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Relação entre delinquência e consumo abusivo de drogas

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CAPÍTULO I DROGAS E LEGISLAÇÃO

1.4 Relação entre delinquência e consumo abusivo de drogas

Diversos estudos buscam identificar a relação entre a delinquência e o uso abusivo de drogas, pois há uma crença social subjacente que estes fenômenos costumam ocorrer conjuntamente, ainda que a maioria dos usuários e dependentes de drogas não pratique crimes, e que muitos ilícitos sejam cometidos sem a influência de qualquer substância a alterar a consciência do indivíduo.

Esta percepção decorre do fato que as estatísticas indicam que parte dos criminosos faz uso de drogas para realizar os crimes ou pratica delitos para obter entorpecentes, assim, as pesquisas procuram estabelecer tal relação, produzindo dados que justificam a adoção de diferentes modelos de políticas públicas e criminais relacionadas às drogas.

Esse discurso oficial e midiático é reforçado pelo modo como os órgãos institucionais tratam a questão, e até mesmo são denominados, a exemplo do Escritório das Nações Unidas Sobre Drogas e Crime (UNODC), criado em 1997, diretamente vinculado a ONU, com escritórios espalhados pelo mundo, com atuação contra as drogas, corrupção e tráfico de pessoas.

A maioria dos estudos não apresentou resultados conclusivos, pois trata- se de tema complexo, que apresenta diversos fatores causais, entre eles os de ordem biológica, psicológica e sociológica.

Ademais, não existe uma droga que oriente o indivíduo a cometer crimes, o que se constata é que o uso de drogas é considerado uma das várias causas do comportamento criminoso, como apontam Minayo e Deslandes:

Uma questão que não está suficientemente explicada é se a presença de álcool ou drogas nos eventos violentos permite inferir que elas tenham afetado o comportamento das pessoas envolvidas. Noutras palavras, não é possível saber se essas pessoas em estado de abstinência não teriam cometido as mesmas transgressões. Outra questão é o não-discernimento entre o uso de drogas como um fator que, associado a outros, desencadeia comportamentos violentos e o uso de drogas como fator causador, porque, na verdade apenas o que nos é possível inferir é a alta proporção de atos violentos quando o álcool ou as drogas estão presentes entre os agressores

e vítimas, ou em ambas as partes (MINAYO; DESLANDES, 1998, p. 37).

O pesquisador Paul Goldstein, na década de 80, foi pioneiro em investigar os crimes associados ao consumo de drogas, contribuindo com os estudos da sociologia do crime. Propôs que a reforma da legislação norte-americana sobre o uso da Cannabis deveria considerar que a droga constituía um fator relevante para a prática de crimes violentos. Sustentou que sua liberação poderia equivaler ao que aconteceu com o fim da proibição do álcool no período da Lei Seca, que pôs fim a violência sistêmica relacionada ao seu uso (GOLDSTEIN, 1985).

O estudo de Goldstein sofreu diversas inclusões e reformulações, entretanto permanece servindo como ferramenta para subsidiar a relação entre delinquência e drogas. Para explicar sua teoria sobre as relações causais, criou um modelo tríplice, no qual distinguiu a relação entre delinquência e drogas, nos seguintes aspectos:

• Psicofarmacológico: O uso de drogas tem um efeito sobre o crime, devido aos efeitos psicofarmacológicos, os "efeitos desinibidores ou desorientadores da droga sobre a mente ou o corpo”, como a síndrome de abstinência, a intoxicação e seus danos neurológicos. As drogas estimulantes, como a cocaína, teriam conexão com o aumento de crimes contra a vida e alguns tipos de violência nos grupos familiares, por conta dos efeitos psicológicos que desencadeiam. Ou seja, a droga atuaria como fator desencadeante, entretanto a violência seria oriunda de outros aspectos, profundamente documentados na literatura, sobre a dinâmica das relações sociais. O álcool é uma das drogas com maior contribuição para a violência psicofarmacológica;

• Econômico-compulsivo: O uso de drogas propiciaria uma contribuição compulsivo-econômica para o crime, quando este se torna uma maneira de pagar por drogas, e assim evitar o profundo mal estar decorrente da impossibilidade de consumo. Denominados de criminalidade funcional ou delinquência funcional, incluem-se nesse modelo, os crimes contra o patrimônio, nos quais o autor obtém o dinheiro diretamente do roubo, com receptadores, ou trocando por drogas diretamente com o traficante. As drogas mais relacionadas a este tipo de violência são a heroína e o crack;

• Sistêmico: São aqueles descritos nas leis de drogas, quando atos criminosos se tornam uma forma rotineira de negociar com as drogas. Caracterizam- se pela violência decorrente desse mercado, nas disputas territoriais entre traficantes, roubo de dinheiro da venda da droga ou da própria mercadoria, brigas pela qualidade e quantidade do produto ou nas cobranças contra usuários e dependentes. Inclui corrupção e delitos contra a intimidade, liberdade e integridade física das pessoas. A cocaína é a droga que mais contribui para este tipo de violência (GOLDSTEIN, 1985).

Outras teorias apontam fatores econômicos, psicológicos, sociais, e até mesmo genéticos, para os fenômenos conjuntos da delinquência e consumo abusivo de drogas.

Assim, para a Teoria Econômica, sustentada por Bennet y Holloway (2008), os criminosos só adquirem drogas para consumo, se os lucros de seus crimes assim o permitirem, desde que não comprometam os gastos com sua subsistência diária.

Para a Teoria Psicológica, aspectos individuais da personalidade predispõem tal relação, como baixo autocontrole, personalidade antissocial, avidez por sensações, experiências traumáticas e desagregação familiar (NOVELLO, 2009).

A Teoria Sociológica sustenta que fatores como exclusão social, influência de amigos, modismos e a cultura das ruas, seriam as possíveis causas da relação entre os fenômenos da delinquência e uso abusivo de drogas (DIAS; ANDRADE, 2013).

A vulnerabilidade genética para confluência dessas características é o argumento defendido pelos estudiosos da Teoria Genética. Sugerem que a euforia induzida pelo uso contínuo de drogas estimulantes no cérebro alteram os circuitos

de recompensa, levando os usuários a maior necessidade das substâncias psicoativas. Demonstraram que indivíduos que possuem o sistema de recompensa geneticamente alterado, com menor recepção dos neurotransmissores de prazer, estariam mais vulneráveis a desenvolver vício, sem mesmo ter contato com drogas, utilizando para fins de estudo a cocaína (DEITCH, KOUTSENOK; RUIZ, 2000).

Heim e Andade (2008), em revisão de literatura, verificaram que no período de 1997 a 2007, pesquisas internacionais realizadas nos Estados Unidos, na Índia, no Taiwan, na Espanha e na Austrália, apontaram que o uso de substâncias psicoativas estava relacionado com a delinquência, citando entre outros, Durant et al., 1997; Crowley et al., 1998; Amiti-Mackesy e Fendrich, 1999; Kuo et al., 2002; Gonzalvo, 2002; Belenko e Logan, 2003; Helstrom et al., 2004; Swahn e Donovan, 2004; Kim e Kim, 2005; Lennings et al., 2006.

No Brasil não há estudos conclusivos, apesar dos pesquisadores afirmarem que o uso de substâncias psicoativas, entre outros fatores, podem eliciar o comportamento violento e funcionam como facilitadores de situações de violência. "Há um uso descontrolado de bebidas alcoólicas no mundo atual e esse fator pode estar contribuindo para o aumento de situações de risco de violência." (HEIM; ANDRADE, 2008, p. 61-64).

Essa relação está confirmada nas situações de violência doméstica contra a mulher e abuso físico e sexual contra as crianças pelos pais ou outros cuidadores, como pesquisado por Zilberman e Blume (2005, p. 53):

Estudos relatam índices de alcoolismo de 67% e 93% entre maridos que espancam suas esposas. Entre homens alcoolistas em tratamento, 20 a 33% relataram ter atacado suas mulheres pelo menos uma vez no ano anterior ao estudo, ao passo que suas esposas relatam índices ainda mais

elevados. A Associação Médica Americana10relata que o estupro representa

54% dos casos de violência marital.

Nos Estados Unidos, foi elaborada uma metodologia para verificação da relação entre delinquência e consumo abusivo de drogas, que apresenta fartas evidências a corroborar a relação entre drogas e delinquência. Trata-se do relatório ADAM - Arrestee Drug Abuse Monitoring Program, elaborado pelo National Institute of Justice (NIJ) e Office of National Drug Control Policy (ONDCP).

Realizado desde 1998, em diversos países como Austrália, Inglaterra, Holanda, Escócia e África do Sul, o estudo consiste no monitoramento do uso de

drogas entre detidos, por meio do exame em mostras de urina, coletadas em até 48 horas de sua detenção, e realização de entrevista estruturada.

Em 2008, os relatórios produzidos mostraram que entre 49% e 87% dos detidos nos Estados Unidos, (dependendo do Estado), tiveram resultado positivo em teste de urina para, pelo menos, 01 droga ilegal (OFFICE OF NATIONAL DRUG CONTROL POLICY, 2009).

No mesmo ano, na Austrália, após revisão em trinta pesquisas que tiveram por objetivo estabelecer a relação entre delinquência e consumo abusivo de drogas, Bennet, Holloway e Farrington apontaram que a probabilidade de sujeitos que consomem drogas cometerem crimes é quatro vezes maior, que naqueles que não fazem uso de drogas (BENNET, HOLLOWAY; FARRINGTON, 2008).

Se por um lado os resultados do Relatório ADAM subsidiam o discurso oficial e a produção de leis antidrogas cada vez mais severas, os estudos que visam identificar causas determinantes da relação entre delinquência e consumo abusivo de drogas acabam por expor as críticas à insuficiência da própria legislação, o fracasso do modelo proibicionista e a criminalização na sociedade excludente (YOUNG, 2002).

Ainda que se tenham tais estudos por exageradas ou tendenciosas, os dados apontam para necessidade do aperfeiçoamento das medidas preventivas primárias, secundárias e terciárias para enfrentamento da delinquência relacionada com o consumo de drogas.

Nesse sentido, interessa na presente pesquisa investigar o funcionamento do programa Justiça Terapêutica, como uma das medidas preventivas terciárias disponíveis, como será verificado no próximo capítulo.

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