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1.2 As Reformas Neoliberais na Previdência Social

1.2.5 Reformas Neoliberais na Previdência Social Definições Finais

Inscritas no contexto da crise orgânica do capital nos anos 70 e nos marcos da reação burguesa, as reformas da previdência devem ser entendidas como um processo mundial com interesses de classes e cujos objetivos centrais são a diminuição e a focalização da participação estatal na gestão da política social e a abertura de novos mercados para a valorização do capital112. Representam assim, a tendência neoliberal para a seguridade social sintetizada “[...] em torno de dois pólos: a privatização e a assistencialização da proteção social,instituindo ao mesmo tempo, as figuras do cidadão-consumidor e do cidadão-pobre, objeto da assistência social focalizada.” (Mota, 2002: 55; grifo da autora). Lembrando Coggiola (2003a: 1), partindo do entendimento de que os direitos previdenciários são considerados, numa perspectiva intergeracional, como parte do sistema salarial, então, na verdade, as reformas neoliberais na previdência social dizem respeito à necessidade dos capitalistas de aumentarem a exploração sobre a força de trabalho. Trata-se, além disso, da tentativa burguesa de transformar os salários diferidos dos trabalhadores em fonte de acumulação de capital.

Partindo desse entendimento, entendemos que a discussão sobre o futuro dos sistemas previdenciários deve ter como ponto de partida a fase atual de crise do capitalismo e a incapacidade da reação burguesa de recuperar as altas taxas de crescimento vigentes no pós-guerra. Isso significa dizer que a discussão sobre o futuro dos sistemas públicos de previdência deve se pautar pelos problemas enfrentados por esse regime diante das baixas taxas de crescimento econômico, do crescente

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É o que diz, por exemplo, Oliveira (2003) no seu texto “O ornitorrinco.” 112

Neste sentido, é emblemática a afirmação de Moraes (1999, 12 apud mota, 2002, 58), um então secretário do Ministério da Previdência Social (MPS) brasileiro, de que diante da nova conjuntura internacional e nacional, as políticas públicas de proteção de riscos sociais “[...] está condicionada por uma tendência geral, no sentido de revisar o espaço da iniciativa

pública e das formas tradicionais de atuação estatal em favor do mercado (setor privado) e das ações comunitárias (terceiro setor)” . Com isso, “o Estado deve estar crescentemente estruturado sob o princípio da subsidiaridade, devendo intervir quando necessário em razão da insuficiência ou da inadequação da ação privada comunitária. Assim, a ação deve privilegiar a indução e/ou a regulação dos processos” (Moraes, 1999, 12 apud mota, 2002, 58).

desemprego, dos baixos salários e da precariedade que marcam o mercado de trabalho atual113. Isto é, a chamada crise dos sistemas previdenciários deve ser tratada dentro do contexto da própria crise do sistema capitalista114.

Contudo, na fase atual de hegemonia neoliberal, a fração dominante e seus intelectuais orgânicos, em especial, os especialistas do Banco Mundial, vêm tentando socializar o diagnóstico da incapacidade de sustentação financeira dos sistemas públicos de previdência diante do crescente envelhecimento da população. Assim, conforme é apontado na literatura, a solução dessa crise da previdência social tem sido, na grande maioria dos países, as reformas neoliberais dos sistemas públicos de previdência. Vimos que essas reformas podem ser caracterizadas como reformas estruturais e reformas paramétricas.

Nos marcos da reação neoliberal de reorientação da intervenção estatal na economia, as reformas paramétricas seguem a lógica das reformas neoliberais de austeridade e focalização dos gastos sociais. Representam, como vimos, um processo realizado na grande maioria dos países em que os sistemas públicos de previdência social passam por ajustes através de medidas como o maior rigor na definição dos critérios de elegibilidade, diminuição dos benefícios e aumento das receitas de contribuição. Neste sentido, trata-se de reformas neoliberais paramétricas na previdência social. São assim, reformas que representam a ofensiva do capital sobre o trabalho, através da redução de direitos sociais, no caso, previdenciários.

Já as reformas estruturais – mais aplicadas na periferia e, em particular, em alguns países da América Latina e do Leste Europeu - são caracterizadas pela introdução/expansão nos sistemas de previdência de um pilar privado baseado no regime financeiro de capitalização, gerido pelos fundos

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Neste sentido, concordamos com Bellofiore, quando ele questiona os cenários pessimistas apresentados pelos defensores da privatização da previdência social. Sobre isso, ele diz: “É certo que tais cenários são, quase sempre,

construídos a partir de dados e projeções discutíveis. Para dar apenas alguns exemplos: esquece-se freqüentemente que se os próximos anos são marcados pelo “envelhecimento” da população, os anos de crescimento veloz do segundo pós- guerra também foram caracterizados por uma elevada taxa de dependência em conseqüência das então elevadas taxas de fertilidade, e, portanto, pelo peso que nos inativos tinha o número elevado de jovens em idade de trabalho; dá-se como certo que as taxas de atividade e de emprego permanecem no nível insatisfatório dos nossos anos, enquanto um incremento razoável deles reduziria a relação entre número de pensionistas e o emprego, e, portanto, diminuiria ou inverteria o aumento da cota da despesa previdenciária sobre o produto interno bruto; lança-se para frente a reduzida dinâmica da produtividade por empregado dos anos noventa, quando apenas um retorno aos níveis dos anos setenta e oitenta aumentaria o bolo a dividir entre ativos e inativos; uma elevação moderada dos fluxos migratórios pode contribuir para compensar a redução da população nativa em idade laboral; as políticas que induzem salários reais estagnados ou em redução são responsáveis por uma compressão das contribuições à previdência pública. Poder-se-ia continuar com os exemplos.” (Bellofiore, 2002: 70)

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Conforme lembra Soares (2003: 37), mas num aspecto mais geral, é a crise capitalista que provocou a crise dos sistemas de bem estar social, e não o contrário.

de pensão. São, assim, reformas que introduzem um sistema inteiramente privado de previdência ou um sistema multipilar, com um pilar público reformado e outro privado, obrigatório.

Além disso, uma característica importante dessas reformas, cuja análise está na fronteira entre as reformas estruturais e paramétricas, é a expansão do pilar de previdência privada complementar (terceiro pilar, subsistema privado não obrigatório). Isto é, medidas como o estabelecimento/diminuição do teto do sistema público que, embora não obriguem institucionalmente, favorecem a expansão da previdência privada. Consideramos que a expansão da previdência complementar, que por definição é privada, pois complementa o sistema público, também é uma reforma estrutural, no sentido em que ela representa a privatização da previdência, de forma a transformar aquilo que durante um período histórico se transformou em direito público, gerido pelo Estado, em mercadoria, gerida por instituições privadas.

Ainda é de se destacar uma forte complementaridade que unifica esses dois conjuntos de reformas. Assim, com a diminuição da cobertura e dos valores pagos pelo sistema público apresenta- se a alternativa do sistema privado dos fundos de pensão. Com isso, consegue-se o objetivo de transformar o grande montante de recursos advindo dos salários diferidos dos trabalhadores em fundos privados para a acumulação de capital115. Ampliar as possibilidades de valorização do capital, ampliar os negócios, é este o objetivo fundamental das reformas na previdência social.

Desse processo, é de se destacar também o papel ativo do Banco Mundial como principal formulador e financiador das reformas neoliberais na previdência social. Vimos, que de sua reforma multipilar, emergem sistemas previdenciários baseados em dois pilares principais. Um, público, residual e focalizado, ligado ao atendimento da amenização da pobreza na velhice, e outro, principal, privado, organizado sobre a forma do regime de capitalização e administrado pelos fundos de pensão. Disso, entendemos que a proposição básica do Banco Mundial é bem clara, diminuir, reformar ou acabar com os sistemas públicos de previdência social e instituir o regime de capitalização, baseados nos fundos de pensão. Focalização de gastos e privatização, esses são os vetores que subsidiam as reformas neoliberais defendidas pelo Banco Mundial.

Com isso, nos resta pensar o Brasil e, em particular, os trabalhadores brasileiros neste contexto. Conforme lembraremos no próximo capítulo, as reformas realizadas nos anos 90, no Brasil, vêm sendo consideradas como reformas paramétricas (Mesa Lago, 1997a, 1997b, 2003; Matijascic

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É o que diz, por exemplo, Granemann & Saldanha (2003: 2) “O segredo dos ataques à Previdência Social e aos

servidores públicos, revela-se na necessidade do modo capitalista de produção de encontrar novos montantes de capital para o financiamento de sua acumulação em mais um de seus momentos de crise.”

2002). O Brasil, apesar dos incentivos à expansão da previdência privada voluntária, ainda continua tendo um sistema público de previdência preponderantemente financiado pelo regime de repartição com benefícios definidos. Lembrando Matijascic (2002: 40-54), ainda não se implantou a reforma multipilar do Banco Mundial, já que o sistema continua tendo dois pilares, um, público, obrigatório e, outro, privado, mas voluntário116. Diante disso, o próximo capítulo tem por objetivo responder a seguinte questão: A reforma da previdência do governo Lula pode ser caracterizada como uma reforma neoliberal? A seguir, discutiremos estas questões.

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Sobre isso, a hipótese de Marques é que o sistema brasileiro ainda não foi privatizado porque “[...] além da resistência

dos trabalhadores às reformas - que no caso brasileiro não foi tão efetiva - o grau de institucionalização e universalização impede sua substituição por um regime privado, pelo menos nos marcos da democracia.” (1998, 14)