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Regras de experiência comum

CAPÍTULO 3 – TIPOLOGIA DAS MÁXIMAS DE EXPERIÊNCIA

3.1. Regras de experiência comum

São aquelas inerentes à vida em sociedade5, ou, nos dizeres de Greco Filho, aquelas extraídas “da observação do que ordinariamente acontece em dado grupo social”.6 Ou seja, são noções culturais do homem médio que constituem um patrimônio comum de determinado grupo social. A fonte dessas regras, como informa Rosito, é a “reiteração sucessiva de fatos que ocorrem todos os dias, e, dada a sua identidade, permite-se extrair deles uma máxima que pode ser aplicada toda vez que se apresentem idênticas circunstâncias de fato”.7 Segundo a definição de Baggio, “refere-se às generalizações empíricas fundadas sobre aquilo que originariamente ocorre em um determinado grupo social. Está inserido no patrimônio cultural do homem médio, relacionado com a vida em sociedade, sendo

5

Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, ob. cit., p. 122. 6

Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. 2, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 196.

7

Francisco Rosito, Direito probatório: as máximas da experiência em juízo, ob. cit., p. 80. Adverte, no entanto, que “não estão inseridas nesse tipo de máximas de experiência aquelas simples noções de senso comum, as quais se referem a simples tendências de comportamento humano e possuem um conteúdo factual mínimo, resultado daquilo que se entende justo ou preferível, segundo uma chamada experiência comum. São exemplos de tais noções: quem não chora não está machucado; os bons genitores amam os filhos; quem se ruboriza mente; quem foge é culpado, etc. No seu conjunto, essas noções possuem um elevado componente subjetivo, baseado em proposições genéricas pouco confiáveis que não asseguram conclusões acertadas”.

o juiz seu intérprete. Origina-se da reiterada observação de fatos que rotineiramente se repetem e permite a formulação de uma máxima que se pretende aplicável nas próximas situações em que as circunstâncias fáticas sejam idênticas”.8

Apesar de sua estreita proximidade com o senso comum, com ele não se confunde. De acordo com uma escala de racionalidade estabelecida por Taruffo, as regras comuns são mais objetivas e racionais que o senso comum, mas seu grau de racionalidade é inferior se comparadas com as regras de experiência técnica ou com a ciência.9 Nesse sentido, interessante o esclarecimento feito por Rosito: “as máximas de experiência comum possuem um valor objetivo, que permite extrair uma regra com base em elementos empíricos, tornando possível extrair juízos de repetição para casos futuros ainda não observados. Para tanto, não se vale de elementos subjetivos ou individuais, senão se baseia no que ordinariamente acontece na sociedade na qual ele está inserido e da qual é representante”.10 Veja, como exemplo, as seguintes decisões judiciais. Em uma delas, o Superior Tribunal de Justiça aplicou a seguinte máxima de experiência comum: “mulher de rurícola, rurícola é”:

1. “RESP – PREVIDENCIÁRIO – TRABALHADOR RURAL – RURÍCOLA – ESPOSA – ECONOMIA FAMILIAR – Há de se reconhecer comprovada a condição de rurícola mulher de lavrador, conforme prova documental constante dos autos. As máximas da experiência demonstram, mulher de rurícola, rurícola é”.11

8

Lucas Pereira Baggio, O artigo 335 do Código de Processo Civil à luz da categoria das máximas de experiência, In Danilo Knijnik (Coord.), Prova judiciária: estudos sobre o novo direito probatório, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2007, p. 188.

9

Michele Taruffo, Senso comum, experiência e ciência no raciocínio do juiz, ob. cit., pp. 171-204. 10

Francisco Rosito, Direito probatório: as máximas da experiência em juízo, ob. cit., p. 81. 11

STJ, REsp. nº. 210935/SP, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, 6ª Turma, j. em 30.06.1999, DJ 23.08.1999, p. 175. Outra decisão que exemplifica uma máxima de experiência comum é a seguinte: “RESPONSABILIDADE CIVIL. NOTÍCIA VEICULADA EM JORNAL LOCAL. INFORMAÇÕES SOBRE ASSALTANTES PRESOS. DEVER DE INDENIZAR NÃO CONFIGURADO. 1. Não há abuso de direito à informação jornalística quando publicados fatos ocorridos na proximidade da sede da empresa autora, qualificando-se o local como ‘inseguro’ e ‘perigoso’, mormente porque, conforme as máximas da experiência, postos de gasolina localizados na estrada não são lugares efetivamente seguros, especialmente à noite. No caso concreto, tal releva-se ainda mais adequado, considerando a ocorrência reiterada de eventos danosos. 2. Além disso, não se cogita de dano moral na hipótese, considerando a inexistência de atribuição pejorativa que poderia comprometer a imagem da empresa ou mesmo o nome de seu proprietário. NEGADO PROVIMENTO AO APELO” (TJRS, Ap. Cível nº. 70020760120, 10ª Câmara Cível, Rel. Des. Luiz Ary Vessini de Lima, j. em 13.12.2007).

2. “RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE. PATADA DE CAVALO. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. MÁXIMAS DA EXPERIÊNCIA. DEVER DE INDENIZAR. INEXISTÊNCIA. Trata-se de conhecimento comum (CPC, art. 335) que não é prudente passar próximo às pernas traseiras de qualquer cavalo, especialmente se ‘cuiudo’ e desconhecido. Sendo o autor um homem afeito às lides campeiras, torna-se imperioso concluir que se foi vítima de uma patada de tal animal, isso ocorreu exclusivamente em razão de sua conduta imprudente, mormente porque restou demonstrado que o local do acidente era apropriado para se amarrarem os cavalos. APELO IMPROVIDO”.12

Proto Pisani oferece um importante rol de exemplos de situações que oportunamente podem constituir regras de experiência. Segundo ele, as máximas de experiência comum podem surgir de todos os campos do saber: técnico, médico, comum, das ciências naturais, morais, psicológicas, econômicas. Trata-se de noção amplíssima e indefinida, na qual se encaixam noções o mais heterogêneas possível, que vão desde leis naturais e lógicas a noções científicas, de generalização empírica, a regras de senso comum, noções vulgarizadas e superficiais de psicologia, ética, economia, sociologia etc. Os exemplos de máximas de experiência comum apresentados pelo autor são os seguintes13:

1. Regras de saber comum:

• O terceiro desinteressado diz a verdade;

• O terceiro interessado, mas de comprovada moralidade, diz a verdade;

12

TJRS, Ap. Cível nº. 70015032873, 10ª Câmara Cível, Rel. Des. Luiz Ary Vessini de Lima, j. em 23.11.2006.

13

Andréa Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, 5ª ed., Napoli, Jovene, 2006, pp. 417- 418. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, ob. cit., p. 123, oferece, também, alguns interessantes exemplos: “Hipótese muito conhecida é a presunção de culpa do motorista que abalroou outro veículo por trás: segundo o conhecimento das pessoas em geral, ordinariamente esse modo de colidir é o resultado da desatenção do motorista de trás ou má conservação de freios ou pneus (negligência), ou de sua incapacidade de deter o veículo a tempo (imperícia), ou de condutas inaceitáveis, como a excessiva velocidade ou aproximação ao veículo da frente (imprudência). Também o silêncio da testemunha pode ser, conforme as circunstâncias, indício de um conhecimento que ela não quer revelar. É também do conhecimento comum, que se integra nas máximas de experiência do juiz, que ordinariamente a cessão de imóvel se faz a título oneroso, o qual deve ser presumido (o comodato não se presume). O mesmo, quanto à entrega de

• A pessoa idosa recorda mal os fatos recentes e bem aqueles remotos;

• A pessoa muito anciã é provável que tenha dificuldades de audição e visão;

• A declaração da parte desfavorável ao seu próprio interesse e favorável ao interesse adversário é verdadeira;

• A declaração da parte favorável ao próprio interesse e desfavorável ao interesse do adversário não pode ser tida como atendida plenamente.

2. Regras de saber comum relativas a documentos:

• Uma declaração subscrita faz própria aquela declaração;

• A representação de uma declaração ou de um fato contida em um documento redigido por quem desenvolve institucionalmente a função de recolher a declaração alheia, representa fatos havidos ante sua presença e tem fé pública;

• A representação de uma fotografia é aceitável, mas se for colorida, as cores podem ser modificadas.14

Considerando o exposto, é possível pontuar as seguintes características básicas das regras de experiência comum:

• São noções gerais e abstratas pertencentes ao patrimônio cultural de uma comunidade;

• Originam-se da observação do que ordinariamente ocorre no cotidiano de um contexto social (id quod plerumque accidit);

• São conhecidas pelo juiz, uma vez que este é membro dessa coletividade e seu intérprete;

• São objetivas, ou seja, comuns às pessoas de cultura média (homem médio);

14

Caberia aqui, ainda, a ideia de que documento carimbado com fé pública demonstra que aquilo que ali foi declarado é verdade.

• São heterogêneas, podendo surgir de diversos saberes;

• Não se confundem com o senso comum, embora possam representar noções vulgarizadas que se tornaram do conhecimento de todos;

• Considerando a sua notoriedade, cabe destacar que as regras comuns não são objeto de prova15;

• Fazem parte da formação do convencimento motivado do juiz.

Dinamarco faz referência aos artigos 231 e 232 do Código Civil brasileiro para demonstrar um problema que abre caminho a uma proveitosa utilização do art. 335 do Código de Processo Civil. O art. 232 autoriza presumir a ocorrência do fato que a perícia visava comprovar em caso de recusa da parte em se submeter ao exame médico, e o art. 231 fixa uma regra geral, ao estabelecer que a recusa ao exame não pode proporcionar conclusões em favor da parte que se recusar a um exame daquela ordem: “essas duas disposições abrem caminho para uma proveitosa interpretação do art. 335 do Cód. Proc. Civil, permitindo considerar incluída neste a máxima segundo a qual o comportamento da parte no processo pode ser tomado como elemento de convicção para a apreciação da matéria de fato pelo juiz”.16 Parece, pois, que esse comportamento dá origem a uma regra de experiência comum: a parte que se recusa ao exame pericial praticou o ato que se deseja provar.