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Com o passar do período presidencialista de João Goulart, esse tentava se apoiar em programas que o aproximasse da massa populacional brasileira, a fim de manter a estabilidade de seu governo. Para isso, tornou-se fundamental colocar em vigor seu ideal político de implantação de reformas de base. Tendo em vista que esse ideário já se fazia presente no plano trienal de desenvolvimento econômico, isto é, as reformas de base estavam inseridas no plano elaborado por Celso Furtado e San Tiago Dantas.

Segundo Luis Alberto Moniz Bandeira (2010), o papel político de João Goulart estava focado em sua especificidade de orientação nacional reformista, posição essa que expressava em seu programa a implantação das reformas de base cruciais a seu governo e ao desenvolvimento do Brasil.

De acordo com Caio Navarro de Toledo, existiam algumas propostas ideológicas no período que corresponde o pré 1964:

1) Liberalismo não-desenvolvimentista, de orientação não-industrialista. [...] reunidos em torno da UDN, da FGV, do Conselho Nacional de Economia, da Associação Comercial do Estado de São Paulo e outras entidades. Entre os mais conhecidos defensores destas posições estavam Eugênio Gudin e Octávio Bulhões; 2) Liberalismo desenvolvimentista, de orientação não-nacionalista. Perspectiva ideológica que se vincula à burocracia pública. Entidades representativas: BNDE, Comissão Mista Brasil - EUA. Entre seus economistas, destacam-se Roberto Campos, Lucas Lopes, Glycon de Paiva etc.;

3) Desenvolvimentismo privatista: CNI, FIESP. “Herdeiros” de Roberto Simonsen: João Paulo de A. Magalhães, Hélio Jaguaribe e outros;

4) Desenvolvimentistas nacionalistas. Entidades como ISEB, CEPAL, setores do BNDE, PTB. Figuras representativas: Celso Furtado, Ignácio Rangel, Rômulo de Almeida, Evaldo C. Lima, Guerreiro Ramos e Vieira Pinto;

5) Socialistas/Comunistas. PCB e PSB. Intelectuais representativos: Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Jr., Alberto Passos Guimarães e outros. (2004, p. 18- 19).

É notável a percepção que as propostas de reformas apresentadas por Goulart tinham claro aspecto de mudanças que se faziam necessárias dentro das instâncias socioeconômicas existentes no país. “Um projeto de República [...] nacionalista, baseado no protagonismo do Estado em aliança com as classes populares das cidades e dos campos, [...]”. (REIS, 2014, p. 12).

Colocar as reformas de base em vigor seria dar um passo importante no processo de desenvolvimento do Brasil, dentro do contexto nacional reformista que pretendia atingir João Goulart.

Como observou Reginaldo Benedito Dias:

[...] identificado, quando muito, com uma espécie de “capitalismo humanizado e patriótico”, cuja materialização supunha a implantação das chamadas reformas de

base. A rigor as reformas de base, entre as quais se destacavam as reformas agrária e universitária, não se contrapunham ao capitalismo, mas preconizavam em linhas gerais, um desenvolvimento econômico baseado na distribuição de renda, na afirmação do mercado interno e em políticas de perfil nacionalista. (2003, p. 19).

As reformas poderiam servir para Jango em pontos importantes, além de prever um desenvolvimento socioeconômico tão necessário ao país, era a forma encontrada pelo presidente para conseguir apoio popular ao seu governo. A proposta das reformas de base tornou-se a bandeira essencial da fase presidencialista do governo Jango, após a frustração ocasionada pelo desenvolvimento do Plano Trienal.

Ângela de Castro Gomes observou que:

“De 1954 a 1964, vários partidos trabalhistas são criados, e várias são as lideranças que no interior do PTB, buscam redefinir os conteúdos programáticos do partido e suas bases de atuação [...]. Um tempo que evidenciou o poder de apelo do trabalhismo [...] a ideologia trabalhista continuou marcada pela defesa dos direitos do trabalhador, pelo sindicalismo, pelo nacionalismo e pela proposta de um Estado intervencionista e protetor, [...] vinculou-se abertamente a outras questões, entre as quais a luta pelas reformas de base”. (2007, p. 74-75).

A atuação de membros do PTB, não a sua maioria, mas uma quantidade significativa assumia posição de nacional reformismo e atrelavam-se a João Goulart, em um posicionamento programático partidário, sendo que esse posicionamento estava alinhado às questões que estavam contidas nas propostas de reformas. A palavra de ordem do presidente Jango com o correr do ano de 1963 passou a ser de “colocar as reformas em prática”.

Lucília de Almeida Neves destacou que

Reforma agrária, controle de remessas de lucros, extensão do direito de votos aos analfabetos, reforma da Previdência Social, restrição aos investimentos estrangeiros, incentivo as organizações de trabalhadores rurais, amplo programa de sindicalização dos trabalhadores urbanos, eram propostas e ações que conformaram à utopia reformista (2014, p. 79).

É nosso intuito observar na sequência as reformas pretendidas por João Goulart, verificando alguns elementos contidos nas propostas apresentadas por elas.

Conforme Luis Alberto Moniz Bandeira (2010), as reformas foram enviadas ao Poder Legislativo em forma de mensagens nos anos de 1963 e 1964. Pretendiam dar solução aos problemas socioeconômicos existentes no Brasil. As propostas de reformas logo se tornaram a grande marca de Jango e, posteriormente, causaram fortes motivos para sua deposição no golpe civil-militar de 1964.

Para melhor compressão dos itens contidos nas mensagens das reformas de base enviadas por João Goulart ao Congresso, foi oportuno observar um trabalho contido no CPDOC/FGV7:

a) A reforma agrária:

No que se refere à reforma agrária, nesse primeiro item a ser observado estava contido na mensagem presidencial aos parlamentares brasileiros que de imediato deveria ocorrer uma alteração no texto constitucional para tornar viável em questões econômicas à implantação da reforma agrária no país.

Conforme apresentava a Carta Magna de 1946, os pagamentos que deveriam ser realizados com a desapropriação das terras para a realização da reforma agrária traziam em seu teor “pagamento prévio em dinheiro”. O texto apresentado dessa forma tornava inviável a realização dessa reforma por uma questão onerosa, o Estado não suportaria realizar os pagamentos das desapropriações que deveriam ser realizadas. Porém, não era esse o único problema, pois, esse tema tornara-se muito controverso propenso a negociações suspeitas e fraudulentas.

Para tanto, Jango propunha que esse item fosse alterado para pagamento com “títulos da dívida pública do Estado”. Fator esse que causou grande conturbação, conforme apresenta Caio Navarro de Toledo

Diante da proposta do Presidente da República, unem-se proprietários rurais, setores da Igreja, congressistas liberais e conservadores, imprensa e etc., para denunciar a “reforma agrária radical” cogitada, segundo eles por Goulart. Na ótica desses grupos, a “revolução agrícola” deveria se fixar na “obediência aos preceitos constitucionais aliada a interesse prioritário pelo estimulo à produção” (1982, p. 31).

Segundo a análise de Toledo (1982), a reforma agrária também se referia a uma distribuição de terras mais justa para a população brasileira e juntamente acesso ao crédito para os trabalhadores rurais. O direito à propriedade estaria condicionado ao bem estar social, o que deveria promover maior acessibilidade à economia das camadas populares da sociedade brasileira.

7Esse trabalho que se refere às reformas de base do período do governo João Goulart, encontra-se organizado

em forma de verbete. MENANDRO. Heloísa. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro – Pós-1930. Rio de Janeiro: CPDOC, 2010. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br. Acesso em: 13/06/2011.

A proposta também previa a desapropriação das terras consideradas improdutivas. As terras que estivessem às margens das ferrovias e rodovias nacionais seriam utilizadas para a realização da reforma agrária (BARROS, 1992).

b) A reforma administrativa:

A reforma administrativa apresentava de imediato um ajuste na máquina administrativa federal. Na visão do governo Jango, tornava-se necessário um processo de reestruturação no aparelho do executivo federal. Essa reforma visava dar suporte a um órgão denominado Coordenação do Planejamento Nacional. Esse órgão teria o caráter de embasar os projetos considerados prioridades pelo governo no que se refere à iniciativa de buscar crescimento econômico e a modernização para o país.

Deveriam ser observados três pontos principais na reforma administrativa, conforme Heloísa Medrando (2010):

I) observar propostas a fim de modernizar e reorganizar o sistema administrativo federal;

II) alterar o sistema de material no serviço público e civil brasileiro;

III) direcionar observações que se faziam necessárias ao Tribunal de Contas da União.

c) A reforma educacional ou reforma universitária:

A princípio, a reforma educacional ou universitária tinha como seu foco principal atribuir modificações em seus mecanismos de disciplina com a finalidade notável de ampliar e estabelecer aos docentes garantias que proporcionasse exercer suas funções com inteira liberdade para trabalhar. Aconteceria a “reforma universitária, assegurando plena liberdade de ensino e abolindo a vitaliciedade de cátedra” (BANDEIRA, 2010, p. 314).

Outros pontos importantes previam a estabilidade na carreira do magistério e a elaboração de processos de seleção para que profissionais habilitados pudessem exercer a função docente no país. Tendo em vista a categoria estar apresentando altos índices deficitários.

Essa reforma visava à valorização do ensino público e sua ampliação por todo o território nacional, trazendo bases para combater o analfabetismo tão presente no Brasil naquele momento.

d) A reforma bancária:

Com todo problema inflacionário vivenciado no país, o presidente João Goulart visava à implantação de um órgão responsável e controlador dotado de autonomia com a finalidade de decidir e direcionar a política monetária e bancária. Esse órgão deveria agir de forma firme em relação ao processo de inflação descontrolada que se fazia presente em todo território brasileiro.

As medidas que a reforma bancária previam e que foram enviadas ao congresso em forma de mensagem deveriam dar suporte ao governo para explorar créditos necessários com a finalidade de impulsionar as forças de produção existentes no país, ajudando a afastar a crise econômica que rondava a sociedade brasileira.

e) A reforma política ou reforma eleitoral:

Em relação à reforma política ou eleitoral, essa tinha como finalidade buscar garantias de participação eleitoral a uma massa populacional que não fazia parte do quadro das pessoas aptas a votarem nas eleições existentes no país. Trazia em seu teor a “reforma política, extensão do direito de voto aos analfabetos e praças de pré, segundo a doutrina de que os alistáveis devem ser elegíveis” (BANDEIRA, 2010, p. 314).

Segundo Bandeira (2010), em 1963, o Brasil contava com uma população de cerca de quase 70 milhões de pessoas, e a população votante não atingia a casa dos 25%, ou seja, menos de um quarto da população brasileira estaria apta a votar e escolher seus representantes.

Essa reforma previa uma alteração direta na Carta de 1946, a qual impedia o voto dos praças e também das pessoas analfabetas. A alteração na constituição abriria caminhos para que essas pessoas pudessem ter o direito ao voto, aumentando o contingente apto a participar dos processos eleitorais.

f) A reforma fiscal ou tributária:

Essa reforma tinha como foco modernizar o aparelho arrecadador existente no Brasil e, juntamente com isso, buscar formas de combater a sonegação e as fraudes fiscais existentes no país. Esse objeto já se fazia presente no governo Jango desde o período

parlamentarista, e propunha a criação de impostos a serem arrecadados pela fazenda nacional aumentando a arrecadação do país.

Fazia parte dos assuntos propostos pelo governo Jango os seguintes temas:

O imposto de renda, imposto de consumo, imposto do selo, imposto único sobre lubrificantes líquidos e gasosos, imposto único sobre energia elétrica, contribuições de melhoria, disposições sobre conselhos de contribuintes, conselho superior de tarifas e processo fiscal e disposições diversas. (MENANDRO, 2010).

O governo acreditava que com essas medidas poderia criar condições para controlar a balança tributária que estava com saldo devedor, e isso ajudaria a controlar e estabilizar o caixa dos cofres públicos do país.

g) A reforma constitucional:

Por último, há de observar a reforma constitucional, que foi uma mensagem também enviada ao Congresso e tinha por finalidade realizar modificações na Carta Magna de 1946, e possibilitar a implantação e a viabilização das reformas de base propostas pelo governo.

Previa a “reforma da constituição para delegação de poderes legislativos ao presidente da República”. (BANDEIRA, 2010, p. 314). A reforma da Constituição de 1946 abriria espaço para a realização de outras reformas prevendo nitidamente a incorporação e alteração de parágrafos no texto constitucional que se referiam diretamente as reformas de base. Como exemplos observados nos pontos existentes na reforma agrária e na reforma eleitoral ou política.

As reformas não eram vistas com bons olhos por setores conservadores, sendo civis e militares oposicionistas ao governo. A cada vez que se falava em reformas de base no país, posições de grupos progressistas e conservadores dentro da sociedade se divergiam, agitando as instâncias políticas existentes no Brasil.