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Refrações do princípio da vedação do excesso (princípio da

2.2. L IMITES À LIBERDADE RELIGIOSA

2.2.4. Refrações do princípio da vedação do excesso (princípio da

elemento integrante da categoria “limites dos limites” (Schraken-Schranken)282 no objetivo de

controle das medidas estatais de restrição a direito fundamental283, perscrutando-se a

legitimidade constitucional destas a fim de que se evitem violações e consequentes inconstitucionalidades em razão de sua possível excessividade284. Vinculado à cláusula-

princípio do Estado de direito, KIRCHHOF ressalta a sua importância no controle das medidas que afetam direitos fundamentais, reiterando a necessidade de que as leis devem se limitar às necessárias para a regência do convívio social, evitando assim excessos legiferantes285.

A composição trifásica do princípio da vedação do excesso – adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito286 – exige que as medidas estatais restritivas de direitos

fundamentais sejam submetidas a uma fiscalização reforçada, cujos elementos devem ser respeitados em sua integralidade e totalidade, sendo suficiente a afronta a um deles para que se tenha por excessiva a medida e assim tida por constitucionalmente ilegítima. A vedação do

281 Sobre a designação aqui acolhida como “vedação do excesso”, adotamos as razões expostas em NOVAIS, Jorge

Reis – As restrições aos direitos fundamentais..., op. cit. pp. 729-736, para que não se confunda com o seu terceiro sub-elemento, qual seja, a proporcionalidade em sentido estrito. Quanto à sua origem no Direito Administrativo – em especial no Direito de Polícia (Polizeirecht) – e no Direito Constitucional alemão, cfr. LERCHE, Peter –

Übermass und Verfassungsrecht: zur Bindung des Gesetzgebers an die Grundsätze der Verhältnismäßigkeit und der Erforderlichkeit. Goldbach: Keip Verlag, 1999. pp. 24-28.

282 A expressão “limites dos limites” quer expressar o complexo de limitações imposto ao Poder Público –

especialmente sobre a esfera do legislativo – quando da imposição de restrições aos direitos fundamentais. Neste sentido, e consagrando o princípio da vedação do excesso como o instrumental mais relevante na matéria, cfr. PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard – Op. Cit. pp. 137 e 138; da banda portuguesa, vinculando a expressão aos requisitos previstos no art. 18º, nº. 2 e 3, Constituição da República Portuguesa de 1976, ver CANOTILHO, José Joaquim Gomes – Direito constitucional..., op. cit. p. 451; e MENDES, Gilmar Ferreira – Direitos

fundamentais e controle de constitucionalidade..., op. cit. p. 41.

283 Entenda-se o termo restrição em sentido lato, englobando as restrições stricto sensu e as intervenções restritivas.

Sobre estas, cfr. tópico 2.2.1.

284 Neste sentido, dispõe o art. 18º, nº. 2, Constituição da República Portuguesa de 1976: “(...) devendo as restrições

limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

285 KIRCHHOF, Paul – El Estado de Derecho. In Jorge Alguacil González-Aurioles; Ignacio Gutiérrez Gutiérrez

(eds.). Constitución: norma y realidad. Teoría constitucional para Antonio López Pina. Madrid: Marcial Pons, 2014. pp. 150 e 152.

286 Numa explanação resumida para os efeitos da presente investigação, a adequação exige uma relação de

causalidade entre a medida restritiva e o fim perseguido com a restrição imposta; a necessidade tende à verificação da exigibilidade da medida restritiva, questionando-se a existência de medida alternativa que seja menos restritiva e tão efetiva quanto aquela operada; por fim, a proporcionalidade em sentido estrito quer testar a adequada relação de ponderação e equilíbrio entre os bens imbricados, ou seja, entre o bem restringido e o bem que se quer proteger através da restrição impingida. Para uma conceituação dos sub-elementos da vedação do excesso, cfr., dentre outros, MIRANDA, Jorge – Curso de direito constitucional. Vol. 1: Estado e constitucionalismo, constituição,

direitos fundamentais. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2016. p. 299; CANOTILHO, José Joaquim Gomes

– Direito constitucional..., op. cit. pp. 269 e 270; de forma pormenorizada, NOVAIS, Jorge Reis – As restrições

aos direitos fundamentais..., op. cit. pp. 736-765; BONAVIDES, Paulo – Curso de direito constitucional. 31ª ed.

atual. São Paulo: Malheiros, 2016. pp. 405-407; SILVA, Virgílio Afonso da – Direitos fundamentais: conteúdo

excesso é o locus jurídico-constitucional da “ponderação de controle” (Kontrollabwägung), através da qual o órgão de jurisdição constitucional – maxime os Tribunais Constitucionais – controlará a legitimidade da “ponderação de saída” (Ausgangsabwägung) realizada pelo legislador, pela Administração e pelo Poder Judicial naquilo que concerne às restrições de direitos fundamentais287.

Assim, será este princípio o instrumental indispensável para que se ponham à prova as restrições impostas ao direito fundamental à liberdade religiosa decorrentes dos juízos de ponderação operados em sede de “reserva geral imanente de ponderação”, até mesmo porque representa a forma mais adequada e responsável de verificar as operações de otimização de direitos fundamentais que assumem a estrutura principiológica. Nessa linha, assinala BOROWSKI que, partindo do pressuposto de ALEXY de que os princípios constituem “mandados de optimização”, os sub-elementos da adequação e da necessidade controlam a realização principiológica quanto às respectivas possibilidades fáticas, enquanto o sub-elemento da proporcionalidade em sentido estrito controla a optimização quanto às possibilidades jurídicas de realização288. Isto posto, vejamos algumas refrações do referido princípio em sede de

controle de restrições.

O Tribunal Constitucional Federal alemão (Bundesverfassungsgericht), ao enfrentar o conflito entre os direitos fundamentais à liberdade religiosa, à liberdade de profissão e o dever do Estado e dos indivíduos quanto à proteção dos animais (aqui visualizado sob a proteção dos bens constitucionais “meio ambiente” e “fauna hígida”), no contexto do julgamento da

Schächten-Beschluß (BVerfGE 104, 337), aplicou o princípio da vedação de excesso à Lei de

Proteção dos Animais (Tierschutzgesetz), em especial ao disposto em seu §4º., nº. 2, frase 2 (contemplava exceção à vedação estatal quanto ao sacrifício de animais sem anestesia prévia desde que presentes determinados requisitos), concluindo pela sua constitucionalidade ao lhe aplicar interpretação conforme à Constituição (verfassungskonforme Auslegung)289. Na

hipótese, tratava-se de recurso de amparo (Verfassungsbeschwerde) intentado contra decisões de autoridades administrativas e judiciais que haviam negado a um açougueiro muçulmano praticante do segmento sunita, autorização para que o mesmo pudesse, mediante o disposto no §4º., nº. 2, frase 2 da Lei de Proteção dos Animais, continuar a realizar o sacrifício ritual de

287 É neste sentido que MAYER, Matthias – Untermaß, Übermaß..., op. cit. p. 41, assevera a vinculação do

legislador, quando da tarefa de ponderação no contexto da realização da concordância prática, a observar o princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade.

288 BOROWSKI, Martin – Grundrechte als Prinzipien. p. 135.

289 Para a descrição das circunstâncias do caso e da decisão prolatada pelo Tribunal, cfr. SCHWABE, Jürgen –

Jurisprudencia del Tribunal Constitucional Federal Alemán: extractos de las sentencias más relevantes compiladas por Jürgen Schwabe. México: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2009. pp. 183-190.

animais conforme a sua crença religiosa, pela qual se exigia o abate de animais sem que lhes fosse aplicada anestesia.

Consideradas as implicações legais da disposição normativa sobre os direitos à liberdade de profissão (art. 12, GG, protegida na hipótese de forma subsidiária pelo art. 2, nº. 1, GG) e à liberdade religiosa (art. 4, nº. 1 e 2, GG) do Recorrente, aplicou o Tribunal o princípio da vedação do excesso, reconhecendo a restrição como legítima em termos constitucionais, eis que, sendo adequada e necessária, direcionava-se de forma idônea ao atingimento do objetivo subjacente à sua regulação (“proteção dos animais dirigida eticamente”) e, sendo proporcional

stricto sensu, havia procedido à escorreita ponderação entre os direitos, bens, valores e

interesses constitucionais imbricados. Portanto, e satisfazendo não apenas os fins de proteção aos animais, mas também o direito à liberdade religiosa e à liberdade de profissão do Recorrente, utilizou-se o Tribunal de interpretação conforme à Constituição290, considerando,

ao final, que as decisões administrativa e judicial anteriores haviam procedido a uma interpretação que implicara em “limitação desproporcionada” da liberdade religiosa do Recorrente291.

Da banda norte-americana, notória refração do princípio da vedação do excesso292

pode ser encontrada no leading case Lemon v. Kurtzman – 403 U.S. 602 (1971) –, no bojo do qual a Supreme Court construiu o standard consagrado como Lemon test, vocacionado à proteção da Establishment Clause (Emenda nº. 1/1791 à Constituição americana de 1787), tendo o Tribunal avaliado se medidas estatais – in casu, uma lei do Estado da Pensilvânia e uma lei do Estado de Rhode Island – que forneciam ajuda a escolas privadas de ensino religioso violavam aquele mandamento constitucional ao favorecer ou impedir determinada religião293.

De acordo com o standard de controle em três níveis engendrado pelo Tribunal294, considerou

290 SCHWABE, Jürgen – Jurisprudencia del Tribunal Constitucional... op. cit. pp. 185 e 186. 291 Ibidem. p. 190.

292 Insta notarmos que o direito constitucional norte-americano aplica o princípio da vedação do excesso através

da construção e aplicação de standards de controle direcionados à garantia da segurança jurídica e racionalidade dos juízos de ponderação realizados, tal qual o Lemon test a que aqui nos referimos. Neste sentido, NOVAIS, Jorge Reis – As restrições aos direitos fundamentais..., op. cit. p. 897, indica como pontos característicos do modus

operandi da tarefa de controlo das restrições a direitos fundamentais a “variabilidade da intensidade do controlo

judicial” e a “necessidade da estruturação dos procedimentos de controlo judicial”.

293 Para uma descrição completa das circunstâncias do case e de parte da decisão do Tribunal, cfr., dentre outros,

BLACKMAN, Josh – This Lemon comes as a Lemon: The Lemon test and the pursuit of a statute’s secular purpose. Civil Rights Law Journal. Virginia: George Mason University School of Law. ISSN 1049-4766. Vol. 20, nº. 3 (2010), pp. 351-415; BODENSTEINER, Ivan E.; GEISINGER, Alex – An Expressive Jurisprudence of the Establishment Clause. Penn State Law Review. Pennsylvania: Penn State Law. ISSN 1545-7877. Vol. 112, nº. 1 (2007), pp. 77-136; e RAVISHANKAR, Karthik – The Establishment Clause’s Hydra: The Lemon test in the circuit courts. University of Dayton Law Review. Dayton: University of Dayton School of Law. ISSN 0162-9174. Vol. 41, nº. 2 (2016), pp. 261-301.

294 O Lemon test era integrado pelas seguintes fases de controle: a) verificar se a legislação questionada perseguia

que ambas as leis violavam a Establishment Clause ao implicarem um entrelaçamento excessivo entre Estado e religião, declarando-as inconstitucionais. Subjacente ao julgamento do case, procurava o Tribunal proteger não apenas o direito fundamental à liberdade religiosa em sua faceta subjetivo-individual, mas em especial aquilo que concerne à sua dimensão objetiva, tendo em vista o princípio da neutralidade, intentando assim expugar três males observados pelo Justice Burger, quais sejam, o “patrocínio, suporte financeiro e envolvimento ativo da soberania em atividade religiosa”295. Ainda, consigne-se que outros tests foram

engendrados pelo Tribunal em termos de controle das cláusulas de religião da Constituição americana, tais como o Endorsement Test e o Coercion Test296.

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