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Foi no final da década de setenta que o papel tradicional do Estado começou a ser questionado, abrindo caminho para uma nova reforma do Estado baseado na introdução do modelo empresarial no setor público, o chamado New Public Management.

Até então vigorava o período do chamado “Estado Providência”, circunscrito ao tempo que medeia entre 1945 a 1980 e que defendia dever ser o Estado a garantir as respostas para todas as necessidades dos cidadãos (Carvalho, 2009), devendo este ter o papel legítimo de providenciar pelo menos alguns serviços públicos e, não tendo capacidade para o fazer, estabelecer parcerias com as instituições privadas e de caridade (Osborme & McLaughlin apud Carvalho, 2009)3.

Segundo Escoval (2003), pelo menos quatro fatores socioeconómicos contribuíram fortemente para fazer explodir a crise do Estado:

a) A crise económica mundial, iniciada em 1973 durante a primeira crise do petróleo e que foi retomada ainda com mais intensidade em 1979 durante a segunda crise do petróleo. A economia mundial enfrentou um grande período recessivo nos anos oitenta e nunca mais retomou os níveis de crescimento atingidos nas décadas de cinquenta e sessenta;

b) A crise fiscal foi o segundo fator a enfraquecer as bases do antigo modelo de Estado. Após ter crescido durante décadas, a maioria dos governos não tinham recursos para continuarem a financiar os seus défices e, assim, os problemas fiscais tendiam a agravar-se na medida em que se iniciava, sobretudo nos EUA e Reino Unido, uma revolta dos contribuintes (taxpayers) contra a cobrança de mais impostos, principalmente porque não se vislumbrava uma relação direta entre o acréscimo de recursos afetos às políticas públicas e a melhoria dos serviços públicos;

c) O terceiro fator consistia naquilo que se denominava como situação de "ingovernabilidade”: os governos estavam inaptos para resolver os seus principais

3 Osborme, S & McLaughlin, K – The New Public Management in Context. In K. McLaughlin, S.

Osborne & E. Ferlie (Eds.), New Public Management. Current and future prospects (pp. 7-15). London e New York: Routledge, 2002.

problemas, pois encontravam-se sobrecarregados com atividades acumuladas ao longo do pós-guerra, acrescido do facto dos grupos de pressão, os clientes dos serviços públicos e todos os beneficiários das relações neocorporativas, vigentes, não quererem perder o que para eles eram conquistas e que para os neoliberais eram grandes privilégios;

d) Por último, a globalização e todas as transformações tecnológicas que transformaram a lógica do sector produtivo também afetaram profundamente o Estado. O enfraquecimento dos governos para controlar os fluxos financeiros e comerciais, conjugado com o aumento do poder das grandes multinacionais, resultou na perda de parcela significativa do poder dos Estados ditarem políticas macroeconómicas.

Apesar de alguma falta de consenso entre os autores sobre o seu significado, a NPM surge como um conceito que pretende designar todas as mudanças encetadas nas últimas décadas no setor público nos países desenvolvidos (Carvalho, 2009).

Segundo Hood (1991) a NPM compreende um “conjunto de reformas administrativas semelhantes que dominaram a agenda de reforma burocrática em muitos países que constituem o grupo da OCDE desde os anos 70”. Por sua vez, Pollitt (1990) considera que a NPM pode ser vista como um corpo de pensamento de gestão, baseado em ideias com origem no setor privado e importadas para o setor público.

Hood (1991), apresenta sete componentes doutrinais da NPM:

a) Gestão profissional ativa no setor público, permitindo maior liberdade; b) Normas e medidas explícitas de performance com objetivos mensuráveis;

c) Maior ênfase nos controles dos resultados ao invés de se focar nos procedimentos; d) Mudança para a desagregação de unidades no setor público, dividindo grandes

estruturas em unidades mais pequenas, transformando-as em centros de custos com uma maior autonomia de gestão;

e) Mudanças para maior competitividade entre o setor público e o setor privado; f) Aposta nos estilos do setor privado para práticas de gestão e aposta em maior

disciplina e parcimónia no uso de recursos, com o objetivo de se obter uma maior eficiência na utilização de recursos.

De facto, um dos princípios basilares da NPM é, segundo Carvalho (2009), a substituição de formas de coordenação baseadas na hierarquia por formas de coordenação baseadas no

mercado ou quase-mercado, como forma, por um lado de aumentar a eficiência e reduzir custos, e por outro como instrumento para proceder a uma redistribuição dos recursos e aumentar, assim, o bem estar social.

As reformas iniciadas, apesar de convergirem em vários aspetos, nomeadamente na ênfase dada à eficiência, à efetividade, à redução de despesas e à competição entre os serviços, apresentam diferenças consoante a matriz ideológica de cada País.

Para Raposo (2007), nos países onde imperava o modelo de Beveridfe iniciou-se o processo de separação entre o financiamento e a prestação de cuidados com consequente diminuição do envolvimento direto do Estado; por seu turno, nos países onde imperava o modelo de Bismarck, a reforma centrou-se na aprovação de medidas de contenção de custos, na acreditação e no controlo da qualidade, na responsabilidade pela gestão dos hospitais públicos e no financiamento de cuidados para os excluídos do sistema de saúde. De acordo com Campos e Simões (2011), embora a linha que separa atualmente os modelos seja menos nítida em relação às funções do Estado, podem existir diferenças consideráveis na sua aplicação: nos países de modelo Beveridge, com sistemas integrados de financiamento e de prestação de cuidados, os poderes públicos estão diretamente envolvidos no planeamento e na gestão dos serviços, pelo que a afetação de recursos constitui um instrumento fundamental nas políticas de saúde. Por outro lado, nos países de modelo Bismarck, as funções do Estado realizam-se na afirmação dos princípios gerais do funcionamento dos seguros de saúde e do sistema de prestação de cuidados, na aprovação de medidas de contenção de custos, na acreditação e no controlo de qualidade, na responsabilidade pela gestão dos hospitais públicos e no financiamento de cuidados para os excluídos do sistema de seguros (Campos e Simões, 2011).

Em diversos países, a estratégia desenvolvida recorreu à combinação de elementos dos dois modelos - procurou-se uma utilização plural de incentivos típicos do mercado, mantendo a propriedade pelo setor público. "Esta solução híbrida teve diversas designações: mercado interno, competição pública, competição gerida, mercado de prestadores e quasi-mercado" (Campos e Simões, 2011:71).

Saltman (1994) identificou como padrão comum às reformas dos sistemas de saúde na Europa ocidental o afastamento dos governos do planeamento direto e da gestão, e a manutenção ou reforço do papel de reguladores.

A utilização de mecanismos de tipo mercado nos sistemas públicos e sociais produziu uma reconfiguração da organização dos sistemas de saúde e, em particular, uma crescente empresarialização da atividade (Busse & Saltman, 2002).

No mesmo sentido, a OMS sustenta que a partir dos anos oitenta do século passado, em muitos países europeus, os governos começaram a questionar a estrutura de administração dos seus sistemas de saúde, e nos países em que o Estado era o ator central no setor da saúde, os decisores políticos foram compelidos por uma combinação de aspetos económicos, sociais, demográficos, gestionários, tecnológicos e ideológicos, a rever a governabilidade do sistema. Nos países em que o Estado tinha um papel menos central da saúde desenvolveu-se um processo similar (WHO, 1996, apud Campos e Simões, 2011)4.

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