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Relação entre o índice de Centralização Relativa e a razão de concentração

6. OUTROS RESULTADOS

6.2. Relação entre o índice de Centralização Relativa e a razão de concentração

Uma medida proposta para medir a segregação geográfica é o índice de Centraliza- ção Relativa (RCE(X)). Essa medida parte da pressuposição de que existem diferenças nas proporções de pessoas de cada categoria em diferentes bairros. Além disso, também se pressupõe que existe uma tendência de aumento da proporção de uma das categorias à medida que os bairros estão mais distantes do centro. Utilizando a notação (2.25), porém adotando a ordenação dada pela distância do bairro até o centro, o RCE(X) é definido por Duncan e Duncan (1955b) como

RCE(X) = kj=1 Ψj−1ρj kj=1 Ψjρj−1. (6.1)

É importante destacar que essa medida varia de −1 a 1, inclusive os extremos. Valores positivos indicam que a categoria de interesse (X) está mais concentrada no centro, enquanto que valores negativos indicam que a categoria Y está mais concentrada em relação ao centro. As duas situações extremas ocorrem quando, para todos os bairros até a distância h do centro, só residam pessoas de uma categoria e para bairros cuja distância seja maior que h só residam pessoas da outra.

Podemos adicionar e subtrair a expressão (∑kj=1Ψjρj ∑k

j=1Ψj−1ρj−1) ao lado direito da eq. (6.1). Fazendo as operações algébricas necessárias1 e observando que

k j=1jρj− Ψj−1ρj−1) = Ψkρk= 1, tem-se RCE(X) = 1 kj=1j − Ψj−1)(ρj+ ρj−1). (6.2)

De modo semelhante às operações anteriores, também se pode chegar à expressão

RCE(X) =

k

j=1

(Ψj + Ψj−1)(ρj− ρj−1)− 1. (6.3)

Observe que o primeiro termo do lado direito da equação acima corresponde a duas vezes a área βS no gráfico da curva de segregação menos um (ver eq. (2.28)). Assim, de (6.3) temos

RCE(X) = 2βS− 1. (6.4)

Não podemos dizer que o RCE(X) é o negativo do índice de Gini, comparando as eqs. (6.4) com (2.31). Para a construção do índice de Gini, os indivíduos são ordenados conforme a renda e o eixo das ordenadas é a proporção acumulada da renda desses in- divíduos. Quando a ordenação é feita por uma variável, mas a proporção acumulada no eixo das ordenadas é outra, a formulação é equivalente ao do índice de Gini, porém essa medida recebe o nome de razão de concentração (PYATT; CHEN; FEI, 1980).

Assim, a expressão do RCE(X), multiplicada por menos um, é uma forma equi- valente às expressões da razão de concentração encontradas na literatura. Uma vez que a população está ordenada por valores não decrescentes de uma variável e o eixo das ordenadas é a proporção acumulada dessa mesma variável, a expressão do−RCE(X) é a mesma que do índice de Gini. Os limites inferior e superior da razão de concentração são, respectivamente, segundo Hoffmann (2014), −1 + 1/n e 1 − 1/n, quando a ordenação é realizada pela renda em população finita. A razão pela qual temos que RCE(X)∈ [−1, 1] é a mesma que a discutida na seção 6.1.

No Brasil, só foram encontrados dois trabalhos que fazem referência ao índice de Centralização Relativa. São eles Carvalho et al. (2013) e Fernandes (2012), porém nenhum dos dois trabalhos aplicam essa medida.

O RCE(X) apareceu na literatura sobre medidas de segregação após o trabalho de Massey e Denton (1988), porém acreditamos que é inapropriado tratá-lo como medida de segregação. Um exemplo numérico ilustra esse fato. Imagine uma cidade com três bairros, ordenados por ordem decrescente de distância ao centro, com a distribuição apresentada na Tabela 6.1.

Tabela 6.1. Distribuição das categorias X e Y nos bairros de uma cidade hipotética j Xj Yj xj yj Ψj ρj Ψj−1ρj Ψjρj−1

1 1000 0 0,5 0 0,5 0 0 0

2 0 50 0 1 0,5 1 0,5 0

3 1000 0 0,5 0 1 1 0,5 1

Fonte: elaboração própria.

O cálculo do RCE(X) indicará valor 0, enquanto o índice de Dissimilaridade é 1. De fato, a segregação é máxima nessa situação, pois em todos os bairros residem exclusivamente pessoas de uma categoria. Portanto, o índice de Centralização Relativa medirá a concentração dos grupos em relação ao centro, mas não a segregação existente entre grupos.

Hoffmann (2014) destaca uma importante propriedade da razão de concentração. Se as proporções de pessoas de ambos os grupos forem iguais em todos os bairros, a razão de concentração será 0, porém o inverso não é válido. Se o RCE é igual a 0, não se pode afirmar que as proporções de pessoas de cada grupo em cada bairro serão iguais. Assim, temos que xj = yj, para todo j, é condição suficiente para RCE(X) = 0, mas xj = yj

não é condição necessária para RCE(X) = 0. O exemplo numérico da Tabela 6.1 ilustra esse fato.

Portanto, considerando que a distribuição espacial dos dois grupos é a mesma quando as proporções são iguais em todos os bairros, deve-se tomar cuidado com a afir- mação de que quando o valor do índice é zero, os dois grupos têm a mesma distribuição espacial, como foi afirmado em Massey e Denton (1988, p. 292). Por fim, reafirmamos que o RCE(X) não deve ser utilizado como medida de segregação, pois ele medirá a concentração dos grupos em relação ao centro, e não a segregação como desejado.

6.3. O índice proposto por Karmel e MacLachlan (1988)

O trabalho de Karmel e MacLachlan (1988) propõe uma “nova medida” de segre- gação por gênero. Adaptando a notação para a utilizada neste trabalho e admitindo que o grupo de interesse é o X, temos que o Ip(X) proposto pelos autores é:

Ip(X) = 1 T kj=1 |P Yj− (1 − P )Xj|. (6.5) Desenvolvendo os termos dentro da função modular e lembrando que Tj = Xj+ Yj, podemos encontrar a equação

Ip(X) = ∑k

j=1|P Tj − Xj|

T . (6.6)

Observe que P Tj = (X/T )Tj é a quantidade esperada de pessoas da categoria X, no j-ésimo estrato, caso não houvesse segregação. Deste modo, o numerador da expressão (6.6) é a soma das diferenças entre o valor esperado e o valor observado do número de pessoas da categoria X em cada estrato, desconsiderando o sinal da diferença. Compa- rando a equação (6.6) com o índice I8(X) apresentado em Jahn, Schmid e Schrag (1947,

p. 147)2 temos que Ip(X) = I

8(X). Além do trabalho de Karmel e MacLachlan (1988), os

autores Walker, Stinchcombe e McDill (1967, p. 6) também haviam proposto esse mesmo índice, que denominaram de replacement index (conforme eq. (6.7) adiante).

Portanto, o novo índice proposto pelos autores em 1988 já havia sido descrito anteriormente na literatura sobre medidas de segregação. O Ip(X) de Karmel e MacLa- chlan (1988) não é comum na literatura recente sobre segregação, porém os trabalhos de Watts (1998a, 1998b) recomendam seu uso em detrimento ao tradicional índice de Dissi- milaridade, argumentando que o índice possui as propriedades desejáveis de equivalência organizacional, invariância de escala e simetria de gênero. Nota-se, ainda, que Karmel e MacLachlan (1988) e Watts (1998a, 1998b) não fazem referência ao trabalho de Jahn, Schmid e Schrag (1947) ou Walker, Stinchcombe e McDill (1967).

2 I 8=

(observed number of Negroes- expected number of Negroes)

Esse índice apresenta, todavia, uma propriedade não desejável. Desenvolvendo a eq. (6.5), chega-se a Ip(X) = P (1− P ) kj=1 Yj (1− P )T Xj P T .

Utilizando a definição (2.4) e a expressão para o índice de Dissimilaridade (eq. (2.38)) temos

Ip(X) = 2P (1− P )D(X). (6.7)

A expressão P (1− P ) é uma função crescente para P ∈ (0, 1/2) e decrescente para

P ∈ (1/2, 1). Portanto, em P = 0, 5 temos um ponto de máximo (global). Assim, o valor

do índice assumirá valor máximo, sob a hipótese de máxima segregação, quando P = 0, 5 e este valor será 2P (1− P ). A Figura 6.1 mostra como varia o valor da medida Ip(X) de acordo com as proporções da categoria X na população total, considerando o valor 0,5 para o índice de Dissimilaridade.

Figura 6.1. Variação do Ip(X) conforme proporção das categorias para D(X) = 0, 5

A propriedade indesejável do índice é que o valor do Ip(X) é sensível à proporção das pessoas de cada categoria. Por exemplo, no Brasil e na maior parte dos países, a participação das mulheres no mercado de trabalho vem crescendo ano após ano, embora permaneça abaixo de 50%. Deste modo, o valor do Ip(X) crescerá, mesmo que seja constante o grau de segregação de acordo com o índice de Dissimilaridade.

Para ilustrar o problema com um exemplo real, a Tabela 6.2 apresenta a proporção de homens e mulheres no mercado de trabalho no Brasil, de acordo com os dados da PNAD, para os anos de 2002 a 2014. Os recortes da amostra seguem os apresentados no Capítulo 5.

Os resultados mostram que a participação das mulheres no mercado de trabalho cresceu 8,05%, ou 3,07 p.p. no período. Por outro lado, a segregação diminuiu ano após ano de 2002 a 2014, com exceção dos aumentos em 2012 e 2013, segundo o índice de Dissimilaridade. Note que no ano de 2006 a segregação era menor quando comparada a 2005, em 0,16 p.p. - ou −0, 39% - utilizando o índice de Dissimilaridade, porém, devido ao aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho, o índice Ip(X) indica aumento da segregação em 2006, quando comparado a 2005, em 0,01 p.p. (ou 0, 05%).

Tabela 6.2. Segregação de gênero no mercado de trabalho. Brasil, 2002 - 2014

Ano Prop. de homens Prop. de Mulheres Dissimilaridade Ip(X)

2002 0,6186 0,3814 0,4242 0,2001 2003 0,6164 0,3836 0,4170 0,1972 2004 0,6091 0,3909 0,4107 0,1956 2005 0,6079 0,3921 0,4056 0,1934 2006 0,6026 0,3974 0,4040 0,1935 2007 0,6009 0,3991 0,4022 0,1929 2008 0,5994 0,4006 0,3958 0,1901 2009 0,5944 0,4056 0,3933 0,1896 2011 0,5936 0,4064 0,3759 0,1814 2012 0,5911 0,4089 0,3779 0,1827 2013 0,5899 0,4101 0,3813 0,1845 2014 0,5879 0,4121 0,3760 0,1822

Fonte: elaboração própria de acordo com os microdados da PNAD.

Nota-se, ainda, que os próprios autores Jahn, Schmid e Schrag (1947, p. 294) enfatizam que uma das propriedades desejáveis de um índice de segregação é que essa medida não seja afetada pelo tamanho da população e, tampouco, pela proporção das categorias. Esta propriedade ao qual o índice não atende é a propriedade 1 (invariância de escala) apresentada no Capítulo 3, para o caso em que α∗ ̸= β. Assim, concluímos que o Ip(X) não deve ser utilizado como medida de segregação, em especial quando é analisada a segregação de gênero no mercado de trabalho.

O crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho é um fenômeno importante, mas é melhor diferenciá-lo de segregação. Não é conveniente misturar o crescimento dessa participação e mudanças no grau de segregação em um mesmo índice.

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