• Nenhum resultado encontrado

ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL NO MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA

4.4 A MEDIDA DE ACOLHIMENTO: MOTIVOS E COTIDIANO NA INSTITUIÇÃO

4.4.4 Regras e Castigo na Instituição

As Instituições de Acolhimento têm autonomia para estabelecer as normas e regras referentes a horários, padrões de organização, regras de convivência, entre outros aspectos, sendo resguardado o melhor interesse da criança ou adolescente e o ambiente de proteção.

As normas impostas devem ser estabelecidas, não com a finalidade de estabelecer um ambiente repressor ou de controle, como ocorria nas Instituições antes do ECA. As regras devem, ao contrário, ser instrumento para que a Unidade de Acolhimento se torne um ambiente de cuidado. A normatização, se aplicada nessa perspectiva, contribui no processo educativo das crianças e adolescentes.

O abrigo deverá ainda estabelecer normas gerais de funcionamento, nas quais constarão as regras para visitação, comunicação e contatos com a comunidade, o uso do espaço, a participação das crianças nas atividades etc. Elas devem contribuir para fazer do abrigo um lugar no qual conviver e estar seja agradável e gostoso, sem comprometer a naturalidade e a espontaneidade (GUARÁ, 2010. p. 65).

As Instituições de atendimento às crianças e adolescentes foram historicamente conhecidas pelas regras, hierarquia e repressão, esse padrão de atendimento ainda perpassa o ideário social como aceitável e benéfico. Sob essa perspectiva, um dos primeiros papéis da família é imprimir essas regras, caso essa falhe, cabe ao Estado estipular as normas, principalmente, as que deveriam ser aplicadas às famílias pobres. Esse paradigma fora embasado por contextos como as medidas higienistas e a doutrina de Situação Irregular.

Embora as concepções e padrões de atendimento tenham se alterado, as Instituições ainda são vistas como um espaço, que por impor regras claras, irá tornar as crianças e adolescentes pessoas melhores, ou ainda, mesmo diante do afastamento do convívio familiar e de todas as restrições que a medida provoca, devido às normas, é compreendido como necessária para as crianças e adolescentes acolhidos. Essa concepção pode ser observada nas falas abaixo:

“Ocupar a cabeça dele. Ter estudo, ter regras. Foi criado sozinho, se sentia o dono do mundo” (Mãe de Marcos, Pesquisa Etapa 1, 2010).

“Eu estava desempregada, a minha família não quis ficar com ele por medo de perder pro mundo, foi preciso ir pra o internamento porque eu não tinha controle sobre ele. As crianças que estão rebeldes iam pra lá pra melhorar” (Mãe de Marcos, Pesquisa Etapa 1, 2010).

“Sim. Mas foi bom porque se não eu ia morrer por aí” (Ricardo, Pesquisa Etapa 1, 2010).

Mediante a quebra das normas, as Instituições estipulam restrições ou castigos às crianças e adolescentes. Esses devem ser aplicados em caráter educativo e não devem significar abuso de autoridade, maus tratos ou alguma forma de humilhação.

O papel de vigilância exercido por instituições como os Conselhos Tutelares (entre outras) é de suma importância, uma vez que, a sociedade brasileira vem de um contexto histórico, aonde prender, amarrar, castigar severamente, espancar crianças e adolescentes eram práticas comuns nas Instituições ou mesmo no ambiente familiar.

Ao relatar os castigos que eles vivenciaram nas Instituições de Acolhimento colocaram que eram privados dos passeios, da televisão ou ainda ficava no quarto sem poder sair. Como é colocado nas falas dos entrevistados:

“Botava de castigo. Quando tinha passeio assim não deixava... ficava na casa” (Danilo, 9 anos, Pesquisa Etapa 2, 2012). “Havia. Rapaz... Ficava sem assistir TV viu. A gente pagava pelo que os outro fazia... Era de carreira lá. Tanto que a gente ia viajar pra São Paulo acabou não indo por causa de J. Ele aprontou lá aí pronto ficou todo mundo de castigo acabou não indo pra São Paulo” (Gustavo, 17 anos, Pesquisa Etapa 2, 2012).

“Ficava trancado na sala do negócio lá... do escritório. Não gostava de castigo” (Felipe, 10 anos, Pesquisa Etapa 2, 2012). A aplicação de castigos, embora necessária, é desafiadora, no sentido de garantir o caráter educativo, como também, em eleger qual melhor atitude a ser tomada pelas equipes das Unidades. Quais os parâmetros utilizar, o que pode ser restringido ou retirado de uma criança/adolescente que, dado o contexto, já tem restrições para manter o convívio familiar e comunitário. As falas demonstram que a alternativa encontrada pelas Unidades de Acolhimento foi a proibição temporária de atividades de lazer (como os passeios ou a televisão).

Essa pode ser uma alternativa viável, que, no entanto, deve ser avaliada pela equipe de acordo a gravidade do conflito ou da norma quebrada

pela criança ou adolescente acolhido, uma vez que ele já tem poucas opções de passeios e atividades de lazer. O caráter educativo dos castigos deve ser prioridade, levando em consideração o contexto que o levou a quebrar as regras, uma vez que:

Estes momentos podem acontecer por eles estarem revoltados contra a situação em que se encontram, ou por terem vivido perdas importantes, ou por se sentirem contrariados, humilhados, roubados. Atacam por ser uma forma mais valente de reagir, mais poderosa do que se encolher e chorar. [...] Saber lidar com a transgressão como parte do projeto educativo é um grande desafio. É um momento de conter a raiva, de colocar limites, mas ao mesmo tempo de ouvi-los muito, de usar métodos para transformar a violência em palavras, de fazer com que a emoção dê lugar à razão (GULASSA, 2010. p. 31).

Os meninos entrevistados na pesquisa, ao retratarem os castigos que vivenciaram na Instituição de Acolhimento, colocaram tarefas domésticas e ficarem no quarto. As crianças e adolescentes podem sim participar das atividades domésticas da Instituição, auxiliando a organizar o espaço físico ou mesmo suas próprias coisas: cama, roupas, brinquedos. No entanto, a depender da idade da criança ou adolescente acolhido, e do tipo de atividade, devem ser realizadas sob a supervisão de um adulto e, desde que, não lhe sejam exigidos esforços físicos superiores a sua capacidade. As falas dos entrevistados dão conta que:

“As tarefas: tinha que aguar todas as plantas (do local), no inicio, que não tinha costume. Era o castigo, se fizesse bagunça ia fazer as tarefas” (Pedro, Pesquisa Etapa 1, 2010). “As tias me colocavam lá em cima, no quarto do primeiro andar de castigo” (Caio, Pesquisa Etapa 1, 2010).

Outro aspecto levantado na pesquisa anterior foi o espancamento às crianças e adolescentes no âmbito da Instituição. Esse fato foi relatado pelo tio de um dos acolhidos reintegrados à família. Segundo ele, os espancamentos ocorriam por parte de uma das funcionárias da Instituição. Douglas havia sido acolhido em 2001 e passou três anos no acolhimento. O tio afirmou que:

“Era os meninos apanhar, ser espancados (...)” (Tio de Douglas, Pesquisa Etapa 1, 2010).

Os relatos do Tio de Douglas revelam uma realidade de negação de direitos e desproteção que ocorreu no âmbito das instituições de acolhimento. Nas entrevistas posteriores, ou nas demais entrevistas realizadas na mesma época, não foram relatadas qualquer forma de abuso ou violência por parte de qualquer funcionário nas Instituições. Apesar das normativas e das Orientações Técnicas, pode ocorrer situações que somente a supervisão e avaliação permanente das unidades podem identificar.

As diferenças demonstradas nas falas, retratam que os avanços legais, o reordenamento institucional e a atuação dos órgãos de fiscalização têm causado impacto na prática do acolhimento nas Instituições, que, mesmo apresentando avanços, ainda possuem desafios a serem vencidos, a exemplo das atividades de lazer e do estímulo à convivência familiar e comunitária durante o acolhimento. A seguir será analisada a garantia desse direito durante a execução da medida protetiva.

4.5 A CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA DURANTE O