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O maio de 1777 foi um mês marcado pelo júbilo no Reino: aos 13 deste mês ascendeu ao trono Maria Francisca Isabel Josefa Gertrudes Rita Joana de Bragança, ou D. Maria I (1734-1816). Uma onda de contentamento tomou conta daqueles que haviam sofrido com as intervenções políticas do Marquês de Pombal.349

Em meio à suntuosidade que marcou a coroação, vale destacar o jantar que contou com um vasto cardápio, dentre os insumos, constantes como despesa da ucharia,350

a pesquisadora Ana Marques Pereira fala de

um grande consumo de carne, de que se destacam 4 vitelas [inteiras], 685 arráteis de [cortes diversos de] vaca, 125 arráteis de lombo de vaca, 79 arráteis de carneiro, 60 galinhas para assar, 60 frangas de mão, 48 frangas pequenas, 60 pombos, 18 perdizes, 5 codornizes, 7 capões, 24 adens, 15 perus e 10 leitoas. [...] Foi também elevado o consumo de limões, 600 doces e 600 azedos. Estes eram apresentados à mesa em salada, que consistia na sua apresentação em pratinhos, cortados às rodelas finas sem casca e sem qualquer tempero.351

Apesar da ausência de informações maiores sobre o evento, há indícios de que o responsável pelo serviço fora o mestre Domingos de Abreu, cozinheiro desde a corte de D. José I e que se manteve ainda na corte de D. Maria.352

D. Maria foi conhecida como ―a piedosa‖, já que, por ter grande afinidade com os afazeres religiosos, mandou construir, logo no início de seu mandato, a Basílica de Estrela em Lisboa, episódio que marcou o processo de reaproximação com a Igreja Católica, interrompido durante o período de D. José I.353 A construção da Basílica foi

encarada ora como ―capricho‖, ora como ―excesso beato‖ da rainha, que desprendeu grandes quantias do reino para que fosse erigida.354

349 AMARAL, Manoel. Maria I: a piedosa. Disponível em:

<http://www.arqnet.pt/dicionario/maria1.html>. Acesso em 28 jan 2015, às 16:35 hrs; PEREIRA, 2012, op. cit., p. 123.

350 Compartimento onde guardam-se os mantimentos; despensa. 351 PEREIRA, 2012, op. cit., p. 124.

352 Ibidem.

353 PEREIRA, 2012, op. cit., p. 131-

132; SALDANHA, Sandra Costa. ―Fortuna crítica‖. In: ____. A Basílica da Estrela: Real Fábrica do Santíssimo Coração de Jesus. Lisboa: Livros Horizonte, p. 11-13.

Entre os atos públicos de D. Maria I, a demissão do Marquês de Pombal foi o seu primeiro – e grande – marco. Contudo, a concepção do reino implementada pelo Marquês e mantida por seus simpatizantes, não desapareceu. Um exemplo disso é D. Rodrigo de Souza Coutinho (1745-1812) – futuro Conde de Linhares – ministro da Marinha e Negócios Ultramarinos por sete anos, iniciados em 1796 e da Fazenda entre 1801-1803.355 Preparado em Coimbra para a carreira diplomática, desde cedo

teve contato com as formulações políticas de Pombal:

O admirável na sua fidelidade ao programa pombalino deve-se ao que viu confirmado em vários países, menos ou mais desenvolvidos que o Portugal da época. Ele certamente percebeu que o pombalismo era uma das variedades do gênero depois denominado despotismo esclarecido.356

apesar de sua admiração pelos feitos do Marquês de Pombal, D. Rodrigo acompanhou os fatos de longe, como diplomata em países da Europa, de maneira a poupar-se de ―se envolver de modo direto nas também superlativas intrigas e violências do regime pombalino contra jesuítas e alta aristocracia portuguesa‖.357 Se,

por um lado, preservara sua condição em não pactuar diretamente com os feitos do Ministro de D. José, por outro, sua admiração por suas concepções políticas permaneceram. Um exemplo disso é o fato de, em 1802, D. Rodrigo propor ao príncipe regente, D. João VI, criar um grande império do Brasil, o que seria, para ele, a base da monarquia, ideal já defendido por Pombal.358

Ainda há muito que se conhecer acerca do reinado de D. Maria I. Se alguns trabalhos apontaram como característica a morosidade, a revisão da historiografia tem permitido avaliar os avanços trazidos no período mariano, principalmente no que tange à valorização cultural, tais como a criação da primeira biblioteca pública do país, a Escola de Belas Artes e a Academia de Ciência de Lisboa.359

Vale aqui, discorrermos um pouco sobre um destes feitos do reinado mariano. A Academia de Ciência de Lisboa, uma das obras de destaque da regência de D. Maria I, fora uma instituição criada já com vistas a uma produção calcada na

355 CHACON, 2008, op. cit., p. 13. 356 Ibidem, p. 14.

357 Ibidem, p. 16. 358 Ibidem, p. 12.

ciência,360 – no científico. Tendo a ciência um destaque cada vez mais doutoral por

toda a Europa, a Ilustração, movimento que tinha em seu escopo a visão cientificista e a ―crítica [...] das instituições de uma ordem política considerada arcaica‖,361 se

fizera em Portugal também por meio da instituição da Academia; talvez por isso a instituição não ―levantasse muitas simpatias‖.362 Segundo a filóloga e professora

Raquel Bello Vázques, a Academia ―reunia aquelas pessoas que se colocavam a si próprias neste grupo, e recolhia as aspirações científicas e culturais da aristocracia ilustrada‖363 e, conforme apresentado, calcava sua diferença em relação a outras

academia de letras portuguesas no tipo de produção, já que havia academias exclusivamente poéticas.364

Se as disputas marcaram a esfera política durante o reinado mariano, a mesa da corte e da aristocracia de forma geral, também vivenciou suas disputas. A oposição entre os sabores doces e salgados tornava-se cada vez mais marcante. A pesquisadora Ana Pereira diz que, durante este período, foi possível perceber que ―as referências a doces foram frequentes, atestando a importância que tomavam no dia-a-dia, [como, por exemplo] chocolate, doces, chá e excelente café [adoçados]‖365

após as refeições. É possível notar, portanto, que os doces aparecem com grande destaque após as refeições principais.366 Pari passu a importância dos doces,

ganhou espaço os profissionais responsáveis pela execução da iguaria: os cozinheiros confeiteiros ou pasteleiros. A presença desses profissionais converteu- se em símbolo de destaque, ganhando menção os nobres que tinham em suas casas, além de cozinheiros, confeiteiros responsáveis somente pela confecção de doces/desserts.367

360 VÁZQUEZ, 2003, op. cit., p. 161. 361 MERLO, 2014, op. cit., p. 2582. 362 VÁZQUEZ, 2003, op. cit., p. 165. 363 Ibidem, p. 161.

364 Ibidem.

365 PEREIRA, 2012, op. cit., p. 130. 366 Ibidem, p. 130-131.

3.4 A COZINHA DA CORTE: O SEGUNDO LIVRO DA COZINHA MODERNA