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Relação entre Orientação Moral e Religiosidade

A relação entre a moral e a religião é um tema bastante enfatizado pelos especialistas, tendo tais âmbitos sido amplamente abordados no Capítulo 2. No entanto, importa sublinhar a parca investigação empírica encontrada que aludisse às conexões entre a orientação moral e a religiosidade e a espiritualidade. Apesar dessa dificuldade, apresenta-se seguidamente os dados de alguns estudos.

Conforme já foi explicitado, Botvar (2005) desenvolveu um trabalho na Escandinávia sobre a influência da religião no pensamento moral, objectivando o estudo a comparação dos princípios morais de três gerações daquela península europeia. Importa agora observar as suas conclusões no âmbito da relação entre a moral e a religião.

63 No que respeita ao pensamento moral, as três gerações apresentam modos distintos de reflectir. Os jovens assentam as suas decisões na protecção da sua felicidade e da felicidade dos outros. Revelam-se preocupados com as consequências das suas atitudes morais, consideram que o bem ou o mal resultante de uma acção depende das circunstâncias. A geração dos avós enfatiza a sua formação, as leis e a religião na tomada de decisões, postura que evidencia uma preocupação com os deveres e com as obrigações. Acrescente-se que indivíduos mais velhos valorizam as regras universais relativamente ao certo e ao errado de uma acção, quaisquer que sejam as circunstâncias. A geração dos pais surge numa posição intermédia face às outras duas. O autor do estudo refere que a geração dos avós apresenta uma moralidade deontológica, enquanto os jovens apresentam uma moral consequentualista.

A relação entre a orientação moral e a religiosidade conheceu uma abordagem inovadora com um estudo realizado com agentes da paz finlandeses, que trabalharam em missões militares e civis na Bósnia, entre 2001 e 2002 (Ryhänen, 2005). A investigação teve por objectivo examinar a orientação moral seguida pelos agentes da paz através da identificação de discursos distintos nas suas narrativas. Os relatos referentes às crenças religiosas foram introduzidos como elementos relevantes na delineação de uma orientação moral.

O autor partiu das concepções de orientação moral para a justiça presente na teoria kohlbergiana e de orientação moral para o cuidar defendida por Gilligan para desenvolver o seu estudo, tendo, no entanto, considerado que estas teorias eram insuficientes para explicar as motivações interiores e as atitudes morais dos agentes da paz. Assim, acrescentou, aos pressupostos teóricos da investigação, o conceito de

potencial em crescimento, relacionado com a capacidade de cada indivíduo identificar,

criar e canalizar os seus próprios recursos. O autor adoptou, no âmbito da sua investigação, o conceito de potencial em crescimento como o poder criado e entendido pelos próprios indivíduos e não distribuído pelos outros.

O estudo qualitativo teve por base a entrevista profunda como método de recolha de dados. Foram entrevistados seis indivíduos do sexo masculino, com idades

64 compreendidas entre os 30 e os 40 anos e com uma experiência mínima como agentes da paz de 12 meses. A análise dos dados centrou-se na identificação de descrições relativas à orientação moral, tendo estas sido examinadas de forma a criar sínteses narrativas lógicas.

Os resultados do estudo revelaram a existência de três tipos de orientação moral: (a) a orientação moral para a justiça; (b) a orientação moral para o cuidar; (c) a orientação moral relacionada com o potencial em crescimento. A análise das narrativas dos agentes da paz permitiu identificar uma coexistência e uma ligação entre a orientação moral para a justiça e a orientação moral para o cuidar. Importa referir que os participantes apresentaram discursos ambivalentes. Por um lado, os agentes da paz evidenciaram um grande sentido de dever relativamente às suas responsabilidades e uma preocupação em agir correctamente, independentemente das circunstâncias; por outro lado, mostraram apreensão e zelo relativamente aos seus parceiros que se encontravam, tal como eles, longe de casa e em situação de perigo. Os relatos dos participantes descrevem situações de apoio emocional mútuo, facto que traduz uma manifestação genuína de cuidar do outro.

Paralelamente às orientações morais para a justiça e para o cuidar, os agentes da paz revelaram motivações internas para cumprirem os seus deveres e, ao mesmo tempo, crescerem como seres humanos. O trabalho de agente da paz desencadeou em cada indivíduo uma reflexão interna sobre os seus valores com reflexos no seu desenvolvimento moral. O aumento cumulativo da pressão inerente às suas funções provocou uma procura do potencial interno, facto que redundou, de acordo com os resultados da investigação, num terceiro tipo de orientação moral, a orientação moral relacionada com o potencial em crescimento.

Este tipo de orientação moral envolve questões éticas e religiosas. Os desafios inerentes ao trabalho de agente da paz e a própria comunidade são factores que se relacionam com o desenvolvimento do potencial em crescimento, mas na essência desse processo está a reflexão sobre as questões espirituais. Os resultados do estudo apontam a meditação espiritual como o núcleo do potencial em crescimento. Neste sentido, o serviço de agentes da paz torna os indivíduos bastante sensíveis à meditação

65 espiritual. Os seus relatos evidenciam as vivências espirituais no desempenho das suas funções, fruto do facto de lidarem com a resolução de problemas de pessoas que não tinham, literalmente, nada para viver e do dever de manter uma atitude neutral num contexto intrinsecamente ligado a questões éticas e religiosas. Os agentes da paz revelaram, ainda, a necessidade de desenvolver relações de empatia com as populações locais, que foram forçadas a abandonar os seus lares destruídos. A assunção destes deveres significou a procura do potencial interno para concretizar as suas pretensões.