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4 ORALIDADE

4.1 RELAÇÃO FALA E ESCRITA

Acreditava-se que a evolução da escrita fundamentava-se na utilização da linguagem oral, pois nasceu com a intenção inicial de representação da fala, porém esta representação não se realizou de forma fidedigna, pois muitos elementos que acompanham a fala não podem ser representados pela escrita como, por exemplo, a postura corporal, os gestos, os olhares, o tom de voz etc. e alguns elementos

encontrados na escrita também não podem ser encontrados na fala como, por exemplo, o tamanho das letras, suas diferentes formas e cores, entre outros.

Desta forma, pode-se considerar que a linguagem oral foi o alicerce para a linguagem escrita, tendo em vista que aquela surgiu antes desta, mas não se pode considerar que a escrita seja a representação da fala, e nem afirmar que a fala seja superior à escrita ou vice-versa, pois uma complementa a outra, e ambas possuem sua importância na comunicação. Conforme Marcuschi (2008, p. 17), “Se é bem verdade que todos os povos, indistintamente, têm ou tiveram uma tradição oral, mas relativamente poucos tiveram ou têm uma tradição escrita, isto não torna a oralidade mais importante ou prestigiosa que a escrita”.

Muitos imaginam que a fala não obedece à norma padrão, isto é, ao estilo mais formal da comunicação. Esta é uma forma de dicotomia estrita, pois de acordo com Marcuschi (2008, p.28) “A perspectiva da dicotomia estrita tem o inconveniente de considerar a fala como o lugar do erro e do caos gramatical, tomando a escrita como o lugar da norma e bom uso da língua. Seguramente, trata-se de uma visão a ser rejeitada”.

Baseadas na estrutura conversacional da linguagem oral, Fávero, Andrade e Aquino (2007) explicam que, até meados dos anos 60, esta modalidade foi considerada o lugar do caos gramatical por conter uma quantidade importante de elementos pragmáticos (pausas, hesitações, alongamentos, entre outros), dando a impressão de que a norma padrão não era utilizada.

Com o início dos estudos de textos, abriram-se os olhares para o processo e não somente para o produto (conversação). Assim, a linguagem oral deixa de ser vista como mera verbalização e passa a fazer parte de análises textuais que observam não só a sua produção final como também as condições de realização de cada atividade desse gênero. Desta forma, percebe-se que não se trata do desuso da norma padrão, mas, da forma como ela é empregada, que é diversificada da forma como é utilizada na linguagem escrita, uma vez que os processos de produção e realização destas duas modalidades (oral e escrita), dependendo do contexto em que estão insertas, podem ser muito distintos.

Tanto a fala como a escrita, em todas as suas formas de manifestação textual, são normatizadas (não se pode dizer que a fala não segue normas por ter enunciados incompletos ou por apresentar muitas hesitações, repetições e marcadores não lexicalizados). (MARCUSCHI, 2008, p.46)

A fala e a escrita não devem ser consideradas dicotômicas, visto que mesmo com algumas diferenças há mais semelhanças que as agregam e complementam. Ambas fazem parte de um mesmo sistema linguístico, não sendo consideradas independentes e opostas, embora possuam suas particularidades, por fazerem parte de um universo diversificado, onde em uma o foco é a sonoridade e em outra é a utilização de símbolos gráficos. No entanto, torna-se necessário, na maioria das vezes, utilizar essas duas modalidades de linguagem para se obter uma comunicação mais eficiente. Na visão de Marcuschi (2008, p.32), “(...) fala e escrita não são propriamente dois dialetos, mas sim duas modalidades de uso da língua, de maneira que o aluno, ao dominar a escrita, se torna bimodal. Fluente em dois modos de uso e não simplesmente em dois dialetos”.

De acordo com Marcuschi (2008), numa perspectiva sociointeracionista, que possui seguidores como: Preti (1991, 1930), Koch (1992), Marcuschi (1986, 1992, 1995), Kleiman (1995), Urbano (2000), entre outros, a preocupação com a prática da linguagem é realizada a partir dos processos de produção de sentidos tendo como base seus contextos sociais; em suma, esta perspectiva “(...) preocupa-se com a análise dos gêneros textuais e seus usos na sociedade” (MARCUSCHI, 2008, p. 34).

De acordo com Koch (2003, p. 78), pode-se encontrar algumas diferenças entre a fala e a escrita, porém nem sempre estas distinguem as duas modalidades, tendo em vista que existe uma escrita informal que se aproxima da fala e uma fala formal que se aproxima da escrita, dependendo do contexto em que estão insertas.

Tratando-se desta disparidade entre fala e escrita, Marcuschi fala sobre um

continuum, que talvez seja a chave para o entendimento das diferenças existentes

nessas duas modalidades de linguagem. Para ele, as diferenças existentes nestas modalidades não são características pertencentes a cada uma delas, mas sim características de um sistema normativo da língua, do qual essas fazem parte, que as individualiza enquanto relação entre fatos linguísticos e práticas sociais. De acordo com Marcuschi:

As relações entre fala e escrita não são óbvias nem lineares, pois refletem um constante dinamismo fundado no continuum que se manifesta entre essas duas modalidades de uso da língua. Também não se pode postular polaridades estritas e dicotomias estanques. (2008, p. 34).

Antes de Marucschi, Biber (1988, p.18 apud Fávero; Andrade; Aquino, 2007, p. 78) já havia mencionado este continuum, realizando uma distribuição de quatro gêneros textuais dentro de um contínuo, mostrando que em alguns casos há uma grande proximidade entre a fala e a escrita e em outros, estas características afastam-se. Ele realiza esta distribuição com base em quatro traços linguísticos, sendo eles: muitas nominalizações e passivas, poucas nominalizações e passivas, muitos pronomes e contrações, poucos pronomes e contrações. Vejamos a figura abaixo:

Figura 2: Traços Linguísticos no contínuo de Biber Fonte: Fávero; Andrade; Aquino (2007, p. 78)

Para Biber há semelhanças e diferenças entre Gêneros escritos e orais, que em algumas vezes os aproximam e noutras os afastam, como é o caso da conversação e discussão acadêmica. Na conversação encontramos poucas nominalizações e passivas ao contrário da discussão acadêmica, em que há muitas nominalizações e passivas. No entanto, estes dois gêneros possuem em comum a presença de muitos pronomes e contrações.

Segundo Marcuschi (1993, p.53, apud Fávero; Andrade; Aquino, 2007, p. 79), há semelhanças e diferenças nos textos científicos e ficcionais que os aproximam e os afastam de modo diferenciado da discussão acadêmica e da conversação espontânea. Para ele, fica claro que a fala e a escrita não fazem parte de dois extremos, mas de um contínuo distribuído numa escala de parâmetros empiricamente identificáveis.

De acordo com Marcuschi (2008, p 37), “(...) as diferenças entre fala e escrita se dão dentro do continuum tipológico das práticas sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois pólos opostos”, e essas palavras tornam-se mais claras

observando-se o gráfico de representação do contínuo dos gêneros textuais na fala e escrita, ilustrado pelo referido autor (MARCUSCHI, 2008, p. 41):

Figura 3: Representação do contínuo dos Gêneros Textuais conforme Marcuschi

Ao analisar a representação do contínuo dos gêneros textuais de Marcuschi, percebe-se que há gêneros orais e escritos que possuem características similares, como pode ser o caso de um texto publicitário (gênero escrito) e um noticiário de TV (gênero oral). Estes dois gêneros podem apresentar semelhanças como, por exemplo, a

utilização do estilo mais formal da comunicação, em outras palavras, a utilização da forma padrão que se torna necessária, na maioria das vezes, para adequação destes gêneros em alguns domínios discursivos em que estão introduzidos, que neste caso específico é o contexto jornalístico.

Ao comparar, por exemplo, um texto publicitário com um bilhete, que também é um gênero escrito, encontram-se mais diferenças do que na comparação anteriormente citada. Marcuschi esclarece que o que ocorre são variações que tanto podem acontecer com gêneros da mesma modalidade como com gêneros de modalidades diferentes (orais e escritos). É o que ele chama de continuum de variações (variações das estruturas textuais-discursivas, seleções lexicais, grau de formalidade, entre outras), ou seja, a fala varia e a escrita varia.

Em suma, partindo da noção de língua e funcionamento da língua como concebidos aqui, surge, como hipótese forte, a suposição de que as diferenças entre fala e escrita podem ser frutiferamente vistas e analisadas na perspectiva do uso e não do sistema. E, neste caso, a determinação da relação fala-escrita torna-se mais congruente levando-se em consideração não o código, mas os usos do código. Central, neste caso, é a eliminação da dicotomia estrita e a sugestão de uma diferenciação gradual e escalar.” (Marcuschi, 2008, p.43) Analisando a heterogeneidade entre fala e escrita e situando-se nas diferenças entre elas, Koch (2003, p. 78) afirma que “assim, o que pode se dizer é que a escrita formal e a fala informal constituem os pólos opostos de um contínuo, ao longo do qual se situam os diversos tipos de interação verbal”, não se tratando de uma dicotomia estrita, porquanto o que define o grau de formalidade em qualquer uma das modalidades de linguagem é o domínio discursivo em que estão insertas, pois, sendo o foco principal uma comunicação apropriada, a modalidade da linguagem deve adequar-se ao contexto pertencente para que realize com sucesso o seu objetivo. Segundo Fávero; Andrade; Aquino:

Ao tratar da fala e escrita, é preciso lembrar que estamos trabalhando com duas modalidades pertencentes ao mesmo sistema linguístico: o sistema da Língua Portuguesa, com ênfase diferenciada em determinados componentes desse sistema. Assim, aquilo que se poderia considerar distinção corresponde meramente a diferenças de estruturais. (2007, p. 69)

Concluindo este tópico, reafirmam-se as palavras de Fávero; Andrade; Aquino (2007, p.74), segundo as quais para se estabelecer relações entre fala e escrita, sem que haja equívocos, é preciso considerar, portanto, as condições de produção de cada gênero destas modalidades, pois elas possibilitam os eventos comunicativos e possuem particularidades, conforme ilustram no quadro abaixo:

Quadro 2: Comparativo entre fala e escrita

Fala Escrita

- Interação face a face7 - Interação à distância (espaço-temporal) - Planejamento simultâneo ou quase à

produção - Planejamento anterior à produção

- Criação coletiva: administrada passo a

passo - Criação individual

8

- Impossibilidade de apagamento - Possibilidade de revisão - Sem condições de consulta a outros

textos - Livre consulta

- A reformulação pode ser promovida tanto pelo falante como pelo interlocutor

- A reformulação é promovida apenas pelo escritor

- Acesso imediato às reações do

interlocutor - Sem possibilidade de acesso imediato

- O falante pode processar o texto, redirecionando-o a partir das reações do interlocutor

- O escritor pode processar o texto a partir das possíveis reações do leitor - O texto mostra todo seu processo de

criação

- O texto tende a esconder o seu

processo de criação, mostrando apenas o resultado.

Fonte: (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2007, p. 74)

Tendo em vista que a oralidade também percorre esse continuum tipológico, conforme já explorado acima, torna-se necessário o ensino dessa modalidade, pois em alguns gêneros o grau de formalidade varia, a estrutura se modifica, entre outras características, e para que se realize com sucesso o processo de comunicação, torna-se essencial o trabalho contínuo destes gêneros, assunto que trataremos no próximo tópico.

7 Grifo: Lembra-se que nem sempre na fala há interação face a face, tendo em vista que em alguns casos isso talvez não ocorra como, por exemplo, na conversação realizada através de um telefonema.

8 Grifo: A criação pode ser considerada individual, desde que se lembre que a produção é feita baseada no público alvo, assim a produção pode ser feita só pelo escritor, mas está é feita com o foco no leitor. E em alguns casos a escrita pode ser realizada no coletivo, não podendo ser considerada sempre individual.

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