• Nenhum resultado encontrado

Regime da Participação Final nos Aqüestos

IV. REGIME DE BENS ENTRE OS CÔNJUGES, SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 2002

4.3 Regimes de Bens Admitidos pelo Código Civil de 2002

4.3.2 Características Específicas dos Regimes de Bens

4.3.2.3 Regime da Participação Final nos Aqüestos

É o regime da participação final nos aqüestos, o menos utilizado pelos cônjuges brasileiros, até o momento, dada a sua complexidade e pouca praticidade.

Por esta razão, talvez, a doutrina brasileira pouco se debruçou sobre as especificidades da matéria até a ocasião, em conformidade com sua também escassa ou quase inexistente ocorrência na casuística.

Outrossim, saliente-se que a análise detalhada da integralidade dos aspectos relacionados ao referido regime de bens não é de relevância direta para o enfrentamento do tema objeto do presente trabalho, a saber, a sociedade entre cônjuges (sobretudo casados pelo regime da comunhão universal ou separação obrigatória), na medida em que não foi levantado qualquer questionamento ou óbice até o momento, seja em ambiência legislativa, doutrinária ou jurisprudencial, a respeito da permissão para que cônjuges casados pelo regime da participação final nos aqüestos contratem sociedade entre si ou com terceiros.

Tendo em vista as razões acima expostas, proceder-se-á, a seguir, a um estudo que permita tão-somente compreensão objetiva da mecânica de funcionamento de tal regime de bens, a fim de se manter fidelidade ao corte metodológico do presente trabalho.

À luz dos ensinamentos de Miguel Reale70, esclareça-se, de antemão, que o

regime da participação final nos aqüestos não encontra similar em sistemas jurídicos alienígenas, na medida em que se trata de criação do legislador pátrio apenas influenciada por determinado regime de bens positivado em Quebec, conforme trecho de sua obra a seguir reproduzido:

Antes de concluir estas notas sobre Direito de Família cabe lembrar que se estranhou houvesse sido previsto um ‘regime de participação final nos aqüestos’, não correspondente a nenhum modelo alienígena. Trata-se, efetivamente, de contribuição original que tem alguns pontos de contato com o estabelecido pela Lei que entrou em vigor em Quebec, em julho de 1970.

Consiste a participação final nos aqüestos em regime de bens no qual cada cônjuge é titular de patrimônio próprio, ocorrendo partilha irrenunciável dos bens no momento da dissolução da sociedade conjugal e apenas com relação aqueles bens adquiridos com participação de ambos os consortes na constância do casamento. Esta é a inteligência dos arts. 1.672 e 1.682 do Código Civil em vigor.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery71, amparados no magistério de Rolf Madaleno, assim definem o regime da participação final nos aqüestos:

Pelo regime de participação final dos aqüestos, os cônjuges vivem sob verdadeira separação de bens, vale dizer, cada cônjuge tem a livre administração de seus próprios bens, enquanto durar a sociedade conjugal. A eficácia desse regime de bens quanto à efetiva participação nos aqüestos só surge com o fato jurídico da dissolução da sociedade conjugal.

A partir dessa reflexão, pode-se inferir que estão excluídos de qualquer comunicação os bens amealhados por cada qual anteriormente ao casamento, bem como aqueles adquiridos, a qualquer título, de forma individualizada e sem a contribuição do consorte na constância do casamento, assim como as dívidas correspondentes. É o que nos confirma o comando inserto no art. 1.674 do Código Civil de 2002.

Por conseguinte, para que haja divisão do bem, há de se configurar participação de ambos os consortes em seu processo aquisitivo.

Eis aí uma diferença substancial para o regime da comunhão parcial de bens, porquanto este último contemple presunção de que os bens adquiridos durante a união, de forma individualizada ou conjunta, pertencem a ambos72.

71 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código Civil comentado. 5. ed. rev., amp. e atual.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 785.

Doutrinadores como Silmara Juny Chinelato73 e Flávio Tartuce e José Fernando Simão74 entendem que a interpretação mais acertada do art. 1.672 indicaria que após a dissolução da sociedade conjugal, haveria uma participação dos cônjuges de acordo com sua contribuição para aquisição dos bens na constância do casamento, e não uma meação.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery75, entretanto, entendem que os bens adquiridos na constância do casamento deverão ser divididos pela metade após o término da sociedade conjugal.

Entendimento intermediário parece ser o de Caio Mário da Silva Pereira76, em obra atualizada por Tânia da Silva Pereira, postulando-se que a partilha deve ocorrer de modo a se equalizar os ganhos obtidos por um cônjuge em detrimento do outro na constância do casamento, igualando-se os patrimônios amealhados por ambos naquele período, de modo semelhante a uma sistema contábil de débitos e créditos. No mesmo sentido é o posicionamento de Zeno Veloso77.

Entende-se mais adequado o entendimento enunciado por Silmara Juny Chinelato e Flávio Tartuce e José Fernando Simão, dentre outros, porquanto mais consentâneo com a própria natureza do regime da participação final nos aqüestos, que parece primar pela lógica e pela justiça no sentido de que tão-somente deverão ser partilhados os bens amealhados mediante esforço comum e na exata medida do que cada qual contribuiu.

A corroborar tal entendimento, o art. 1.682 do Código Civil de 2002 menciona expressamente o termo meação, inclusive qualificando-a como irrenunciável.

73 CHINELATO, Silmara Juny. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito de família (arts. 1591

a 1710). Coordenação: Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 18, p. 380.

74 TARTUCE, Flávio e SIMÃO, José Fernando. Direito Civil. São Paulo: Método, 2007. v. 5, p. 154-156. 75 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código Civil comentado. 5. ed. rev., amp. e atual.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 785.

76 PEREIRA,Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 14. ed., de acordo com o Código Civil de

2002, revista e atualizada por Tânia da Silva Pereira. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 5, p. 229-231.

77 VELOSO, Zeno. Regimes Matrimoniais de Bens. In: LEITE, Heloisa Maria Daltro (coord.). Direito de

Outrossim, de difícil aplicação prática parece ser a aplicação do regime da participação final nos aqüestos tal como entendido por Caio Mário da Silva Pereira e Zeno Veloso.

De qualquer modo, trata-se de discussão ainda incipiente e que não chegou a um termo final e pacífico em ambiência doutrinária.

No tocante à administração dos bens próprios, esta incumbe a cada um dos cônjuges. Contudo, somente os bens particulares considerados móveis é que poderão ser alienados sem a necessidade de outorga marital ou uxória, na medida em que tal anuência conjugal se faz necessária quando da alienação dos bens imóveis, conforme interpretação do art. 1.673 da atual codificação civil.

Adicionalmente, o parágrafo único do referido dispositivo legal confere presunção relativa (iuris tantum) a todos os bens móveis como sendo adquiridos posteriormente ao casamento.

No momento da dissolução da sociedade conjugal regida pela participação final nos aqüestos, apurar-se-ão os valores dos bens doados por um dos cônjuges sem que o outro consorte, necessariamente, o autorize, sendo que o bem objeto da doação poderá ser reivindicado pelo cônjuge prejudicado ou por seus herdeiros.

Outrossim, devem ser incorporados ao monte partilhável os valores dos bens alienados e que deveriam ter feito parte da meação, caso o cônjuge prejudicado não queira reivindicar o próprio bem alienado, nos termos do art. 1.676 da codificação civil em vigor.

Com relação aos bens móveis em poder de terceiros, estes se presumem do cônjuge devedor, conforme preleciona o art. 1.680 do Código Civil de 2002.

Diferentemente, os bens imóveis são considerados de titularidade do cônjuge cujo nome conste do registro, salvo impugnação de seu consorte. No entanto, note-se que, neste caso, é invertido o ônus da prova processual, na medida em que a comprovação de titularidade do bem incumbe ao destinatário da acusação (impugnação), o qual deverá

demonstrar que adquiriu o bem imóvel de forma individualizada e sem qualquer contribuição de seu consorte, conforme se depreende do comando inserto no art. 1.681 do mesmo diploma legal.

Por fim, ainda que superiores as dívidas de um dos cônjuges à sua meação, não obrigarão a parcela da meação do outro consorte, bem como de seus herdeiros, à luz do que preleciona o art. 1.686 do Código Civil em vigor.

Após breve compreensão dos aspectos gerais relacionados ao regime da participação final nos aqüestos, cumpre trazer à colação trecho da obra de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery78, que discute acerca de eventual sociedade de fato que venha a ser formada entre cônjuges casados por tal regime de bens.

Ao final do magistério dos referidos juristas, a importante conclusão é no sentido de que deverão ser partilhados entre os cônjuges os bens integrantes de tal sociedade, mas não por qualquer particularidade imanente à natureza do regime da participação final nos aqüestos, e sim pelas conseqüências atribuídas a qualquer sociedade de fato, independentemente do regime de bens adotado, conforme abaixo reproduzido:

Além da possibilidade de cônjuges casados pelo regime de comunhão final nos aqüestos contratarem sociedade (CC 977), nada pode evitar, por óbvio, que o casal estabeleça sociedade de fato entre si. Se isto ocorrer, o que não será incomum, ensejará a apuração e a divisão do patrimônio comum adquirido, da mesma forma como se dissolve a sociedade de fato, não decorrendo a eventual meação de cada cônjuge, nesse caso, do regime de bens que pactuaram, mas da sociedade de fato que instituíram. O reconhecimento desse fato e do direito que dele decorre deve ser objeto de ação própria.

De qualquer modo, conforme foi possível depreender desta breve explanação, trata-se de regime de difícil aplicação prática, razão pela qual é de fato irrisória, até o presente momento, a freqüência de sua escolha pelos cônjuges brasileiros.

78 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código Civil comentado. 5. ed. rev., amp. e atual.

Por fim, no regime da participação final nos aqüestos, faculta-se aos cônjuges contratar sociedade entre si ou com terceiros, nos termos do art. 977 do Código Civil em vigor, conforme será constatado mais adiante.