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CAPÍTULO V EDUCAÇÃO PLANETÁRIA: O que sabem e pensam os

5.1 A COMPREENSÃO PLANETÁRIA DOS PROFESSORES

5.1.1 A Relação entre o Local e o Global

A relação entre o local e o global faz-se necessariamente presente na discussão da educação planetária, como defendem Gadotti (2000) e Boaventura (2001), já que esta educação propõe uma visão da interdependência entre os fatos do mundo. A respeito desta primeira questão, todos os professores disseram estabelecer esta relação em suas aulas, no entanto, apenas dois dos seis professores apresentaram, claramente, em suas respostas, fazerem a relação entre o local e o global. Segue o exemplo dos dois sujeitos:

Até mesmo quando não anuncio com o aspecto global, eles anunciam (...) levo margem pra eles falarem das dores deles, deles abordarem ou anunciarem algo de nível mais global, estadual, federal, regional.

(Sérgio/ Português/ Inglês) Sempre procuro trazer os fatos, fazer essa ponte entre o local e o global (Arcílio/ Geografia)

Os demais sujeitos indicam, a partir de suas falas, uma associação desta questão à atualidade, a trazer os acontecimentos para sala de aula.

Pronto. A questão do Iraque mesmo, quando a gente trabalha Mesopotâmia, aí eles não sabem, mas se você falar no Iraque, a primeira coisa que vem ´Ah, a guerra aconteceu. O presidente do Estados Unidos invadiu’. ´Ah, é? Invadiu por quê?’. Eles dizem logo que é pela questão do petróleo, depois eles começam a se perguntar ´Por quê eles brigam tanto?’. Aí, eu trago a questão da água, e não só o petróleo.

(Maria Clara/ História) Procuro. Procuro. Até em matemática mesmo quando eu estou ensinando números positivos, números negativos, eu dou exemplo de opostos. Guerra, paz. É como tirar deles uma coisa positiva e uma coisa negativa. Esse é um dos exemplos, né? Eu também ensino quinta série, os meninos de quinta série... eu falo assim, de acontecimentos. Eu tiro deles, aí eu faço probleminhas utilizando os acontecimentos. Eu gosto, gosto de contextualizar, com pequenas histórias. História da matemática, história dos egípcios, como começou aquele negócio da numeração. Ás vezes eu chamo de questionamento.

(Rosa/ Matemática)

No primeiro depoimento, pudemos verificar que a professora traz os fatos para a sua discussão, contudo, não demonstra, em sua fala, estabelecer relação entre local e o global. A segunda professora, por sua vez, apresenta compreender o local e o global como uma contextualização de abordagens da própria disciplina, que é o caso de trazer a história da

matemática, da numeração. Ela também não apresenta estabelecer as relações entre os acontecimentos.

Uma das professoras, Sara, explicou que sempre relacionava o local e o global, contudo, o exemplo que fornece não dá elementos que possamos dizer que a mesma compreende o que significa relacionar o local e o global. A professora Sara diz trazer essa discussão quando aborda aspectos do cotidiano. No caso da professora Maria Clara, citada anteriormente, ela faz uma abordagem do que está acontecendo em outros países, sem tecer uma relação com o seu contexto. A professora Sara faz o caminho inverso: delimita o local e não explicita fazer o paralelo com uma discussão mais ampla.

Isso aí eu procuro trabalhar assim, dentro da sala de aula. Se eu entro e a sala está suja, cheio de papelzinho eles vão apanhar. Mas isso é de forma incessante, entendeu? Eu não canso. É diariamente. É toda aula. Eu entrei a primeira coisa que eu olho é pro chão. Querido, pega o papel. Então, é dessa forma: olha a tua cidadania, olha a tua obrigação. Quando você fizer, o seu direito pode ter certeza que eu te dou o teu direito. Então eu trabalho tudo isso, mas você esbarra num processo que é difícil, né? (...) Local, dia a dia, o banho dele, a casa, a mãe, o pai, como ele escova os dentes, pra ver se desperta, pra ver se ele desperta.

(Sara/ Ciências)

A maioria dos nossos sujeitos, portanto, não discutem os fatos como interdependentes, como uma realidade que se imbrica também com a sua. Relacionar o local ao global é ir além de trazer informações, contudo, é relacionar estas informações, compreendê-las num contexto mais amplo (GADOTTI, 2000).

Pimenta (2005), como já foi exposto na nossa discussão teórica, acredita que o conhecimento implica em relacionar, classificar e contextualizar as informações e, para que isso aconteça, a autora argumenta que é importante articular o conhecimento em totalidade para que possa ser construída a noção de cidadania mundial. Gadotti (2000), da mesma forma,

argumenta que “é preciso contextualizar, globalizar, relacionar, buscar as múltiplas causas das coisas” (p. 38).

Assim, podemos dizer que dois dos seis sujeitos demonstram ter compreendido a nossa pergunta e os demais, por sua vez, não demonstram compreender a questão, pelo menos, da forma que acabamos de expô-la, mas, sim, a compreendem como abordagem dos acontecimentos.

Registramos dois depoimentos que apontam dificuldades dos professores de estabelecerem relações entre o local e o global.

É mais fácil você chegar com o assunto prontinho e começar a escrever no quadro e depois explicar e pedir pra todos fazer silêncio, fazer silêncio, fazer silêncio...ai você chega no final da aula, você deu o assunto. Mas é muito mais difícil você ter a compreensão deles...dos alunos...de que esse tipo de aula é necessário que eles participem...é necessário um interação, não só o professor falando mas eles também. Ele perguntam ´Oxente, professor, não vai ter aula não, é?’ ‘ Não é pra tirar do quadro, não’?

(Arcílio/ Geografia) Ás vezes eu chamo de questionamento. Aí os meninos perguntam, professora a senhora ensina matemática ou português.

(Rosa/ Matemática)

Estes exemplos mostram o que é exigido do professor, dentro da realidade escolar, o que ele conheça, o que ele ensine. É exigido, neste caso, que o professor ensine o conteúdo, pois, como vimos, quando se propõe a discutir outras questões além da matéria a ser ensinada, os próprios alunos não são receptivos a esta abordagem. Os alunos, na verdade, refletem um sistema de ensino estruturado que atribui ao professor seus papéis.

Podemos refletir sobre as dificuldades desses professores compreenderem a relação entre o local e o global a partir do pensamento de Larossa (2002). O autor argumenta que os acontecimentos nos são dado de forma fragmentada e pontual. A velocidade da informação

impede a conexão significativa entre os acontecimentos. Trazendo esta reflexão para o nosso trabalho, percebemos, a partir de suas falas, tais influências sobre o professor.

Morin nos adverte da dificuldade dos educadores perceberem esta interdependência:

Não se pode separar o conhecimento da parte da consciência de seu contexto e, ao final, a globalização é este encontro. Mas o conhecimento das partes, isto é fundamental e muito difícil. Não é fácil, diante da manutenção do pensamento mutilado, da inteligência cega do cretinismo generalizado (2004, p. 34).

Ainda sobre a relação entre o todo e as partes, Morin comenta que “Bem, tudo isso significa reaprender a aprender. Reaprender é o mais difícil, aprender é fácil. Reaprender é mudar as estruturas do pensamento. Por isso é uma tarefa muito difícil (...)” (2004, p. 54-55). Vimos, então, que relacionar os acontecimentos locais e globais ainda se constitui como um desafio para os professores e, podemos dizer, que para educação. Ainda se constitui como um saber a ser construído, mas antes disso, um saber a ser a validado, como pertinente para o exercício da docência, considerando o contexto atual.