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Relação disciplina ministrada e o processo de letramento dos alunos

CAPITULO II: O desprezo pela leitura e pela produção de texto na escola

2.5.1 Relação disciplina ministrada e o processo de letramento dos alunos

Nas últimas décadas, a escola vem sofrendo modificações em decorrência de mudanças sociais e, com isso, tem vivido o que alguns consideram ser a redefinição de seus objetivos, principalmente em relação ao papel da leitura na vida dos alunos. Assim, por meio das respostas dos professores, pode se verificar o modo como pensam o letramento e objetivos pedagógicos (ou a ausência deles) que orientam as atividades de leitura em cada disciplina. Com esses relatos pretende-se mostrar não apenas como pensam os professores que atuam na formação de leitores, mas

79 também apontar os fatores que interferem ou impedem que tais práticas se concretizem. Seguem as respostas dos professores:

Língua Portuguesa: “Acredito que a Língua Portuguesa seja realmente responsável pelo processo sociocultural do aluno, além de capacitá-lo para oralidade, formação de senso crítico e para desenvolvimento da escrita” (Professora PLP). A professora

aponta a leitura como parte do processo de desenvolvimento sociocultural dos indivíduos e atribui à Língua Portuguesa a função do ensino da leitura como requisito para o desenvolvimento da linguagem oral e escrita, bem como o desenvolvimento do senso crítico dos alunos. No mundo contemporâneo, compreende-se que ler e escrever são práticas sociais básicas para o indivíduo transitar socialmente. Entretanto, Soares (2009) afirma que o acesso à língua não se deve reduzir ao aprendizado da leitura e da escrita, mas sim dotar os alunos das ferramentas necessárias para sua utilização. É dessa perspectiva que defende a noção de letramento, caracterizado como um processo histórico-cultural e, também define a linguagem como um produto social. No entanto, a relação que a escola proporciona ao aluno no trato com a leitura nem sempre ocorre em sintonia com o processo histórico- cultural dos indivíduos, ou seja, no sentido de formar leitores críticos e reflexivos. A teoria e prática pedagógica se encontram em dissonância e, conforme Gimeno Sacristán (1998, p. 105): “pensar e agir refletem um no outro. Quando essa distância é alcançada, o pensamento pode incidir sobre a ação, e a reflexão pode ser um mecanismo de aperfeiçoamento tanto dos esquemas e representações mentais como do saber fazer”.

Ciências: a professora também entende sua disciplina como importante para o processo ensino e aprendizagem dos alunos: “Minha disciplina complementa a formação dos alunos e colabora para a deles e colabora para o aumento do conhecimento” (Professora PC). Assim, reconhece que como professora pode

proporcionar a experiência de leitura a seus alunos. Subjacente à sua afirmação está a concepção de que a leitura promove o desenvolvimento intelectual dos alunos. Entretanto, foi possível observar que o espaço destinado à leitura em praticamente todas as aulas (e não somente nas aulas de Ciências) está limitado à sequência do material didático. Ora, adquirir desenvoltura no trato com a linguagem e com textos escritos é condição para que o aluno desenvolva suas habilidades e faculdades, de modo que a leitura e a escrita possam integrar de maneira viva toda a experiência social do indivíduo.

80 Matemática: a prática pedagógica do professor (na verdade licenciado em Educação Física e trabalhando como substituto) tem um caráter singular. Ele não trabalha com conteúdos de matemática, pois alega não dominar o assunto, o que é bastante compreensível. “Auxilio como posso. Sempre procuro trazer textos com informações

que os alunos possam utilizar no dia-a-dia” (Professor PM). O professor tenta justificar

sua prática e os conteúdos trabalhados em sala de aula ao afirmar que utiliza a diversidade de gêneros textuais a favor da aprendizagem dos alunos, demonstrando acreditar na importância do trabalho com a leitura como uma de suas atribuições – dada sua situação específica e inusitada, parece assumir essa responsabilidade. Afirma, ainda, que seleciona textos em função da realidade vivida por seus alunos, introduzindo em sua prática a categoria da transversalidade, uma vez que trabalha com conteúdos que, de certa forma, atravessam muitas disciplinas e o currículo escolar de modo mais amplo. O fato de não trabalhar com conteúdos de Matemática, claro, por não possuir os conhecimentos necessários, pode indicar também a dificuldade da articulação das disciplinas da área de Exatas com as disciplinas em que a leitura e a produção de texto são parte integrante da prática pedagógica. É evidente, como ficou demonstrado, que pertencer à área das Humanidades não garante um trabalho significativo com a leitura e a produção de textos. Conforme Sampaio e Marin (2004, p. 1209), “o contingente de [professores] não habilitados significa, também, a ausência de formação pedagógica e o enfrentamento de realidades escolares muito diferentes das que viveu como aluno e, com outra perspectiva, da realidade de professor”. De qualquer maneira, o professor assume uma posição que eleva o conteúdo de sua disciplina à categoria de conhecimento supervalorizado e externo a experiência dos alunos. O esforço do professor PM indica a prevalência dessa situação. Uma vez desobrigado de seguir uma programação que dê conta dos conteúdos previamente definidos, busca levar para sala de aula temas que, segundo sua avaliação, seriam do interesse da turma. No entanto, sendo licenciado em Educação Física, abre mão ou não tem condições de trabalhar com o conteúdo da Matemática e, assim, deixa de contribuir com textos pertinentes à disciplina a qual se propôs a substituir. Torna-se necessário considerar os diversos fatores que contribuem para que o professor e a escola assumam essa postura, o que foge do escopo da presente investigação.

História/Geografia: já a professora PH/G aponta para a leitura como pré-requisito para que o aluno possa aprende. “O aluno precisa ler, compreender e interpretar para que ele tenha condições de participar e demonstrar seu conhecimento. [...] Leitura e escrita são fundamentais para as disciplinas” (Professora PH/G). Ela atribui à leitura um

81 caráter instrumental ao afirmar que para “participar” o aluno precisa saber ler, ou seja, a leitura é o meio que permite o aluno mostrar o que aprendeu. Contudo, Rojo (2009) aponta que, nas últimas décadas, foi possível compreender que, além da decodificação, a leitura demanda capacidades de compreensão, interpretação, apreciação, dentre outras. Por seu turno, Soares (1998, p. 74), afirma que o “[...] letramento não pode ser considerado um instrumento [...], mas é essencialmente um conjunto de práticas que envolvem a leitura e escrita [...] responsáveis por reforçar ou questionar valores, tradições, formas de distribuição de poder presentes nos contextos sociais”. A professora compreende a importância da leitura no processo de ensino e aprendizagem, mas não assume essa responsabilidade em sua prática pedagógica, ao contrário, ressalta que nas disciplinas de História e Geografia – que demandam leitura e compreensão – o letramento é pré-requisito para o aluno apreender os conteúdos, sendo assim, algo mais ou menos externo às disciplinas.

Educação Física: com relação à resposta da professora PEF, esta mostra o desprestígio de sua disciplina, já que aponta que são os professores das demais disciplinas que devem trabalhar com os conhecimentos valorizados socialmente. “Não trabalho com leitura nas aulas de educação física” (Professora PEF). A escola é um

espaço que tem por base o texto escrito – além de gravuras, mapas e outras formas passíveis de leitura. Embora afirme não trabalhar com leitura, a observação na escola permitiu verificar a presença de textos escritos: exposição das regras de um esporte na lousa e a elaboração de avaliações dos alunos.

Todos os professores foram unânimes em afirmar que é papel da escola a formação de leitores e das disciplinas proporcionar situações nas quais seja desenvolvida a leitura crítica e reflexiva, além de proporcionar o contato com os diversos tipos de textos. No entanto, o traço que parece estar mais presente é a preocupação dos professores com os conteúdos específicos de suas disciplinas ou com o material didático referente ao Caderno do Aluno, independentemente da relação que os alunos possam desenvolver com esses conteúdos. Esse posicionamento transforma a leitura em meio para a aprendizagem e não em objeto sobre a qual a prática pedagógica poderia incidir. Dessa perspectiva, Gimeno Sacristán (1998, p.31) que “a ação pedagógica não pode ser analisada somente sob o ponto de vista instrumental, sem ver os envolvimentos do sujeito – professor – e as consequências que tem para sua subjetividade que intervirá e se expressará em ações seguintes”. Diante do quadro atual da educação e da escola pública brasileira, o professor de qualquer que seja a disciplina ministrada pode ser responsável pelo envolvimento mais profundo de seus alunos com o universo da leitura, o que poderia promover o que

82 parece ter perdido sua razão de ser na prática pedagógica: o ensino. As observações realizadas deixam a impressão de que, muitas vezes, os alunos são deixados à própria sorte – se já apresentam condições de acompanhar as aulas, tudo bem, caso contrário, não há muito que os professores estão dispostos a fazer.

Diante do quadro atual da educação e da escola pública brasileira, o professor de qualquer que seja a disciplina ministrada pode ser responsável pelo envolvimento mais profundo de seus alunos com o universo da leitura, o que poderia promover o que parece ter perdido sua razão de ser na prática pedagógica: o ensino. As observações realizadas deixam a impressão de que, muitas vezes, os alunos são deixados à própria sorte – se já apresentam condições de acompanhar as aulas do ensino fundamental II, caso contrario, não parece haver muita disposição dos professores para que essa prática mais instrumentalizada da leitura se altere.