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Relação sítio e estrutura formal arquitetônica Este parâmetro tem como base as dicotomias earthwork/roofwork

(embasamento/ cobertura) e placeform/productform (forma do lugar/forma produzida) identificadas por Frampton em seus estudos sobre a cultura tectônica. Importa analisar como o edifício se relaciona com o sítio e que implicações essa relação pode ter sobre o caráter tectônico da arquitetura. Se o ato de conhecer o lugar, descobrir a arquitetura que o sítio solicita e movimentar a terra para o assentamento do edifício é ponto de partida para a arquitetura, como considera Gregottti (2006), Tadao Ando (2006) e Semper (2004), respectivamente, conforme estudado no Capítulo 1, os resultados materiais expressivos dessa ação e sua relação com a estrutura formal arquitetônica são os primeiros a serem considerados na análise do caráter tectônico.

Nessa relação o termo roofwork não se limita ao sentido do trabalho realizado para cobrir o espaço e que resulta na “cobertura”, mas, é entendido como a envoltória do espaço arquitetônico como um todo, abrangendo os elementos materiais que estruturam e delimitam esse

espaço. Do mesmo modo, embora a tradução do termo earthwork seja terraplenagem – movimento de terra para deixar um terreno plano, conforme Corona & Lemos (1972) –, o sítio é considerado em sua totalidade, sendo examinados nos seus nexos com a estrutura formal arquitetônica dois elementos determinantes nessa relação: (1) a implantação – posição do edifício com relação ao lote, à orientação favorável às características climáticas do lugar e às vias de acesso, e a relação com a paisagem natural e construída; (2) o embasamento - conjunto de trabalhos necessários para assentar solidamente a edificação (CORONA; LEMOS, 1972). A maneira como o terreno é trabalhado, para a ancoragem do edifício, atende de certo modo às suas características naturais - tipo de solo, geometria, desníveis, por exemplo - e aos limites ou concessões que delas decorrem, condicionando muitas vezes a escolha do sistema estrutural e construtivo, bem como dos materiais a serem adotados.

Este nível analítico permite a observação das articulações materiais (junções) estabelecidas ou utilizadas na transição do embasamento para o envoltório do espaço, transição esta que pode constituir uma fonte de significado da arquitetura. A expressividade que resulta dessas junções decorre em parte dos procedimentos construtivos utilizados, que podem remeter a universos diferentes e que possibilitam a coexistência, inclusive da cultura técnica do pesado (heavy-weight) e a cultura técnica do leve (light-

weight), que Frampton (1995) identifica na fórmula semperiana stereotomic/tectonic.

Considerando a importância das provocações sensoriais ou resultados estéticos causados por essas diferentes culturas técnicas para a compreensão do sentido da arquitetura, mas, considerando, também, as confusões decorrentes do uso da terminologia stereotomic/tectonic, dado seu sentido etimológico, adota-se nesta pesquisa os termos: “tectônica do pesado” – para se referir à expressividade decorrente de procedimentos materiais que evocam o pesado (sistemas construtivos heavy-weight), o

comprimido, o telúrico, o escuro, que remete à materialização da forma construída; e “tectônica da leveza” - para se referir à expressividade decorrente dos procedimentos materiais leves (sistemas construtivos light-

weight), que aludem à desmaterialização, à transparência, ao aéreo,

voltados para a luz e para o céu.

Um dos exemplos do modo como ocorre a transição entre embasamento/cobertura pode ser visto na cultura chinesa, onde se observa com clareza o contraste entre a alvenaria pesada da “base” e a “estrutura leve da cobertura” flutuando sobre esta. A fórmula desse esquema é identificada por Frampton (1995) nos diversos esboços do arquiteto Jorn Utzon (Fig. 2.1). O envoltório do espaço “pairando” sobre uma base de dimensões consideráveis é recorrente na obra de Utzon e encontra sua expressão máxima na Opera House de Sidney, onde se observa a cobertura do espaço em uma estrutura formal dinâmica constituída de “conchas” de variados tamanhos sobre uma plataforma em diferentes níveis (ver Fig. 2.4). Em outras obras e projetos do próprio Jorn Utzon essa relação se manifesta de modo diferente, como por exemplo, na proposta do Museu Silkeborg3, considerado por Frampton (1995) um típico “earthwork”, devido ao fato de grande parte do espaço do edifício encontrar-se abaixo do solo e ao trabalho de movimentação/subtração de volumes de terra realizados para esse fim (Fig.2.2).

A proposta expressa a experiência de Utzon ao visitar as cavernas do Talung, na China, onde se encontram várias esculturas budistas nas rachaduras da terra. Como argumenta Frampton, um museu sob a terra parece apropriado ao primitivismo da “arte bruta” do Grupo Cobra para quem o projeto se destinava. Uma situação oposta a essa proposta, do ponto de vista da relação sítio/estrutura formal, o Pavilhão de Langelinie, é criado por

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O Museu Silkeborg foi projetado, em 1962, como galeria para abrigar as esculturas do artista norueguês Asger Jor, fundador do Grupo Cobra, uma associação internacional de artistas, criada na Europa, em novembro de 1948 (Frampton, 1995).

Utzon com o mesmo propósito do projeto anterior – o de abrigar um museu - mas, remetendo ao “pagode aéreo asiática”4 (Fig. 2.3).

Assim, essa relação embasamento/coberta (earthwork/roofwork) não se limita a um esquema único, mas, varia de acordo com fatores circunstanciais de lugar e de tempo, dos requisitos programáticos e da cultura de quem projeta, assim como, do significado que se quer imprimir ao projeto ou obra arquitetônica. Desse modo, essa transição embasamento/coberta não acontece alheia ao todo arquitetônico e estabelece, por sua vez, forte relação com o sistema estrutural adotado, assim como, com os elementos de vedação. No entanto, as relações materiais que ocorrem no envoltório ou cobertura do espaço, são observadas com mais precisão nos níveis analíticos seguintes.

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Pagode (templo) aérea asiática é uma torre escalonada com beirais múltiplos, construção típica comumente encontrada nos países da Ásia. (Disponível em www.dicionáriodoaurélio.com.br, acessado em 14/11/2011 às 10h27).

Figura 2.1

Croquis da relação embasamento/cobertura (eartthwork/roofwork) em Jorn Utzon; (a) croquis do templo Chinês; (b) croquis conceitual da residência Porto Preto.

Fonte: FRAMPTON, 1995.

Figura 2.3

Pavilhão de Langelinie, Copenhagen, 1953. Fonte: FRAMPTOM, 1995.

Figura 2.2 Museu Silkeborg

Relação estrutura resistente e estrutura formal arquitetônica.