4.1. Análise dos Resultados
4.1.4. Relação com o assistente social e grau de participação das pessoas sem abrigo na
Passando agora à análise da relação e grau de participação que as pessoas sem-
abrigo mantêm com os assistentes sociais, a maioria das pessoas sem-abrigo apresentam
uma opinião menos positiva. Não consideram que haja espaço de envolvencia ou até
mesmo de decisão na condução do seu plano de intervenção.
Passo a minha vida a mudar de assistente social e isso faz com que não invista muita na
relação, já que passo a vida a mudar. Vou tar a dizer o que quero ou até mesmo pedir
se daqui a um tempo já não estou lá e estou noutro sitio. Estou muito cansado disto.
Não confio, acho que ainda não encontrei aquela assistente social, num dia andamos a
contar a nossa vida a um e no dia deguinte já estamos a contar a vida a outro. Para
termos uma confiança com alguem é preciso tempo. Até hoje numca tive possibilidade
de dar a minha opiniuão e até participar no meu projeto de vida, quando tento dizem
logo que tenho que fazer aquilo que me estão a dizer. Assim fica dificil, né (PSA4).
Os assistentes sociais entrevistados, por sua vez, referiram que hoje a relação
que estabelecem com as pessoas sem-abrigo é de maior proximidade e de confiança.
Contudo, no início da relação, existem algumas dificuldades, que os assistentes sociais
atribuiram às perdas comulativas que estas pessoas sofrem ao longo da vida e que criam
barreiras às relações de confiança. Quanto à participação das pessoas sem-abrigo, nas
estratégias de intervenção, os assistentes sociais referem, a participação ao nível das
actividades diárias, com a entrega de pequenas tarefas e responsabilidades, negociação
nos processos de decisão face ao tipo de intervenção a seguir e na escolha do tipo de
atividades a implementar nas instituições.
A relação de confiança é algo que demora tempo a ser construída e muitas vezes não
acontece, e isso dependerá e muito do tipo de resposta onde está, num centro de
acolhimento é muito complicado, há um vaivém de pessoas a entrar e sair, mas mesmo
assim faço os possiveis para criar uma relação de confiança pelo acompanhamento nas
diligencias, ao atribuir determinadas responsabilidades do seu projeto de vida e dar a
oportunidade à pessoa na definição do seu proprio projeto de vida. Inclusive nas
reunião formais faço sempre chegar a opinião dos utentes é uma forma de participarem
no seu projeto de vida, apesar de não estarem presentes.(AS8)
De um modo geral, as pessoas sem-abrigo apresentam uma opinião
menos positiva no que toca à sua relação com o assistente social e participação na
intervenção, por consideram que não existe espaco de envolvência. Já os assistentes
sociais, contrariam a opinião da pessoa sem-abrigo, considerando que hoje em dia existe
uma relação de maior aproximidade, e de participação no projeto de vida, através da
realização de diligencias e representação, por parte do assistentes sociais, da posição da
pessoa sem-abrigo em reuniões formais. Tal como afirma Payne (2002), uma relação
capacitadora e igualitária procura ajudar os clientes a conquistar poder de decisão e de
acção sobre as suas prórias vidas através da redução do efeito de bloqueios sociais ou
pessoais, aumentando a capacidade e a auto-confiança para utilizar o poder pessoal e
comunitário. (Payne, 2002: 366).
4.1.5. Estratégias das pessoas sem-abrigo face às intituições e intervenção
Questionados sobre as estratégias que utilizam na relação com as instituições e
intervenção, as pessoas sem-abrigo configuraram-nas no âmbito das suas estratégias de
sobrevivência, referindo estratégias de manipulação dos serviços, omissão de
informação de vitimização, e até o exagerar da realidade.
Se não fizermos de coitados ou não andarmos a choramingar pelos cantos, não
conseguimos as coisas. Às vezes corre bem e outras vezes nem por isso vai depender
muito da assistente social, mas quando é assim, mudamos de instituição e continuamos
em busca de outra (PSA10)
Segundo Messu, em muitos casos, as pessoas assistidas criam uma identidade
susceptível de ser recebida pelos serviços, alinhando o tipo de trajectória social com os
estereótipos dessa situação, de forma a facilitar a participação na regulação institucional
(Messu, 2000: 159).
Eu já manipulei assistentes sociais e outros técnicos para conseguir o que queria. Não
conheço esta gente. Já sabemos que temos que encarnar determinadas personagens
para que quem está do outro lado nos veja com bons olhos e nos dê o que a gente tá a
pedir. Quando se está por baixo, muitas vezes temos que fazer coisas para
conseguirmos outras. É a lei do mais forte. E se tiver que fazer tudo de novo faço
(PSA2).
Já me fiz de coitadinho e até já chorei e muito e já menti e muito e quando vemos que a
técnico não confirma as coisas continuamos a mentir, claro. Vamos ser francos, são
muitos tecnicos não os conheco, logo não podemos dizer tudo, até porque o assistente
social pode não concordar e nem gostar e com isso ficamos prejudicados (PSA7)
As respostas dos assistentes sociais confirmam as dadas pelas pessoas sem-
abrigo. Os profissionais confirmaram estratégias de manipulação dos serviços e da
imagem estereotipada de pessoa sem-abrigo, nos primeiros contactos, que ocorrem num
clima de desconfiança por parte dos sujeitos da acção.
São manipuladores, e fazem-nos muitas vezes para obterem o que pretendem, sabem
que o existe em determinada instituição: se tem roupa, alimentação, banho, e muitas
vezes quem são os assistentes sociais Logo sabem o que devem fazer, e até o que devem
dizer para conseguir determinada coisa. É normal este tipo de situações nos primeiros
momentos. Existe claro uma desconfiança por parte do sem-abrigo em relação ao
assistente social e serviços (AS2)
Em suma, tal como afirma Messu (2000), há a utilização de mecanismos de
dependência com os serviços sociais, proporcionados por uma dimensão utilitarista, que
as pessoas sem-abrigo passam entre si como estratégia de sobrevivência, já que
necessitam dos mesmos para sobreviver (Messu, 2000: 147), situação confirmado pelas
pessoas sem-abrigo e assistentes sociais inquiridos.
No documento
Contributos para a inovação da intervenção do serviço social na situação de pessoas sem-abrigo
(páginas 44-46)