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CAPÍTULO 3 – OS PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA COMO MECANISMO DE CONTROLO

3.1. O regime dos preços de transferência

Os efeitos da fixação dos preços de transferência não conformes as regras de mercado nas receitas fiscais dos países e, bem assim, o seu impacto na economia global, levaram à criação por parte dos países de regimes específicos sobre os preços de transferência, isto é, conjuntos de normas que visam, de alguma forma, eliminar ou pelo menos minorar as perdas sentidas ao nível das receitas fiscais95. Esta é, aliás, a reação lógica por parte dos Estados perante a perceção de

95Os primeiros regimes de preços de transferência a surgir, e que datam das primeiras décadas do século XX, foram os do Reino Unido e dos

Estados Unidos da América, países pioneiros na luta contra as práticas das empresas multinacionais no sentido da manipulação dos preços de transferência e consequente evasão fiscal.

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que as suas receitas são diminuídas pela deslocalização e transferência de lucros entre empresas do mesmo grupo por via da prática dos preços de transferência. A par deste movimento, também algumas organizações internacionais, com particular destaque para a OCDE, desde logo pelo enorme contributo para a criação de regimes de preços de transferência nos seus países membros, se debruçaram sobre este mecanismo de evasão fiscal, visando dar uma resposta e auxiliar os Estados em geral a combater semelhante fenómeno.

O regime dos preços transferência prossegue um duplo objetivo, porquanto se reconhece que a fixação dos preços de transferência em condições distintas que o fariam entidades independentes, cujas relações estão sujeitas às forças de mercado, podendo ser levada a cabo com o intuito de permitir uma fuga aos impostos por parte dos contribuintes, no nosso caso de estudo pelas empresas multinacionais, nem sempre tem em vista a minimização intencional da carga fiscal sobre os seus rendimentos, ideia esta que aliás temos vindo a frisar ao longo da presente dissertação. Assim sendo, os preços de transferência, enquanto conjunto de regras para a determinação dos preços de plena concorrência em relação a transações vinculadas surgem como mecanismo de luta contra a evasão fiscal, mas, por outro lado, o regime dos preços de transferência assume-se igualmente como mecanismo de regulação de preços e, por aí, de redistribuição das receitas fiscais pelos Estados. Neste mesmo sentido, a OCDE reconheceu que as “empresas multinacionais podem adotar preços que não são preços normais de mercado em ordem a minimizar os impostos ou podem adotá-los por outras razões mas, independentemente da razão, sempre que as transferências intragrupo não são realizadas a preços normais de mercado, o resultado provável é o de que os lucros sejam transferidos de uma empresa para outra do grupo e o passivo fiscal das empresas relevantes distorcido em consequência”96.

Em qualquer dos casos, os regimes dos preços de transferência visam dar resposta à questão de saber o que podem as autoridades tributárias fazer quando se deparam com a prática de preços de transferência que não configuram preços normais de mercado, isto é, preços que, sujeitos às regras do mercado, seriam praticados, em condições semelhantes e em relação ao mesmo tipo de transações, por entidades independentes, na medida que, motivados ou não por considerações fiscais, refletem-se negativamente na alocação das receitas dos Estados e no funcionamento da economia mundial.

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O regime de preços de transferência vigente na maior parte dos países é alicerçado em dois princípios de tributação internacional: o princípio da entidade separada –

separate entity

approach

– e o princípio de plena concorrência –

the arm’s length principle

. De acordo com o

primeiro, ao qual já nos referimos a propósito do modo de tributação das empresas multinacionais, as empresas pertencentes a um grupo empresarial devem ser tratadas com individualidade, como entidades separadas e independentes, decorrendo daqui que cada membro do grupo é sujeito à tributação sobre os rendimentos decorrentes da sua atividade. Para que a aplicação deste princípio às transações intragrupo seja possível, os membros do grupo devem ser tributados com base na ideia de que eles agem com independência nas suas transações. Daí os países membros da OCDE terem adotado igualmente o princípio de plena concorrência, segundo o qual nas transações entre entidades relacionadas devem ser observadas as condições que se verificariam em relação às mesmas transações e sob circunstâncias semelhantes entre entidades independentes. O objetivo deste princípio é que o efeito sobre os lucros das empresas, originado pelas condições especiais que podem ser estabelecidas nas transações entre entidades relacionadas em virtude das relações existentes entre si, seja eliminado.

Assim, parte-se da análise de cada empresa do grupo multinacional, como entidade independente, procedendo-se à sua tributação no Estado onde esteja localizada, à luz do critério da contabilidade autónoma, sendo que, para a determinação dos valores das transações intragrupo, isto é, praticadas no seio das relações internacionais entre as empresas do grupo, se recorre ao princípio da plena concorrência, segundo o qual são tributados os rendimentos resultantes deste tipo de operações que seriam obtidos se as mesmas se tivessem verificado entre empresas independentes, de acordo com as condições normais de mercado.