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2.2 Jovens negros da EJA: raça/etnia como construções sociais

2.2.1 A relação entre raça/cor e juventudes

Alguns estudos têm mostrado que a cor da pele desempenha, no Brasil, um importante fator de diferenciação e ou estratificação social (SABOIA, 1998). Em nosso caso interessa compreender a relação entre raça/cor e juventudes. Vejamos os dados referentes aos índices de escolarização dos jovens e adultos por raça/cor levantados na escola pesquisada.

TABELA 4

Índice de escolarização por raça/cor na escola pesquisada Raça/cor

Branco Preto Pardo Amarelo Indígena

Você já parou de estudar alguma vez? Não 22 16 25 1 3

Sim 28 29 58 5 2

Fonte: Informações retiradas de questionário aplicado no turno diurno da escola

30

Stuart Hall (2002) analisa esse movimento como uma descentralização do processo identitário submetido a permanentes processos de construção, com forte associação à idéia de pertencimento a uma determinada comunidade, num determinado tempo e espaço.

Podemos verificar que os/as jovens e adultos alunos/as autodeclarados/as negros (pretos e pardos) apresentam uma trajetória escolar mais acidentada em contraposição aos jovens e adultos que se autodeclararam brancos. Pode-se inferir, disso, que a distorção idade/série, a evasão escolar e o processo de inclusão subalterna têm afetado de maneira mais direta alguns segmentos da escola pesquisada: o segmento negro é um deles.

A esse respeito, José de Souza Martins (1997) considera que nos dias atuais a nova desigualdade social concretiza-se a partir da inclusão subalterna de uma parte significativa da população. O autor prefere adotar esse termo ao invés de exclusão social pois, para ele, rigorosamente falando, não existe exclusão e sim contradição: existem vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes, existe o conflito pelo qual a vítima dos processos excludentes proclama seu inconformismo, seu mal-estar, sua revolta, sua esperança, sua força reivindicativa e sua reivindicação corrosiva (MARTINS, 1997, p. 14).

O estudo desenvolvido por Ricardo Henriques (2001) corrobora a reflexão acima desenvolvida quando o autor afirma que o pertencimento racial tem importância significativa na estruturação das desigualdades sociais e econômicas no Brasil. Em investigação realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), as desigualdades raciais são retratadas a partir de indicadores que abrangem a faixa etária, condição de moradia, empregabilidade e educação, dentre outros, sobretudo, no que se refere à situação dos jovens e adultos negros.

De acordo com Henriques (2001), apesar da significativa melhoria nos níveis médios de escolaridade da população brasileira ao longo do século, percebe-se ainda uma situação de desigualdade educacional entre brancos e negros. A pesquisa também constatou que

8% dos jovens negros/as entre 15 a 25 anos eram analfabetos, em relação a 3% de brancos; 5% dos jovens negros entre 7 e 13 anos não freqüentaram a escola e somente 2% dos jovens brancos da mesma faixa etária não o fizeram; a escolaridade média de um jovem negro de 25 anos de idade gira em torno de 6,1 anos de estudo, um jovem branco da mesma idade tem cerca de 8,4 anos de estudo.

Portanto, os dados que incidem principalmente na escolarização dos jovens e adultos negros revelam uma profunda desigualdade nas trajetórias de negros e brancos no Brasil.

Em conformidade com essa constatação tendo como base a análise dos dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad, 2007) e confirmando o que vários/as pesquisadores/as - HASENBALG (1979), PINTO (1992), ROSEMBERG (1998), HASENBALG e SILVA (1999), PETRUCCELLI (2007) - têm apontado: para a

caracterização real das desigualdades sociais, econômicas, históricas e culturais brasileiras faz-se necessário desagregarmos o fator raça/cor dos sujeitos envolvidos em nossas pesquisas.

TABELA 5

Taxa de distorção série-idade em % por raça ou cor, 2007

Ensino Fundamental Ensino Médio

Brancos 24,8 Brancos 34,1

Negros 40,2 Negros 52,7

Fonte: Pnad/IBGE/Ipea

Raça negra é composta de pretos e pardos

Os dados apresentados na tabela acima desagregam a raça/cor dos jovens que encontram-se matriculados tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio. Feito isso verifica-se que o déficit relacionado à distorção série-idade ocorre de forma mais acentuada entre os jovens estudantes negros/as em comparação com os/as estudantes brancos/as. Nesse sentido, percebe-se que a cor da pele é um fator muito marcante também quando se trata de comparar os indicadores de inserção dos jovens no sistema educacional (SABOIA, 1998, p.510).

Numa perspectiva bastante parecida Rosalina Soares (2006), ao realizar a sua dissertação, buscou analisar o desempenho escolar dos alunos do ensino fundamental a partir da classificação racial, tendo como referência a Avaliação da Educação Básica (SAEB) - em nível nacional - e o Programa de Educação Básica (PROEB) - em nível estadual - que medem o desempenho cognitivo dos alunos em leitura e matemática. A autora concluiu que o desempenho escolar dos/as alunos/as que se autodeclararam pretos e pardos é pior se comparado aos/às alunos/as brancos/as. Soares (2006) constatou, ainda, que os/as alunos/as autodeclarados “pretos” apresentam os índices de desempenho escolar ainda mais preocupantes em relação aos demais. Com efeito, após a conclusão dessa pesquisa, a autora faz as seguintes considerações.

O conhecimento de que estas categorias não são neutras, que carregam significados históricos, sociais e culturais que representam a história das relações raciais no Brasil, e que, portanto, são usadas como moeda de troca de negociação social, reconhecendo, neste sentido, que a classificação os coloca frente a um continuum de cor, sendo referência da e nas relações inter-pessoais estabelecidas ao longo da vida (SOARES, 2006, p.129).

Nessa perspectiva, o crescente número de jovens negros/as que se insere atualmente na EJA exige um novo olhar sobre essa modalidade de ensino. Assim, Joana Passos assinala que

Estudar a relação entre jovens negros e EJA significa a possibilidade de dar visibilidade a um segmento social que, apesar da discriminação e da exclusão social que sofrem, criando e recriando estratégias para resistir. Significa olhar para uma modalidade de ensino que historicamente tem se traduzido numa política compensatória coadjuvante no combate às situações de extrema pobreza. E, ainda, significa mergulhar na cultura da EJA com seus ritos e suas políticas e na cultura dos jovens negros, ouvindo sobre nossas práticas docentes e conhecendo aspectos da história da educação brasileira que têm sido pouco ou nada relatados (PASSOS, 2005, p.54).

Pode-se inferir que estudar a relação entre jovens negros e EJA implica alguns dos desafios que a modalidade de ensino de Educação de Jovens e Adultos tem de lidar atualmente, isto é, um universo distinto no que diz respeito à especificidade sócio-econômica do seu educando/a, a questão geracional, o pertencimento étnico-racial, as vivências culturais e as perspectivas dos seus alunos/as em relação à escola.

A análise do processo de inclusão de forma subalterna e das trajetórias escolares acidentadas nos leva a ponderar que as desigualdades educacionais em nosso país atingem de forma mais significativa a população afro-brasileira. Pode-se verificar que ao serem desagregadas por raça/cor do alunado do ensino fundamental e médio as taxas de distorção série/idade entre os/as jovens negros/as são as piores. Essas informações ainda nos fazem refletir que a resolução dessas desigualdades não se encerra simplesmente na redução das desigualdades socioeconômicas, conforme acreditam determinados setores sociais.

A superação das várias desigualdades exige uma visão mais complexa em torno das formas sobre as quais um conjunto de desigualdades opera - raça, gênero, classe, idade. Exige, também, compreender novas formas e espaços de superação desse estado de coisas. A cultura é um deles. Por meio do movimento de reconhecimento e afirmação da identidade cultural, negros e brancos podem conseguir articular elementos importantes para refletirem sobre as especificidades e a constituição do “sujeito social” na sua diversidade.

Vejamos então de que maneira os/as jovens pesquisados/as percebem-se como negros/as e as possíveis interferências históricas, sociais, culturais, econômicas, educacionais e familiares no processo de construção da sua identidade étnico-racial.