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B) O COTIDIANO DO TRABALHO

B.2) Relação com Clientela

O diferencial do trabalho nos Cafés de outros tipos de oficinas é a sua relação direta com o consumidor, a venda dos produtos é mediada pelos trabalhadores demandando que eles desenvolvam habilidades relacionadas a trocas entre cliente e funcionário de um estabelecimento. Nesse aspecto o trabalhador assimila as características desse lugar de comércio comum a todos os locais semelhantes, acrescenta para si esse papel social de vendedor junto com outros que já possui.

O público atingido com o Café é bem variado desde funcionários do CAIS, Serviço de Atendimento Referência Álcool e Drogas (SARAD) e Hospital Estadual, pessoas

internadas nesses locais e seus familiares que vêm visitá-los, funcionários dos ônibus que circulam no local, moradores das Residências Terapêuticas e alunos da Faculdade de Tecnologia de Botucatu (FATEC-BTU). O público variado possibilita a interação dos trabalhadores com diferentes clientes e a especificidade de se trabalhar com venda exige que dos trabalhadores deem atenção aos clientes, bem como uma boa condução do atendimento e conversas para tornar esse momento agradável e favorecer as vendas.

Reparei que o Renato sempre dá preferência para os atendimentos, ele fica muito atento quando chega cliente e é sempre educado com todos: “boa tarde... pois não?... aceita mais alguma coisa?”, entre outros. O Francisco já é diferente, ele espera o cliente pedir e também oferece outras coisas, como bebidas. Os clientes são os funcionários, usuários dos serviços de saúde do local, familiares que vêm fazer visitas e os alunos da Fatec. Nesse local, que é longe do centro da cidade e das opções do próprio bairro, acaba sendo a única opção para as pessoas que estão ali. (DC. 5, 19/10/15, p. 13)

Os trabalhadores se mostram atentos com suas responsabilidades como atender os clientes e oferecer outros produtos para incentivar a venda. Momentos de conversas são iniciados pelos trabalhadores com os clientes estabelecendo conversas cotidianas como quando o Renato pergunta sobre o curso que os estudantes estão fazendo.

Hoje de manhã vieram alguns estudantes da Fatec e o Renato até perguntou se eles faziam Análise de Sistemas e eles disseram que sim e no final o Renato deseja bons estudos para eles e eles agradecem. Não senti que ficaram invasivas as perguntas do Renato e foram bem recebidas pelos estudantes. O Renato tem muito jeito com o público, sempre muito educado, lembra do nome das pessoas que vêm sempre, oferece bebida, ele faz um bom atendimento. [...] (DC. 18, 19/11/15, p. 43)

Alguns clientes conhecem os usuários para além desse espaço de trabalho, como por exemplo, dos Serviços de Saúde Mental do município, tanto profissionais como outros usuários. Uma usuária internada no CAIS, ao vir comprar algo no Café 1, é reconhecida pela trabalhadora Cássia, pois ambas frequentam o CAPS e elas ficam conversando por um tempo.

Chega uma usuária [...] acompanhada por uma profissional [...] elas se conhecem do CAPS e [a] Cássia a reconhece e a cumprimenta e [...] logo a reconhece e a chama pelo nome, ela está com a fala um pouco lentificada. Elas conversam um pouco [...]. Depois que ela vai embora a Cássia comenta

comigo que conhece muitas pessoas daqui, que algumas ela conhece lá do CAPS e que agora estão trabalhando aqui no Hospital Psiquiátrico, a moça que acompanha a Eduarda também é conhecida dela. Ela comenta que as pessoas passam e a cumprimentam [...] (DC. 11, 04/11/15, p. 24)

Os usuários que moram na Residência Terapêutica (que fica localizada no espaço do CAIS) e têm mais autonomia vão ao Café para comprar algo ou mesmo para conversar, como o caso do Lucas9. O Renato o trata bem e coloca que isso é conviver com o diferente. O Lucas tem algumas limitações na fala, mas, mesmo assim, o Renato compreende por já estar mais acostumado. Para aqueles que têm mais autonomia o Café é um espaço de interação também.

Renato comenta que o Lucas, morador da residência do CAIS, vem todos os dias para conversar “ele é como a gente e quer conversar”. (DC. 5, 19/10/15, p. 12)

[Renato] Em outro momento ele fala do Lucas, morador, [...] que ele buscou cativar o Lucas, conversar com ele e tratar ele bem porque é isso que é conviver com o diferente, o próprio nome da AAC tem esse lema. E fala que mesmo ele com o problema dele ele me ensina as coisas e cita a vez que ele pediu para o Lucas escrever para ele a palavra “Residência” e que ele aprendeu a escrever com ele [...]. (DC. 36, 04/02/2016, p. 83)

No geral a relação entre os trabalhadores e os clientes é de comércio, os usuários são vistos como trabalhadores nesse espaço. A conversa sempre se mostra informal e somente diferenciando daquela na qual o cliente conhece os trabalhadores a partir de outros locais. O lugar ocupado pelo usuário no Café é de trabalhador e esse lugar é reconhecido pelos clientes na relação de compra e venda.

A relação com os clientes, funcionários, estudantes, pessoas que vem fazer visitas aos usuários desse serviço de saúde ou mesmo os funcionários dos ônibus circulares é uma relação de comércio, eles vêm, cumprimentam pelo nome quando conhecem, pedem, pagam e vão embora, não há muita diferença nem no atendimento dos trabalhadores e nem dos clientes. (DC. 14, 11/11/15, p. 34)

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Ocupar esse espaço possibilita que o usuário se posicione em outro lugar social, lugar de trabalhador, e isso é uma conquista dessa proposta de, para além de gerar renda, possibilitar também que os usuários construam trocas sociais e ocupem outros papeis na sociedade. Vivenciar esse papel social de trabalhador, de vendedor, não é sempre algo tranquilo e em alguns momentos surgem dificuldades como quando eles têm que desempenhar esse papel sozinho, gerando ansiedade por terem de assumir todas as funções que o Café 1 demanda, como aconteceu com o Renato. Outra dificuldade aparece em relação a clientela que é menos cordial na relação da compra, os trabalhadores também têm que lidar com essas situações que são mais difíceis.

Um dos funcionários do CAIS chega e nem cumprimenta “me dá uma coca”, “anota pra mim” e pega e vai embora, e a Cássia vira pra mim e comenta “que mal-educado”. (DC. 23, 02/12/15, p. 56)

Todos esses aspectos estão relacionados a esse lugar social do papel de trabalhador no campo das vendas e cada trabalhador vivencia o campo de relações sociais que permeiam esse espaço.