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Neste grande grupo cabem todos os regimes políticos em que o poder é detido por uma ou algumas pessoas. Seja no primeiro caso, também designado por autocracia, em que o líder tanto poderá ser chamado de suserano, de rei, de czar ou de imperador, seja no segundo, em que o poder pertencer a um pequeno grupo ou classe de pessoas, ligadas pelos mesmos interesses, o poder é absoluto. Se excetuarmos os regimes coletivistas, podemos afirmar que aqui cabem quase todos os regimes autoritários, ou, por outras palavras, todos os regimes não democráticos, na aceção moderna do termo, independentemente de, segundo a visão clássica de Platão ou de Aristóteles, os mesmos serem regimes justos e bons ou corrupções destes primeiros.

Dos exemplos fornecidos pela história da humanidade, selecionamos como paradigmáticos o regime ditatorial instituído na antiguidade, no Império Romano, o regime aristocrático de Veneza, no período após 1229, quando o poder passou efetivamente para as mãos do Grande Conselho, constituído apenas por membros de famílias aristocráticas venezianas, a monarquia absoluta do rei Luís XIV, em França e o regime totalitário do III Reich, na Alemanha, já na primeira metade do século XX.

Excetuando este último, pelas razões aduzidas adiante, em qualquer dos demais regimes referidos e de uma forma muito genérica, quem detém o poder, para além de o exercer de forma absoluta, em regra distribui os direitos a seu bel-prazer ou conforme os seus interesses ou disposição ou os interesses das classes dominantes. Por essa razão, qualquer que seja a forma concreta como se apresenta a distribuição de direitos nesses regimes, ela será, a maior parte das vezes, classista, arbitrária, despótica e desigual. Classista porque privilegia algumas classes em detrimento de outras, sejam tais classes classificadas em função do poder económico, da linhagem ou da religião; arbitrária porque será apenas dependente dos critérios e da vontade de quem tem o poder; despótica porque o poder se coloca acima da razão e é usado para oprimir e silenciar qualquer oposição a quem detém o poder e desigual porque os indivíduos que constituem a comunidade são ordenados de forma distinta quanto aos direitos de que são detentores, havendo, no limite, situações de escravatura, ou seja, de quem não é titular de qualquer direito sobre si próprio.

Quanto aos regimes totalitários, é Hannah Arendt quem primeiramente os destaca das categorias mais antigas do que é a tirania, o despotismo e a ditadura, quer por não os considerar nem arbitrários nem ilegais como estes, quer por ser muito diferente a essência de uns e de outros.

«A afirmação monstruosa e, no entanto, aparentemente irrespondível do governo totalitário é que, longe de ser ilegal, recorre à fonte de autoridade da qual as leis positivas recebem a sua legitimidade final; que, longe de ser arbitrário, é mais obediente a essas forças sobre-humanas do que qualquer governo jamais foi; e que, longe de ser o seu poder no interesse de um só homem, está perfeitamente disposto a sacrificar os interesses vitais e imediatos de todos à execução do que supõe ser a lei da História ou a lei da Natureza» (90).

Isto para concluir que «se a legalidade é a essência do governo não tirânico e a

ilegalidade é a essência da tirania, então o terror é a essência do domínio totalitário» (91).

Arendt referia-se ao regime nazi, na Alemanha, entre 1938 e 1945 e ao regime estalinista, na União Soviética, entre 1935 e 1953, mas esta noção de terror e da procura do domínio totalitário cola-se, na atualidade, por exemplo, ao autoproclamado Estado Islâmico que, a partir de 2014, passou a dominar uma grande parte do território do Iraque e da Síria, aí se estabelecendo como um califado. E cola-se igualmente naquilo que Arendt considera ser uma consequência deste tipo de regimes que é a superficialidade do homem, por oposto à defesa

da dignidade humana (92).

Durante o século XX, a par dos regimes totalitários referidos, não faltam exemplos de regimes autoritários segundo as classificações clássicas. Cabem, aqui, por exemplo, os regimes fascistas de Mussolini, em Itália ou de Franco, em Espanha e os regimes ditatoriais de Salazar, em Portugal, de Pinochet, no Chile, de Mobutu, no Zaire, de Somoza, na Nicarágua, de Trujillo,

em São Domingos, ou do imperador Bokassa, na República Centro-Africana (93). Apesar das

particularidades de cada um deles, têm, em comum, a imagem forte do seu líder, a proteção coerciva do exército, a ausência ou a repressão de partidos políticos opositores e a constituição de uma rede clientelar a quem se distribui património e direitos, aqui se incluindo muitas vezes os próprios líderes. Distribuição essa legitimada apenas pelo próprio exercício do poder, sem cuidar de atender a direitos pré-constituídos ou reivindicações de direitos de igualdade individual.

(90) Cf. Hannah Arendt, As origens do totalitarismo, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2016, p. 611.

(91) Ibid., p. 615.

(92) Referindo-se ao sistema totalitário, Arendt refere que «os que manipulam esse sistema acreditam na própria

superficialidade tanto quanto na de todos os outros e os assassinos totalitários são os mais perigosos, porque não se importam se estão vivos ou mortos, se jamais viveram ou se nunca nasceram (…). Os acontecimentos políticos, sociais e económicos de toda a parte conspiram silenciosamente com os instrumentos totalitários inventados para tornar os homens supérfluos». Cf. Hannah Arendt, op. cit., p. 608.

(93) Estes exemplos foram quase todos recolhidos da obra do professor de ciência política Jean Baudouin, Introdução à sociologia política, Lisboa, Editorial Estampa, 2000, pp. 177-182.