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O REGIME JURÍDICO DO DIREITO À INFORMAÇÃO DO ADMINISTRADO

CAPÍTULO III – O REGIME JURÍDICO DO DIREITO À INFORMAÇÃO DO ADMINISTRADO

Antes da Constituição de 76 não encontramos, nem no texto fundamental, nem na legislação ordinária, qualquer referência ao direito à informação do administrado.

Foi apenas com a Constituição de 76 que se veio a consagrar no art. 268.º, n.º 1, o direito à informação procedimental. O princípio do arquivo aberto foi consagrado, expressamente, na revisão constitucional de 89, sendo acolhido no art. 268.º, n.º

Torna-se, assim, necessário um estudo sistemático do regime jurídico deste novo direito.

. ÂMBITO DO DIREITO

Sendo evidente a plena consagração, na ordem jurídica portuguesa, do direito à informação do administrado em duas dimensões — respetivamente, direito à informação procedimental e direito ao arquivo aberto — será correto afirmar-se que a função administrativa assume, entre nós, a necessária transparência face aos cidadãos enquanto administrados.

Cumpre agora analisar o conteúdo deste direito e as necessárias relações existentes entre as suas dimensões.

. Do direito à informação procedimental

O direito à informação procedimental está consagrado no n.º 1 do art. 268.º da Constituição e no n.º 1 do art. 61.º do Código de Procedimento Administrativo286.

O direito à informação procedimental insere-se no quadro de uma relação

286 - A única diferença de relevo entre as duas redações reside no emprego, pelo C.P.A., da palavra

«particulares» e, pela Constituição, de «cidadãos». Segundo Sérvulo Correia, esta modificação deveu-se à preocupação de tornar indubitável que o direito é reconhecido, não apenas aos cidadãos propriamente ditos, mas a quaisquer agrupamentos ou entidades coletivas. Vide Sérvulo Correia, ob. cit., p. 136.

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procedimental entre a Administração e certos administrados, definidos como aqueles que têm um interesse direto no procedimento287.

É, portanto, claro que o âmbito da titularidade do direito à informação procedimental se circunscreva aos «interessados» no procedimento. O conceito de

«interessados», para este efeito, não é definido pelos arts. 61.º e ss., pelo que teremos de recorrer à definição constante dos arts. 52.º e 53.º do C.P.A.: interessados são aqueles que têm legitimidade para iniciar o procedimento administrativo ou para nele intervir.

Nos termos do art. 53.º esta legitimidade depende de um dos seguintes tipos de situações jurídicas qualificadas e passíveis de serem afetadas pelas decisões que no procedimento forem ou possam ser tomadas: 1) direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos; 2) interesses difusos respeitantes a bens fundamentais como a saúde pública, a habitação, a educação, o património cultural, o ambiente, o ordenamento do território e a qualidade de vida288.

O art. 61.º, n.º , não fala apenas em «interessados» mas em «diretamente interessados», pelo que se poderia levantar a questão de saber se o legislador pretendeu restringir o âmbito dos intervenientes. SÉRVULO CORREIA entende que não foi essa a intenção do legislador. Ao qualificar os interesses como «diretos» o C.P.A.

reproduz a expressão utilizada no texto constitucional desde 1976289. «Diretamente interessados» no procedimento administrativo para efeitos do direito à informação, são todas as pessoas cuja esfera jurídica sofra alterações pela instauração do procedimento ou aquelas que sejam beneficiadas ou desfavorecidas, na sua esfera, pela decisão final.

287 - Vide Jorge Miranda, «O direito de Informação dos Administrados»..., pp. 460-

288 - O art. 53.º considera que esta legitimidade se estende: a) aos cidadãos titulares de interesses difusos, a quem a atuação administrativa provoque ou possa previsivelmente provocar prejuízos relevantes em bens fundamentais; b) a associações de defesa desses interesses difusos; c) aos órgãos das autarquias locais quando os interesses difusos sejam imputáveis aos residentes nas respetivas circunscrições.

289 - Vide Sérvulo Correia, ob. cit., p. 137; Mário Esteves Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, volume I, Almedina, Coimbra (1993), p.

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O C.P.A., no art. 64.º (Extensão do direito à informação), alarga o círculo de titulares do direito à informação procedimental, estendendo este direito a todos aqueles que provem ter um interesse legítimo no conhecimento dos elementos pretendidos290. O conceito de interesse legítimo não corresponde aqui à noção de interesse legalmente protegido ou de interesse reflexo, com os quais, tradicionalmente, este conceito aparece identificado. Interesse legítimo na informação pretendida é qualquer interesse atendível (protegido ou não proibido juridicamente) que justifique, razoavelmente, dar-se ao requerente tal informação291.

O art. 61.º, n.º , fala no «direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas». Por resolução definitiva entende-se não apenas a decisão final do procedimento, mas todas aquelas decisões que, não representando satisfação (ou denegação) do bem ou interesse para que tende a decisão final, alteram ou comprimem esferas jurídicas.

O dever de informar, por parte da Administração, pode emanar da própria Lei, tratando-se, neste caso, de um dever oficioso, consequência da concretização de certos momentos procedimentais. É o caso da comunicação do início oficioso do procedimento previsto no art. 55.º do C.P.A. e da notificação de certos actos administrativos nos termos do art. 66.º. Noutras situações, este dever de notificação resulta da manifestação da vontade de ser informado, dirigida pelo particular à Administração.

Uma questão cuja abordagem se afigura igualmente importante é a questão do âmbito e conteúdo do direito à informação, isto é, quais as matérias abrangidas pelo

290 - Note-se que a proteção do direito à informação é diferente, consoante os destinatários da informação tenham um interesse direto ou um interesse legítimo. Assim, a informação de quem provar ter interesse direto é concedida automaticamente por qualquer funcionário, enquanto que a informação de quem invoca um interesse legítimo já exige maior cuidado, sendo necessária uma análise do requerimento escrito apresentado pelo interessado e dos documentos probatórios do interesse, exigindo sempre um despacho do dirigente do serviço. Vide Maria Lídia Carvalho Soares, «Direito de Audiência. Direito de Informação. Notificação», Código do Procedimento Administrativo e o Cidadão, Seminário promovido pela Provedoria de Justiça, I.N.A., Lisboa (1993), pp. -

291 - Vide Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, ob. cit., p.

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direito à informação do particular. Assim, a matéria abrangida é constituída por dois tipos de elementos:

a) atos, formalidades e situações de facto correspondentes à dinâmica procedimental, matéria que a Constituição e o Código do Procedimento Administrativo designam pelo termo «andamento»; o art. 61.º, n.º , fala da «indicação do serviço onde o procedimento se encontra, dos atos e diligências praticados, das deficiências a suprir pelos interessados, das decisões adotadas»; assim, ao informar-se o particular sobre esta matéria, pretende-se-lhe proporcionar uma noção exata da sucessão das fases que compõem o fenómeno procedimental em que é interessado, de modo a que o particular possa saber quais as fases já decorridas e qual o seu comportamento no âmbito das mesmas;

b) documentos que integram o processo, previstos nos artigos 62.º e 63.º, e que fazem também referência à comunicação dos momentos do procedimento, como as datas de apresentação de certas pretensões (requerimentos, petições, reclamações, recursos), o seu andamento pretérito e situação atual.

A Administração pode satisfazer o direito à informação procedimental por três vias: informação direta (art. 61.º, n.º 2); consulta do processo (art. 62.º); passagem de certidões ou reproduções autenticadas de documentos (artigos 62.º e 63.º).

Quanto à consulta de documentos constantes do processo e obtenção de certidões ou reproduções autenticadas, o C.P.A. admite limitações do direito de informação, relativas aos documentos classificados e documentos nominativos.

. Do direito ao arquivo aberto

O direito ao arquivo aberto está consagrado no art. 268.º, n.º , da Constituição e no art. 65.º do C.P.A. A efetividade do direito ao arquivo aberto está dependente da sua regulamentação legal, a qual cria os procedimentos necessários para garantir a sua operatividade prática, mas também para definir as restrições ao direito de acesso aos dados constantes de registos e arquivos administrativos. Trata-se, neste sentido, de um direito fundamental, procedimentalmente dependente292. Esta

292 - Gomes Canotilho define o direito procedimentalmente dependente como um «direito carecedor de

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regulamentação consta da Lei n.º , de 26 de agosto (Lei do Acesso aos Documentos da Administração).

O acesso à informação que conste de um arquivo ou registo administrativo deve ser facultado a qualquer pessoa, singular ou coletiva, que o solicite, sem que para isso tenha de provar um interesse, direto ou indireto, na informação, isto é, no direito ao arquivo aberto não há que demonstrar conexão entre o requerente e qualquer aspeto da realidade material a que diga respeito a informação.

Partindo destes pressupostos, a L.A.D.A. consagra como princípios orientadores da conduta administrativa os da publicidade, transparência, igualdade, justiça e imparcialidade (art. 1.º). Clarifica o conteúdo do direito de acesso como o direito de obter a reprodução do registo, bem como o direito a ser informado sobre a sua existência e conteúdo (art. 7.º, n.º 3). Quanto à forma do acesso, estipula-se que ele se exerce por meio de consulta gratuita, efetuada nos serviços que detêm a informação, por reprodução (por fotocópia ou por qualquer meio técnico, designadamente visual ou sonoro) ou por passagem de certidão pelos serviços (art. 12.º).

No art. 7.º, n.º 5, da L.A.D.A. estabelece-se, em regra, como pressuposto do direito de acesso, que o procedimento esteja concluído pela tomada da decisão ou pelo seu arquivamento. Excetuam-se os documentos elaborados há mais de um ano e constantes de processos ainda não concluídos293.

O exercício do direito de acesso a documentos administrativos tem como pressuposto um requerimento escrito, do qual deverão constar os elementos essenciais à identificação dos elementos pretendidos e do requerente (art. 13.º da L.A.D.A.). Deve conjugar-se com o precedente art. 11.º, nos termos do qual a Administração pública deve comunicar, de forma adequada e com a periodicidade

um procedimento, intrínseca e necessariamente, conformador e condicionador da própria eficácia subjetiva dos direitos fundamentais». Vide Gomes Canotilho, «Tópicos de um Curso de Mestrado sobre Direitos Fundamentais»..., p. 167.

293 - Esta exceção (documentos elaborados há mais de um ano e constantes de processos ainda não concluídos) visa impedir a ocultação de documentos ao público através do protelamento artificial da pendência do procedimento. Vide Sérvulo Correia, ob. cit., p. 143.

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máxima de seis meses, todos os documentos (designadamente despachos normativos internos, circulares e orientações que comportem enquadramento da atividade administrativa, assim como a enunciação de todos os documentos que comportem interpretação de direito positivo ou descrição de procedimento administrativo), mencionando o seu título, matéria, data e local onde podem ser consultados.

O âmbito do direito é constituído por todos os documentos emitidos no exercício da função administrativa por quaisquer entidades que nele participem e que exerçam poderes de autoridade (artigos 1.º, 3.º e 4.º)294. Não existe, aqui, qualquer delimitação procedimental, sendo os documentos considerados em si mesmos, independentemente do procedimento que tenha enquadrado a sua produção, exceto no tocante à exigência de que se trate de um procedimento findo (art. 7.º, n.º 5).

Adota-se, para o efeito, uma noção de documento administrativo em sentido amplo. Nos termos do art. 4.º, n.º 1, al. a), consideram-se documentos administrativos

«quaisquer suportes de informação gráficos, sonoros, visuais, informáticos ou registos de outra natureza, elaborados ou detidos pela Administração Pública, designadamente processos, relatórios, estudos, pareceres, atas, autos, circulares, ofícios-circulares, ordens de serviço, despachos normativos internos, instruções e orientações de interpretação legal ou de enquadramento de atividade ou outros elementos de informação». Não são considerados documentos administrativos as notas pessoais, esboços, apontamentos e outros registos de natureza semelhante, assim como os documentos cuja elaboração não releve da atividade administrativa, designadamente referentes à reunião do Conselho de Ministros e de Secretários de Estado, bem como à sua preparação (art. 4.º, n.º 2).

Os limites ao exercício do direito, na sequência do disposto na C.R.P., são compostos pelos documentos classificados em virtude da sua conexão com a segurança interna e externa (art. 5.º), com a investigação criminal (art. 6.º), com os

294 - O «exercício de poderes de autoridade» equivale a relações ou atividades de direito público, ficando excluídos os documentos que não se sujeitem a um regime de direito público, tal como já referimos e o definiu o Conselho de Estado francês a propósito do âmbito da aplicação da Lei n.º 78-753, de 17 de julho de 1978.

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documentos nominativos (art. 8.º), com os segredos comerciais e industriais, a vida interna das empresas, os direitos de autor e os direitos de propriedade industrial (art.

10.º, números 1 e 2)295.

Com o fim de garantir a sua eficácia, a lei impõe a nomeação de um responsável pelo cumprimento das disposições da presente lei, em cada departamento da Administração central, regional e local, bem como da Administração Autónoma (art. 14.º). Cria-se, também, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (C.A.D.A.) com a incumbência de zelar pelo cumprimento das disposições da lei (artigos 18.º, 19.º e 20.º).

O direito de acesso dos administrados a documentos nominativos está sujeito a uma regulamentação legal específica, estabelecendo neste sentido, o art. 8.º, n.º 1 que tal direito de acesso é exercido com as necessárias adaptações nos termos da lei especial aplicável ao tratamento automatizado de dados pessoais (Lei n.º 10/91, de 29 de abril).

. Do direito de acesso aos dados pessoais constantes de documentos administrativos

O regime de acesso aos dados pessoais (eletronicamente processados ou organizados de forma a só serem manualmente utilizados) recorta-se, com nitidez, do regime geral de acesso aos documentos administrativos, destacando-se o facto do acesso se restringir à pessoa a quem os dados dizem respeito.

Nos termos da Lei, o acesso aos dados pessoais constantes de registos ou arquivos administrativos deve ser facultado, por regra, apenas à pessoa a quem os dados digam respeito (art. 7.º, n.º 2). Este direito de acesso exercitar-se-á, com as necessárias adaptações, nos termos da Lei de proteção de dados pessoais face à informática (Lei n.º 10/91, de 29 de abril), conforme o estipulado no art. 8.º, n.º 1, da L.A.D.A..

295 - Os limites segredo comercial e industrial, vida interna das empresas, direitos de autor e propriedade industrial, não constavam da versão inicial da lei, tendo-lhe sido acrescentados pela Lei n.º 8/95, de 29 de março.

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O direito ao conhecimento de dados pessoais informatizados constitui uma das dimensões estruturantes do direito à autodeterminação informativa (art. 35.º da C.R.P.

e Lei n.º 10/91, de 29 de abril). Este direito apresenta uma estrutura complexa, podendo considerar-se, no seu âmbito, quatro diferentes poderes relativos aos dados pessoais informatizados: o poder de conhecer o seu teor; o poder de conhecer a sua finalidade; o poder de exigir a sua retificação; o poder de exigir a sua atualização296.

A Lei de proteção de dados pessoais face à informática não se aplica somente aos documentos que se relacionem com decision-cases. Basta o facto de, num registo de processamento eletrónico, se encontrar armazenada uma informação pessoalmente identificável, para que surja o direito ao seu conhecimento, o que se estende aos dados pessoais manualmente processados297.

O acesso à informação não é, em princípio, público. O direito ao conhecimento dos dados cabe, principalmente, à pessoa a que eles se referem, só podendo estender-se a terceiros em circunstâncias muito restritivas (art. 27.º da Lei n.º 10/91 e art. 7.º, n.º 2, da L.A.D.A.)298. O princípio geral, neste domínio, é o de que a pessoa a quem respeitam os dados tem direito ao conhecimento deles e só ela goza deste direito.

No caso de registo informático de dados, impende sobre a autoridade administrativa o dever de notificar o facto do registo à pessoa a quem respeitam os dados, dando-lhe logo a conhecer o seu direito de requerer a comunicação do teor da informação registada (art. 13.º da Lei 10/91)299. Desta maneira, o cidadão tem a garantia de não serem introduzidos no registo eletrónico dados pessoais sem o seu

296 - Vide Jorge Bacelar Gouveia, ob. cit., pp. 712-

297 - Vide Barbosa de Melo, ob. cit., p. 277.

298 - Só é admitida a comunicação a terceiros nas seguintes hipóteses: 1) se os dados forem necessários à realização pelo terceiro de uma tarefa em nome da Administração; 2) se forem dados clínicos e o requerente for o médico ou dentista da pessoa a que dizem respeito; 3) se o seu conhecimento for importante para qualquer caso jurídico particular; 4) se forem dados acessíveis ao público em geral; 5) se a pessoa a quem se referem consentir na sua comunicação ao requerente.

299 - Podemos interrogar-nos sobre se este dever de notificação da autoridade administrativa ao interessado do registo de dados pessoais eletronicamente processados, não se deveria estender, com as necessárias adaptações, aos dados pessoais manualmente processados.

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conhecimento e de poder prover, de imediato, à eliminação ou correção dos que forem falsos ou incorretos. Este direito de correção está constitucionalmente garantido no art. 35.º, n.º 2, da C.R.P. e no art. 30.º, n.º 1, da Lei n.º 10/91 e no art. 9.º da L.A.D.A..

Contudo, dada a possibilidade, trazida pela Informática, de concentrar todas as informações disponíveis sobre uma mesma pessoa e, principalmente, sobre a sua vida privada, compreende-se que o legislador crie algumas garantias quanto à elaboração e à conservação dos registos informáticos de dados pessoais. Fixa, desde logo, um princípio de especialidade, segundo o qual cada órgão administrativo só pode recolher e tratar dados claramente relevantes para a realização dos seus próprios fins (art. 15.º). E, embora admita a possibilidade de um órgão administrativo organizar dados que só sejam relevantes para outro órgão, impõe-lhe a obrigação de bloquear o registo de maneira a que só este último órgão a ele tenha acesso.

O princípio da especialidade ou especificidade está, igualmente, consagrado no n.º 3 do art. 35.º da Constituição e art. 24.º, n.º 2, da Lei n.º 1, os quais proíbem a atribuição de um número nacional a cada cidadão para efeito da organização de registos eletrónicos, pretendendo-se promover a criação de arquivos ou ficheiros diferenciados e sem possibilidade de interconexão, no domínio dos dados pessoalmente identificáveis que contendam com a vida privada. Por outras palavras, o legislador constitucional visa impedir a integração das várias memórias administrativas constituídas por dados pessoais (médicos, escolares, fiscais, judiciários, policiais), de forma a prevenir o perigo de se definir o perfil da personalidade de alguém através da reunião de todos esses dados300.

Nesta sequência estabelece-se a proibição da interconexão de ficheiros automatizados, de bases e bancos de dados pessoais (art. 24.º).

Além disso, proíbe-se o registo de dados políticos não acessíveis ao público em

300 - Entre nós, o princípio da especialidade foi aplicado no Decreto-Lei n.º 463/79, de 30 de novembro, o qual estabelece que o número nacional de contribuinte só pode servir para fins fiscais (art. 1.º, n.º 2) e ao prevenir a possibilidade de interconexão do ficheiro fiscal, assim organizado, com outros ficheiros de processamento eletrónico (art. 2.º, n.º 2).

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geral e, por outro lado, só se permite que os dados puramente pessoais (tais como a raça, a crença religiosa, a cor da pele, dados sobre a vida sexual ou factos criminais e dados sobre a saúde ou uso excessivo de drogas) figurem em registos especialmente organizados para cada um destes fins [art. 11.º, n.º 1, al. b), números 2 e da Lei n.º 10/91]. Impõe-se, ainda, a permanente atualização dos dados pessoais (art. 14.º que estabelece que «os dados pessoais recolhidos e mantidos em ficheiros automatizados, em bases e bancos de dados devem ser exatos e atuais») e a destruição do registo dos dados que se tornem obsoletos ou percam relevância para o fim específico do arquivo em questão (artigos 23.º, 29 e 30, da Lei 10/91), o que se estende, com as necessárias adaptações, aos dados pessoais manualmente processados.

. O nexo conjuntivo entre o direito à informação procedimental e o direito ao arquivo aberto

O direito à informação procedimental e o direito ao arquivo aberto estão consagrados respetivamente nos números 1 e 2 do art. 268.º da C.R.P..

Sendo, embora, claro que o âmbito destes direitos é diverso, nem por isso deixam de existir entre eles, alguns pontos de contacto. Com efeito, no n.º 1 prevê-se o direito de o cidadão uti singuli, enquanto titular de uma prestação concreta face à Administração, saber o estado do processo em que é interessado sempre que o solicite e, bem assim, o direito ao conhecimento das «resoluções definitivas» que vierem a ser tomadas em tais processos. Por seu lado, no n.º 2 do preceito, o direito visado é o de qualquer cidadão uti cives poder ter conhecimento dos documentos arquivados e guardados sob forma de registo manual ou eletrónico pela administração, independentemente da existência de qualquer concreto processo em que o cidadão seja diretamente interessado.

Porém, mesmo esta diferente perspetiva (que resulta, desde logo, da diversa formulação literal dos preceitos) não impede a interação dos referidos direitos enquanto formas de realização do direito à informação e enquanto meio de assegurar a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito.

Assim, não pode excluir-se, à partida, que para uma complementarização do

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direito à informação sobre o andamento dos processos pendentes, o cidadão interessado não tenha de recorrer ao direito mais geral de acesso aos documentos guardados no registo ou arquivo administrativo. Por outro lado, também não pode excluir-se que, por via da consulta feita por qualquer cidadão ao abrigo do n.º 2 do art.

268.º da Constituição, não venha a gerar-se a necessidade de, face à informação assim

268.º da Constituição, não venha a gerar-se a necessidade de, face à informação assim

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