toda la eficiência, toda la creatividad de la vida econômica, y que coloca en lós Estados todos lós elementos irracionales, ineficentes incompetentes y corruptos” (BORON, 2003, p. 40). Essa perspectiva, maniqueísta, acaba por ocultar as complexas relações que se estabelecem entre as transformações das forças de produção e a organização do Estado.

Os países sob o modo de produção capitalista passaram por períodos de redefinição do papel do Estado que historicamente acompanham os ciclos de transformação das formas de produção e, consequentemente, as relações sociais delas decorrentes. Por essa perspectiva de análise, evidencia-se que diferentes países com inserção heterogênea na divisão internacional do trabalho e com graus de desenvolvimento desiguais têm, consequentemente, peculiaridades. Por esse motivo não temos uma homogeneidade em torno das reformas, mas movimentos díspares em que

cada país adequa suas demandas com as diretrizes gerais emanadas pelos países centrais, de acordo com a configuração do conjunto de forças locais.

Este contexto geral, marcado pelo avanço das ideias neoliberais, se consolida inicialmente em alguns países, notadamente Estados Unidos e Inglaterra na década de 1980. Em um segundo momento, estas proposições ganham força e se espalham por toda a América Latina, principalmente na década de 1990, constituindo-se no pano de fundo do que se convencionou chamar de período de “Reformas do Estado” em que se inserem também o período de Reformas Educacionais.

É pertinente considerar que essa periodização não é rígida e que o processo não ocorre de forma linear, existem momentos de avanços e de retrocessos marcadas por intensa disputa social, política e econômica, sustentadas por diferentes matizes ideológicas que se compõe de forma diversa de acordo com o contexto local de cada país ou região.