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Registros do mesmo docente sobre o mesmo aluno em anos letivos

Fluxograma 4: Plano de gestão

3 POR UM CURRÍCULO DE LINGUAGEM: UMA CONSTRUÇÃO POSSÍVEL A

3.1 AS HETEROGENEIDADES QUE SE ENTRECRUZAM: OLHARES QUE SE

3.1.3 Registros do mesmo docente sobre o mesmo aluno em anos letivos

Um dos recursos utilizados que mais surtiram efeito significativo sobre a prática docente foi a utilização de registros de um mesmo professor, em anos diferentes, sobre um mesmo aluno. Acerca de sistematizações escritas de um aluno, encontramos no 1° semestre de 2012 o seguinte relato:

O aluno apresenta dificuldade na leitura e escrita, não consegue ler palavras sozinho, nem tampouco escrevê-las. Na oralidade, o aluno não participa dos momentos das narrativas, porém, compreende, mas não consegue apresentar a sequência lógica dos acontecimentos. Em matemática, tem noções de adição, consegue apenas resolver algumas situações que envolvem o processo da adição simples. Domina o sistema de numeração (EXCERTO DO RELATÓRIO INDIVIDUAL DO PROFESSOR, 2012).

A síntese nas informações não permite a extração de muitos dados sobre o aluno. Quando questionada a respeito do desempenho das crianças, a professora

relatava oralmente experiências significativas, apresentando dados que não apareciam nos registros escritos.

Ao final de 2013, após a elaboração de tabelas, gráficos e relatos semanais sobre a aprendizagem do aluno, detalhando as dificuldades, os ganhos atitudinais e os avanços na aquisição de conhecimentos, por parte da criança, obtivemos o seguinte relato feito pela mesma professora que acompanhou o mesmo aluno, no ano anterior:

Conhece o alfabeto, identifica letras e sílabas, diferencia as vogais de consoantes, lê silabando. Precisa de atendimento também em questões atitudinais, pois demonstra agressividade. Na oralidade é bastante atento, demonstra muito interesse pelas narrativas, principalmente se for sobre animais, pois ele é bastante interessado por vaquejada, cavalos, vacas e bois. Após o diagnóstico inicial e as anotações observadas em sala diariamente, foram desenvolvidas estratégias na intenção de despertar o interesse do aluno pela leitura e escrita. Várias foram as tentativas, tanto minha quanto da bolsista que o acompanha nos atendimentos individuais, porém os resultados até o segundo bimestre eram poucos satisfatórios, tendo em vista que o referido aluno tem uma boa frequência e que apresenta um raciocínio rápido quando se trata de coisas do seu interesse.

Após percebermos o seu grande interesse por cavalo, bois, vacas e vaquejadas, optamos por desenvolver um trabalho mais direcionado a essa temática, onde nas primeiras atividades (nas atividades de atendimento individual) o aluno já demonstrou mais interesse e seguimos com essa estratégia. Descobrimos também que ele tinha um grande interesse pelas novas tecnologias e com a introdução do ipad, como ferramenta didática começamos a desenvolver as atividades utilizando o ipad e colocando temas do seu interesse sempre como eixo temático, a partir disso, ele começou a despertar o interesse pela leitura e logo em seguida pela escrita.

Atualmente, o aluno já é capaz de ler palavras de formação simples, como também já consegue ler frases pequenas e sempre estar querendo ler para mostrar que já está aprendendo a ler. Durante a aplicação do diagnóstico final, ele não conseguiu desenvolver a atividade proposta, dizendo que não sabia realizá-la, porém, ao analisarmos as atividades, percebemos que ele tinha realizado e em seguida apagou a questão referente à produção textual e isso ocorreu outras vezes quando ele foi novamente submetido a realizar atividades individuais sem o intermédio de alguém. Diante disso, acreditamos que o aluno ainda precisa ser trabalhado em questões atitudinais, pois ainda apresenta insegurança no momento de realizar atividades de escrita individual. Portanto, o aluno já começou a desenvolver o processo de leitura e escrita, porém, ainda não conseguiu alcançar as competências de aprendizagem, desejadas para o terceiro ano. Espera-se que essas competências sejam consolidadas no ano seguinte (EXCERTO DO RELATÓRIO INDIVIDUAL DO PROFESSOR, 2013).

Além de apresentar dados sobre a singularidade do aluno, desde os seus gostos e preferências, a professora se refere às atividades que provocaram avanços na aprendizagem do aluno. Por ser um relato mais completo, o docente do ano posterior que acompanhará esse aluno terá mais condições de avaliar suas capacidades, avanços e recuos.

No início do ano letivo de 2014, esse relato foi lido pela professora que lecionaria na turma na qual o aluno estava matriculado. Nesse momento, foram produzidas atividades partindo dos diagnósticos já existentes. Todos os registros elaborados culminaram na elaboração de um portfólio desse aluno e das outras crianças da turma que apresentavam dificuldades, concretizando-se não somente na síntese de diagnósticos de sua aprendizagem, mas, acima de tudo, como demarcador de mudanças de posicionamentos de professores, os quais aguçaram olhares e escutas aos diferentes processos de entrada das crianças na escrita e passaram por um processo de aprendizagem contínua.

A parceria entre professores e bolsistas nem sempre acontece de forma satisfatória, várias foram as situações diagnosticadas em que o docente institucionalmente responsável pela turma sentia seu espaço de trabalho invadido por outro sujeito, nem sempre visto como pesquisador, muitas vezes confundido como aluno em formação inicial para o qual os saberes experienciais ainda não lhe forneceram subsídios empíricos suficientes para o exercício do magistério. Essa invasão é em parte compreendida, posto que, diante dos tantos projetos e programas dos quais a escola participa, cada um possui o seu alicerce teórico, o qual nem sempre é compatível com as discussões postas na escola. Infelizmente, muitos projetos de pesquisa e extensão provenientes da academia desrespeitam o cotidiano escolar e seus saberes historicamente edificados em nome de modismos educacionais nem sempre qualitativos.

Vários são os embates percebidos, a princípio, entre um professor experiente que sente roubada sua autonomia e outro sujeito em processo de formação, atingido pelo sentimento de impotência que a prática docente gera ao colocá-lo em face de situações cotidianas para as quais as teorias acadêmicas não conseguiram nortear suas ações na prática.

Diante de dificuldades como essa, desvelamos, por um lado, o profissional que progride em sua autoformação e redimensiona sua prática, a partir de parâmetros coletivos. Apontamos, também, por outro lado, o docente que muitas

vezes não consegue situar-se em relação ao seu próprio fazer pedagógico, resistente à dinâmica de trabalho coletivo própria do contexto do Ensino Fundamental de nove anos – um ponto discutível e marcante no decorrer do trabalho investigativo nesses quatro anos.

A Escola de Aplicação da Universidade de São Paulo, após discussões e acompanhamentos pedagógicos provocados pelo desenvolvimento do Projeto Desafios, aderiu à ideia de um segundo docente nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Esse professor de subciclo, com a mesma carga horária que os demais, tem seu trabalho semanal distribuído entre turmas que por ele são acompanhadas – 1º ao 3º ano. Sua carga horária é discriminada entre observações de aula, participações efetivas em trabalhos nas turmas por ele acompanhadas e reuniões com os professores do subciclo. Essa dinâmica de trabalho se traduz em uma forma de lidar com a heterogeneidade do grupo de alunos, responsabilizando coletivamente um grupo de professores pela aprendizagem infantil.

Na escola campo de pesquisa na UERN, vislumbramos a inclusão desse professor subciclo nos anos iniciais. Se retomado o Quadro 1 acerca dos recursos humanos da escola, identificamos que a escola dispõe de docentes que podem assumir essa função. Quando considerada a conclusão deste projeto de pesquisa, uma vez que deixarão de existir os atendimentos individuais às crianças, apostamos nesse profissional que possa circular entre as turmas nos anos iniciais, na reconfiguração do quadro de profissionais da escola, conforme vem sendo discutido com a secretaria municipal de educação e a escola campo de pesquisa.