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REGIÃO DAS LAGOAS

No documento Download/Open (páginas 55-58)

Fonte: Google Earth, 2006.

1 – Lagoa Funda 2 – Lagoa Dantas 3 – Lagoa do Siri

Nessa porção do município tem-se pouca urbanização. São poucas as vias de ligação entre as comunidades e, também, entre estas e a área urbana do município (centro administrativo e comercial)33. As construções se resumem às moradias dos moradores fixos e às dos veranistas e numas poucas construções destinadas ao comércio local (bares, padarias, lojas de material de construção e camping). O ambiente que privilegia a natureza, com praias e lavouras comungando áreas próximas, é um dos atrativos para que, no período de dezembro a fevereiro, o turismo infle as comunidades, com grande circulação de carros, pessoas e capital, vindos de locais distantes. Segundo os moradores com os quais conversei, a maioria das pessoas que vem visitar Marataizes é de Minas Gerais, ‘os mineiros’, e alguns gostam tanto que acabam comprando casas para passar as temporadas de férias seguintes, programando um possível estabelecimento definitivo no lugar quando de suas aposentadorias. Essa invasão por parte de estranhos era vista como positiva por parte dos moradores com os quais tive oportunidade de conversar, porém todos demonstraram uma grande preocupação para com os valores que chegam durante o verão: drogas, bebidas, roubos e arruaças se

33 As pessoas costumam se encontrar muito por esses caminhos e as notícias e informações sobre as coisas das famílias da comunidade circulam muito no boca-boca. Que possibilita também possíveis visitas.

tornaram uma constante nos verões dos anos mais recentes (2004, 2005, 2006). Sendo que o verão de 2004 foi especialmente traumático. Um crime chocou as comunidades das Lagoas e foi relatado de modo recorrente pela maioria das pessoas com as quais conversei. Na Lagoa Dantas um senhor que havia optado por fixar residência no local, muito querido por todos, foi torturado e assassinado por jovens que estavam drogados e em busca de dinheiro para mais diversão. Desde então, segundo os entrevistados, a vigilância sobre quem circula pelas comunidades é maior.

Minha presença nas localidades, em março de 2005, foi emblemática no que se refere a perceber o estranhamento dos moradores das comunidades rurais para com um visitante. Neste caso, na condição de visitante pude perceber como é importante conhecer alguém nas localidades para evitar problemas. Apesar de me sentir próximo ao mar, eu era o próprio peixe fora da água.

Recém chegado à cidade, às cinco e trinta da manhã, optei por deixar minhas coisas no hotel e circular pela área urbana da sede do município de modo a perceber como se articulava a sociedade e a economia locais. Mesmo na área central da cidade, a circulação de pessoas não era grande e pude perceber, através de conversas com diversos comerciantes, que a economia do município estava esvaziada após o período forte para o turismo. Mantive conversas com donos e funcionários de diversas lojas e restaurantes e todos falaram da dificuldade de manter seus estabelecimentos abertos durante todo o ano. O panorama pintado era de desolação. A cidade tem alguns poucos prédios novos, sendo que a imensa maioria destes é destinada ao aluguel para os turistas e moradores secundários (que só vão a Marataizes em poucos finais de semana durante o ano e na época de verão) e muitas igrejas. Tomei informações sobre a disposição geográfica e os pontos de referência que os moradores da área urbana tem da cidade como um todo. As principais referências foram: o turismo (tendo as praias, as lagoas e a tranqüilidade como maiores atrativos); a agricultura (principalmente as culturas de abacaxi, mandioca e cana-de-açúcar); as diversas praias e suas peculiaridades (inclusive a impossibilidade de evitar que a faixa de areia da praia da Barra diminua, fato que tem espantado os turistas, segundo alguns “... a praia mais bonita agora está feia e não dá pra ficar lá.”); e, a visível diferenciação da área rural do município. Segundo a maioria das pessoas com as quais conversei na área urbana, o norte seria o lugar das grandes propriedades destinadas a cultura da cana-de-açúcar e o sul o das pequenas propriedades com lavouras de abacaxi e mandioca. Não faltaram também referências ao fato de Marataizes ser município vizinho, limítrofe, Cachoeiro do Itapemirim, terra do rei Roberto Carlos.

Depois dessa rápida incursão na área urbana, decidi me dirigir até localidade na área das Lagoas, zona de roças de abacaxi, onde iria encontrar alguns informantes com os quais mantivera contato no Rio de Janeiro.

Na rua mesmo, busquei informações sobre como proceder para chegar lá e me dirigi até a via principal da cidade para tomar o ônibus. O ônibus prontamente chegou, eu sabia o horário do mesmo e, inclusive, o nome do motorista - nome que foi devidamente conferido – por informações recebidas junto aos transeuntes e pessoas na parada. Outra peculiaridade é a sistema de rádio (caixas de som penduradas nos postes) que costuma transmitir durante todo o dia músicas evangélicas e sucessos nacionais e internacionais. Inclusive, todos os dias às sete horas iniciava-se a programação com o Hino Nacional Brasileiro e às dezoito horas ecoava a oração Ave Maria. Enfim, começava a lidar com o controle e o interconhecimento nas distintas localidades pelas quais passava. Dentro do veículo todas as pessoas conversavam entre si demonstrando se conhecer, com alguma intimidade nas conversas, que versavam sobre o cotidiano das comunidades e a situação das famílias. O motorista sabia o ponto em que cada uma delas iria desembarcar. Eu, neste primeiro momento, optei pó conversar somente com a pessoa que estava ao meu lado e esta vendo que eu não era de Marataizes fez

uma pergunta pra mim que se tornou freqüente: “Está de férias por aqui?”.

Durante o trajeto pude ver dois caminhões com jovens prontos para irem para a cidade comercializar abacaxis (era o final da safra daquele verão). Vi, pela primeira vez em Marataizes, como estavam distribuídos os jovens, os frutos e os carrinhos. Na cabine estavam o motorista e mais dois jovens. Na carroceria estavam mais ou menos cinco jovens, junto à carga de abacaxis, e no alto da carroceria, amarrados, estavam sete carrinhos de mão. Essa distribuição era igual nos dois caminhões. Os caminhões estavam na saída de uma via secundária que se encontra com a via que liga a área urbana às três Lagoas. Fui no ônibus conversando, e sendo observado, e desembarquei no final da linha, na Lagoa do Siri. Voltei caminhando até Lagoa Dantas, onde iria encontrar alguns jovens e conversar com a família de um deles, dona de um pequeno comércio, sobre a possibilidade de alugar um quarto onde eu pudesse passar meus dias. Encontrei facilmente a família, todos na localidade pareciam se conhecer (o que foi mais percebido talvez, pelo fato da família que eu procurava ser a proprietária do maior comércio do local). Cheguei até esta família por intermédio de um jovem, Thiago (23 anos), que acompanhei pelas ruas do bairro do Catete, que é primo do chefe da família, seu Cláudio (52 anos). Thiago me pareceu bem articulado e indicou a casa de seu primo. Ele explicou a localização e como, inclusive no comércio, eu poderia encontrar também muitas pessoas das localidades. Acertei os detalhes de minha estadia e fui percorrer os caminhos da Lagoa Dantas, optando naquele momento em ir até a beira mar, onde, segundo os moradores, ficava a igrejinha católica da comunidade.

A igreja estava fechada, mas pude perceber que começavam a chegar jovens para jogar uma partida de futebol34 no campinho ao lado da igreja da Lagoa.

O futebol foi uma das primeiras formas pelas quais eu observei os jovens da comunidade em seu local de origem. A experiência da observação participante, pelo menos no futebol, foi muito reveladora: a maioria dos jovens com os quais conversei na partida já havia se deslocado com o intuito de vender frutos numa cidade grande, muitos deles no Rio de Janeiro35.

Calmamente me aproximei do campo de jogo (ver Foto 14) e fiquei observando enquanto quatro jovens chutavam a bola a gol enquanto pareciam estar esperando mais amigos para formar os times e começar uma partida. Dois outros que chegavam vieram conversar comigo, pois havíamos nos encontrado algumas vezes pelas ruas do Rio de Janeiro e a curiosidade nos aproximou. Conversava com eles, ambos eram de famílias produtoras de abacaxi e costumavam sair para comercializar, e ia me dirigindo até um banco da praça que fica ao lado da igreja quando eles me convidaram para jogar. Num primeiro momento eu disse que não jogaria que ficaria somente observando36. Foi quando um deles pegou a bola e disse que somente a liberaria para o jogo depois de formados os times. Quando as equipes estavam em formação viu-se que o número de jogadores era ímpar e uma delas ficaria com mais jogadores que a outra. Então um dos mais jovens em campo me convidou novamente a participar. Vendo a animação de todos, resolvi aceitar o convite e optei por sair jogando como goleiro. Estava tomando um lugar importante na equipe. Eu me via como o jogador sob o qual

34O futebol no final de tarde é praticado e muito apreciado por muitos dos jovens de nosso país. Nas comunidades que visitei não é diferente. Na maioria dos finais de tarde dos dias em que estive em Marataizes ouve futebol no campinho da comunidade onde fiquei.

35 Esse primeiro contato, através de uma partida de futebol foi uma bela forma de começar minha relação com todos os jovens das Lagoas. Era comum, depois disso, receber convites para jogar no final de tarde. Algumas vezes pude participar, noutras não. Mas sempre me alegra a lembrança das partidas. 36Imaginem o impacto de um gol contra ou uma falta mais violenta no decorrer de minha pesquisa. Eu imaginei.

recaía a responsabilidade de evitar a entrada da bola na meta. Evitar uma derrota do time ao qual eu fazia parte.

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