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2 A PRISÃO PROVISÓRIA E SUAS ANTINOMIAS

2.2 REGIME ATUAL DA PRISÃO PROVISÓRIA NO BRASIL

Assim, atualmente, no ordenamento jurídico brasileiro, a prisão processual pode ser decretada em casos de excepcional necessidade processual ou investigativa e, ao menos em sua justificação dogmática, não objetiva a punição.

Ressalte-se que a excepcionalidade da prisão provisória não é totalmente difundida. Nos Estados Unidos, a título de exemplo, “a prisão ocorre como efeito natural – pode-se dizer automático – da reunião de indícios suficientes para submeter o suspeito à acusação, geralmente perante o Grande Júri”.99 A liberdade é prevista a partir da fixação de fiança e está altamente sujeita à discricionariedade judicial.

A teoria das medidas cautelares do processo civil foi o aporte teórico utilizado para compatibilizar as prisões provisórias com as novas disposições constitucionais. Tal como conceituado pela doutrina, as prisões cautelares são, na verdade, “um instrumento para a realização do processo para a garantia de seus resultados”100, constante em todos os ordenamentos jurídicos ocidentais. Suas funções podem ser assim divididas: 1) assegurar o desenvolvimento regular do processo em sua atividade probatória (cautelaridade instrumental); 2) assegurar a aplicação da pena em caso de eventual condenação (cautelaridade final); 3) evitar a continuidade de crimes (defesa social).

As prisões provisórias não militares podem ser divididas em: (1) prisão em flagrante, (2) prisão temporária, (3) prisão preventiva. Alguns autores incluem a condução coercitiva para depoimento como modalidade de prisão. Todavia, na ótica deste pesquisador, não se

99CRUZ, op. cit. p. 10

46 cuida do mesmo fenômeno do ponto de vista da criminologia por não importar no encarceramento e, por conseguinte, não produzir os efeitos estigmatizantes da prisão.

Registre-se também ser desnecessária, a estipulação de prisão decorrente de sentença condenatória ou de sentença de pronúncia, uma vez que, atualmente, essas modalidades foram equiparadas à prisão preventiva.101

A prisão em flagrante pode ser realizada por qualquer pessoa do povo contra quem (1) está cometendo a infração penal; (2) acaba de cometê-la; (3) é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; (4) é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. A prisão em flagrante, segundo a doutrina, tem por objetivo imediato o de cessar o crime e possibilitar a obtenção de provas. Contudo, as finalidades da prisão em flagrante cessam com a sua execução, de forma que passou a se exigir que, após um flagrante, qualquer prisão só se mantenha caso estejam presentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal.

A prisão temporária, estatuída pela Lei 7.960/89, prevista para o auxílio da investigação policial, alinha-se à hipótese de cautelaridade instrumental, embora siga requisitos mais restritos e prazos mais exíguos, por ser adstrita ao inquérito policial.

Por sua vez, a prisão preventiva está no centro do sistema brasileiro de prisões cautelares. Na disciplina atual do nosso Código de Processo Penal, conforme as modificações legislativas já referidas, a prisão cautelar, ainda que proveniente de flagrante, de pronúncia ou de sentença condenatória recorrível, só se justifica ante a ocorrência dos fatos descritos no artigo 312 do Código de Processo Penal cumulado com as hipóteses do artigo 313 do Código de Processo.

A prisão preventiva exige, segundo a jurisprudência dominante, a existência de fato típico e de indício de autoria (fumus comissi delicti), bem como o perigo na liberdade (periculum libertatis), evidenciado em uma das hipóteses do artigo 312 do Código de Processo Penal, ou nos requisitos previstos no artigo 1º, incisos I ou III, da Lei 7.960/89.

101A Lei 11.718/2008 dispôs que o juiz fundamentadamente decidirá na sentença se determinará a prisão. Assim,

“no que diz com a prisão decorrente de pronúncia e de sentença condenatória recorrível, a mudança

legislativa consolidou o entendimento de que esses dois atos processuais não podem mais constituir título autônomo de prisão cautelar” (CRUZ, 2011, p. 54). O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 84.078/MG decidiu que a prisão preventiva não deve ser automática nem mesmo quando só forem cabíveis recursos sem efeito suspensivos, como o especial e o extraordinário, tendo em vista que a Constituição Federal, ao estipular o princípio da presunção de inocência estabelece o trânsito em julgado como marco de formação da culpa.

47 As hipóteses previstas pelo artigo 312 do Código de Processo Penal são as seguintes: (1) conveniência da instrução criminal (cautelaridade instrumental); (2) assegurar a aplicação da lei penal (cautelaridade final); e (3) garantia da ordem pública e ordem econômica.

As hipóteses de conveniência da instrução criminal se referem aos casos em que o acusado interfere na instrução criminal, ameaçando testemunhas, destruindo provas ou gerando perturbações a provas do processo. Por sua vez, a aplicação da lei penal refere-se, n mais das vezes, ao risco concreto de fuga.

Para os fins do presente trabalho, importam mais as hipóteses de ordem pública e ordem econômica, que serão analisadas posteriormente no quarto capítulo.

No que concerne à ordem pública, conforme se verá, a jurisprudência caminhou para o reconhecimento da periculosidade como principal hipótese, essa evidenciada na folha penal do acusado ou mediante uma presunção a partir do próprio fato, o que a jurisprudência chama de gravidade concreta do delito. Gabriel Bertin de Almeida salienta que “esse juízo sobre a periculosidade do agente, pelo que apontam nossos tribunais, é o principal e mais vigoroso fundamento da prisão preventiva como garantia da ordem pública”.102 Os fundamentos relacionados ao clamor público, à credibilidade da justiça e ao acautelamento do meio social, aos poucos, foram repelidos pela jurisprudência.

Quanto à ordem econômica, a jurisprudência da Suprema Corte tem salientado que a simples menção à gravidade da lesão econômica não é motivo para a decretação da prisão. A referida Corte também tem entendido que a magnitude da lesão, por si só, não é uma hipótese de prisão preventiva, por ser uma ação neutra do tipo penal (HC 82.909/2003). A lesão econômica, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal no HC 86.758, para ser fundamento de prisão preventiva tem que ser repetida e causar uma lesão sistêmica à ordem econômica.

Havendo qualquer das hipóteses no parágrafo anterior, as prisões preventivas só podem ser decretadas: (1) nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos; (2) se o acusado houver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ainda não passado o prazo de cinco anos do artigo 61, inciso I, do Código Penal; (3) se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Por fim, (4) também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não

102ALMEIDA, Gabriel Bertin de. Afinal, quando é possível a decretação de prisão preventiva para a garantia da

48 fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. Além disso, para o cabimento da prisão, deve-se assumir como eficazes as demais cautelares.

A limitação da prisão preventiva aos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos veio a corrigir uma distorção do sistema, mapeada, inclusive, pela criminologia crítica pelo trabalho realizado por Barreto, em que acusados de crime com pena menor de quatro anos permaneciam presos, não obstante, acaso fossem condenados, o seriam por pena restritiva de direito.103

Por fim, que a Lei 12.403/2011 instituiu diversas cautelares pessoais104, além de modificar todo o sistema. Essa norma foi posterior ao momento focado pela parte empírica da pesquisa, que considerou até o ano de 2010.

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